José Luís Livramento: Entrada na Bolsa permite expandir formas de financiamento

PorAndre Amaral,24 jun 2018 7:30

​Em entrevista ao Expresso das Ilhas o PCA da CVTelecom garante que a entrada da empresa na Bolsa de Valores lhe abrirá portas a uma nova forma de financiamento e que a chegada a Cabo Verde de um novo cabo submarino de telecomunicações dará ao país mais segurança e também uma maior competitividade.

Um comentário a esta Assembleia Geral da CVTelecom que se realizou este fim-de-semana.

Foi uma AG muito concorrida. A representação das acções foi quase a 100%, todos os grandes accionistas estiveram presentes, desde a PTVentures passando pelo capital público que é de 42% (INPS, Estado e os Correios). Mas há outros accionistas que estiveram presentes como a Cruz Vermelha, pequenos accionistas … Está a ver que nesse universo já estão mais de 90% de representação de todos os accionistas. Foi uma Assembleia Geral muito concorrida e com uma participação muito alta em todos os pontos em debate.

A CVTelecom é uma empresa de capital intensivo que investe à volta de um milhão e meio de contos, em média por ano, e, desse valor, cerca de 32% é feito com recurso a financiamentos da banca.

Uma das decisões foi o inicio da comercialização em bolsa das acções da CVT, estamos a falar de que percentagem das acções e se isto significa que o conflito com a Oi já está resolvido?

Não. Não tem nada a ver com isso. Até porque a questão da inscrição da Cabo Verde Telecom na bolsa de valores é uma questão antiga. Quando o Estado privatizou a Cabo Verde Telecom, foi dito aos compradores das acções, a título privado, que haveria um mercado secundário onde poderiam vender essas acções. Isso não se realizou e um dos grandes prejudicados pelo facto de a CVTelecom não ter sido inscrita em bolsa até hoje foram os pequenos accionistas que durante todo esse tempo, desde 1996/97, compraram acções e, ao quererem desfazer delas, não tinham e não têm um mercado onde as colocar, faziam-no por boca a boca. Mas havia inclusive uma limitação na anterior lei, de 1995, em que se previa que o capital estrangeiro na CVTelecom fosse limitado a 40%. Se se inscreve a empresa em bolsa como se teria um mecanismo de garantir que o capital estrangeiro ficaria limitado aos 40%? Depois disso, é claro que as coisas foram mudando e neste momento há três ganhos essenciais para essa inscrição. O primeiro ganho é para a empresa que assim expande as fontes de financiamento. A CVTelecom é uma empresa de capital intensivo que investe à volta de um milhão e meio de contos, em média por ano, e, desse valor, cerca de 32% é feito com recurso a financiamentos da banca. Portanto, a inscrição na Bolsa de Valores amplia as modalidades de financiamento, nomeadamente através de subscrições obrigacionistas.

Tem havido tentativas de compra dos 40% com valores sobre a mesa. Portanto, não havendo claramente uma referência de mercado, há algumas evidências que podem levar a que haja uma cotação inicial reagindo o mercado de acordo com a valorização real que faz aumentar ou cair esse valor inicial.

Nesta entrada em bolsa estamos a falar de que percentagem...

Isso depende dos accionistas. Eles é que ficam com essa acção de dispersão em bolsa. Mas deixe-me falar ainda dos ganhos. Ganham os accionistas que ficam com um mercado onde podem colocar as suas acções e ganham os investidores que têm a oportunidade de aplicação das suas poupanças numa empresa sólida e com uma boa performance financeira. No caso concreto da sua pergunta, olhe, um dos interessados podia ser o Estado que já anunciou que irá privatizar as acções que ainda detém na empresa e uma das modalidades poderá ser a dispersão de parte dos 3,4% em bolsa. A própria lei prevê que qualquer entidade que detenha um número razoável de acções possa colocá-las em bolsa e inclusive solicitar essa dispersão. Portanto, a questão da Bolsa de Valores é algo interessante para o país porque fortalece o mercado de capitais, neste caso a Bolsa de Valores de Cabo Verde, mas fortalece um conjunto de agentes, a começar pelos detentores de acções da CVTelecom, pelos detentores de poupança e garante mais rigor na gestão da empresa, porque uma cotada em bolsa tem obrigações adicionais de informação ao mercado. É algo bastante positivo.

Quando falamos em negociação na bolsa há obrigatoriamente um valor inicial das acções. Qual seria neste caso?

Agora vai-se seguir um processo. Porque a inscrição em bolsa tem um processo. E essa é uma das grandes questões porque normalmente temos um valor, o valor contabilístico, que é o chamado book value. Há algumas ideias, porque tem havido algumas transacções, os 40% que a PT SGPS detinha na CVT através da PT Ventures foram transferidos para a Oi mediante uma certa valorização. Tem havido tentativas de compra dos 40% com valores sobre a mesa. Portanto, não havendo claramente uma referência de mercado, há algumas evidências que podem levar a que haja uma cotação inicial reagindo o mercado de acordo com a valorização real que faz aumentar ou cair esse valor inicial.

Não há ainda um preço.

Não, não há.

Falava há pouco da PT Ventures e da Oi. Esse é um conflito que se arrasta há já algum tempo. Estamos perto de uma solução?

Esse conflito é entre accionistas e, portanto, o Conselho de Administração é alheio a isso. Gostaríamos que esse conflito fosse resolvido há muito mais tempo porque é uma das incertezas que influenciam externamente a CVTelecom. Há dois pontos em análise. Um junto do Banco Mundial em que a PTVentures pediu aquilo que se chama protecção de investidores e outro ponto junto do Tribunal Arbitral Comercial de Paris que já tem, inclusive, um cronograma de actuação, com um cenário de decisão de arbitragem em finais de 2018. É claro que por aquilo que eu sinto, o governo de Cabo Verde tem interesse que esse conflito também seja sanado rapidamente e uma das formas de se fazer isso era que aparecesse alguém a comprar os 40% da CVTelecom sendo certo que esse é também o desejo já manifestado há algum tempo pela própria Oi. Como sabe a Oi, logo que teve a propriedade da holding Africatel, predispôs-se a vender as suas acções seja em grupo, seja activo por activo.

A CVTelecom não estaria interessada em comprar esses 40%?

Perante os Estatutos estamos interditados de comprar acções próprias. Só em caso em que a própria Assembleia Geral assim o decidisse.

A CVTelecom, com esta entrada em bolsa, está em condições de abdicar de um parceiro estratégico?

Essa questão da entrada na bolsa está a ser analisada há muito tempo, mesmo quando o parceiro estratégico era a PT SGPS. Não tem nada a ver. Os 40% a serem vendidos, que hoje pertencem à PT Ventures/OI, devem ter em conta a tal parceria estratégica porque dá mais força à CVTelecom e sente-se essa necessidade seja no marketing, com o acesso a novos produtos e serviços que podem ser trazidos aqui para o mercado cabo-verdiano, seja na parte tecnológica, com o acesso ao conhecimento do estado-da-arte, assim como em aquisições, etc. Portanto, essa parceria estratégica é necessária e nós sempre reconhecemos isso como um ponto importante. Daí que aquele que comprar os 40%, quanto a nós, não será tao somente na lógica de fundo financeiro, mas sim, acompanhado de uma solução de parceria tecnológica.

Em relação ao acordo assinado por causa do EllaLink, o que é que isto significa para a empresa e para Cabo Verde?

É um grande passo tanto para a CVTelecom como para o país. Para a empresa porque há muito tempo que estamos à procura de uma solução para a segurança das comunicações internacionais. Temos actualmente dois cabos submarinos internacionais. Um deles é muito recente, chamado WACS (West Africa Cable System) que começou a funcionar em 2012, mas ainda temos capacidade num outro cabo mais antigo que entrou em funcionamento em 2000 que se chama Atlantis 2. Nesse cabo mais antigo já temos somente uma capacidade de 700 mega bits por segundo enquanto o nosso chamado gate way internacional no WACS já vai em 10 giga bits por segundo. Imagine, um corte no WACS e ficamos praticamente sem conectividade internacional porque os 700 mega talvez representem uma solução de voz já não de dados. Portanto, há muito que estamos à procura de uma solução de segurança de conectividade internacional de Cabo Verde e o EllaLink vai ter essa função primária. Mas vai ter também uma função estratégica e de competitividade para Cabo Verde.

Alguns países da costa africana tinham manifestado interesse que o cabo em vez de passar em Cabo Verde fosse para eles, mas como nós, desde o início, desde que soubemos da promoção do cabo, estivemos em contacto com esses promotores

Permite 72 terabits por segundo.

Exacto, é um cabo com muita modernidade e com muita capacidade e tem um figurino especial pois liga a América Latina à Europa. Ligando-se a Cabo Verde, o país fica com uma alta competitividade em termos de capacidade naquilo que se chama latência que é, grosso modo, a velocidade com que os pacotes digitais são transmitidos. Uma coisa é uma ligação África/Europa/ América Latina ou África/Europa/EUA e outra coisa é África, Cabo Verde, América Latina ou EUA. São trajectos muito diferentes. Os trajectos Cabo Verde-América Latina ou EUA são muito mais curtos e portanto têm ganhos naquilo que se chama de latência. O segundo ponto é que poderá servir, também, de segurança para vários países da costa ocidental africana que têm o seu tráfego internacional, tal como nós agora, limitados a um só cabo. Porque há um outro cabo que passa aqui na nossa costa que se chama ACE. Esses que estão no ACE gostariam de estar também no EllaLink ou no nosso cabo WACS. Portanto, esse cabo é uma grande oportunidade para Cabo Verde exercer, também, uma função estratégica em termos de venda de capacidade mundial. E prova disso é que a EllaLink tinha muitos concorrentes para lá entrar. Alguns países da costa africana tinham manifestado interesse que o cabo em vez de passar em Cabo Verde fosse para eles, mas como nós, desde o início, desde que soubemos da promoção do cabo, estivemos em contacto com esses promotores, sempre houve uma certa tendência da parte deles para subscrever o contracto com Cabo Verde

E qual vai ser o investimento que a CVTelecom vai fazer?

São 25 milhões de dólares. Isso para uma boa capacidade. Teremos 200 Giga bits por segundo para o Brasil e 200 Gigabits por segundo para Portugal. Portanto, teremos um total de 400 Gigabits o que nos dá uma margem muito boa de venda da capacidade.

Estaria a CVTelecom disposta a uma parceria, com o outro operador que existe no mercado, para a exploração deste cabo?

Essa questão não se coloca. Porque como sabe, para além de termos uma concessão até 31 de Dezembro de 2020, o governo resolveu prolongar o contrato de concessão com a Cabo Verde Telecom e, portanto, continuará a CVTelecom a gerir, para além de 2020, as infraestruturas backbone e essas infraestruturas incluem as comunicações internacionais, a ligação interilhas e possivelmente algumas ligações interurbanas. É um pacote global. É preciso que se entenda o processo. A CVTelecom é a gestora das infraestruturas através de uma empresa que irá criar e vende para todas as empresas de retalho e outras de grande porte que estão no mercado. Vende para a CVMultimédia, para a CVMóvel, para a Unitel T+, para a ASA, para o NOSi e qualquer que queira comprar capacidade para exercer uma actividade de retalho nas comunicações ou para consumo próprio. Eu não sei porque é que se faz essa pergunta quando não se está em sede de serviços de retalho. Está-se em sede de serviços grossistas. Agora, a nível de qualquer segmento, não há monopólio no país. Quem quiser, tal como a CVtelecom está a fazer, vir instalar cabos, investir em cabos, pode solicitar isso ao governo. Repare que em Portugal passam vários cabos submarinos em Sines, em Lagos, em Sesimbra. Portanto, os promotores de cabos submarinos internacionais que quiserem fazer passar cabos por Cabo Verde são livres. A Cabo Verde Telecom, em termos de infraestruturas, seja internacionais ou nacionais não tem o monopólio.

Fazia-lhe esta pergunta porque por mais de uma vez que a Unitel se diz interessada na exploração conjunta de um cabo submarino.

Isso seria um co-investimento. Primeiro, existem questões de licença e a questão de que os co-investimentos em qualquer sector dependem da vontade das partes. E da análise daquilo que é estratégia das partes. Ninguém é obrigado a fazer co-investimentos em qualquer ponto da rede. Seja internacional, seja nacional. Imagine que agora se dissesse aos TACV e à TAP que passassem a explorar o mesmo avião ou a duas empresas de construção civil que passassem a explorar a mesma máquina. Depende da vontade das partes. A TACV há-de ter o seu code share com alguma companhia, a TAP também, mas a obrigação que se tem é de ter um aeroporto, de se ter um serviço de handling, o resto é concorrência. Tem de se entender isso muito bem, porque às vezes isso traz ruídos desnecessários e que não favorecem a uma transparência do mercado.

Na AG foi também discutida a criação da empresa que vai fazer a gestão das infraestruturas. Em que fase estamos?

A assembleia de accionistas da CVTelecom criou a empresa, a unidade de negócios para exploração dessa infraestrutura. E é o que iremos fazer à medida que a CVTelecom e o Estado avancem nas negociações para tal. Estamos a cumprir, da nossa parte, aquilo que foi a decisão do governo em ser a CVTelecom a continuar com a gestão das infraestruturas mas através de uma unidade de negócios autónoma e personalizada em termos jurídicos.


Há um prazo para que essa empresa entre em funcionamento?

Não. Estamos a preparar isso tudo. Estamos num processo. Repare que o actual contracto só termina em 2020. Até lá, todo o novo figurino deverá estar em funcionamento.

Têm havido alguns cortes na rede de telecomunicações que depois se vêm a revelar roubos...

Roubos não. Sabotagem. Já houve época em que havia roubos. Isto é, havia muita procura de cobre a nível internacional, nomeadamente do mercado asiático e havia máfias em todo o mundo, em Portugal isso acontecia e aqui em Cabo Verde também, em que roubavam traçados de cobre, punham lume no plástico e exportavam o cobre. Com isso, deram cabo da rede da CVTelecom. Há muitos pontos que ficaram sem telefone fixo por causa dessas acções aqui em Cabo Verde. Mas actualmente não é isso que se passa. Actualmente, há mesmo sabotagem. Isto é, há um mandante, nós desconfiamos quem seja e há executantes, desconfiamos que haja alguém muito relacionado com a CVTelecom que conheça a própria rede, porque as acções são cirúrgicas. São feitas com as facas denominadas de x-acto e em pontos nevrálgicos da rede, deitando abaixo o funcionamento da rede BTS da CVMóvel. O objectivo é deitar abaixo as emissões da CVMóvel. É claro que esse é um problema de segurança das comunicações electrónicas que está prevista na lei. O Estado tem obrigação de garantir essa segurança e a polícia e as procuradorias devem fazer o seu trabalho. Espero que principalmente o mandante seja apanhado porque a situação é grave. Nós não andamos a fazer muito alarde à volta disso, porque não interessa à CVTelecom fazer isso, nem à própria polícia. Mas tem acontecido. Há cerca de um mês, na zona ao pé do Estádio Nacional, o traçado de fibra ótica que vai para o interior de Santiago, foi sabotado.

Há pontos onde isso costuma acontecer?

Aí, em Picos, Santa Cruz, no Tarrafal. Em zonas onde o traçado passa por locais ermos, locais isolados.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 864 de 20 de Junho de 2018.

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Autoria:Andre Amaral,24 jun 2018 7:30

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  19 mar 2019 23:21

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