Em Novembro deste ano, a companhia de dança Raiz di Polon comemora 25 anos de actividade, e pretende realizar vários eventos para assinalar o aniversário. Mas antes disso, o grupo estreia esta sexta-feira, 29, na Praia, a peça “Ben di Fora”, que será interpretada por um corpo de bailarinos que inclui integrantes veteranos da companhia Raiz di Polon e elementos mais experientes da Escola de Dança da companhia. O Expresso das Ilhas esteve à conversa com o Produtor Executivo do grupo, Jeff Hessney, para saber mais sobre a companhia, conhecer melhor a sua história e os projectos do grupo.
Como surgiu a ideia de criar um grupo de dança contemporânea?
O que levou à criação do Raiz di Polon foi o facto de, naquela altura, estarem a surgir muitos grupos de dança que se formavam, faziam alguma coisa e logo depois desapareciam. Então a ideia do Mano Preto, do Zezinho e de outros fundadores era fazer um grupo de dança que durasse muito tempo.
Porquê Raiz di Polon?
Polon, dos poucos que temos, são coisas grandes e duradouras. Foi por isso que surgiu o nome Raiz di Polon.
Quem foi o pioneiro?
Podemos dizer que os fundadores foram o Mano Preto que continua até hoje a liderar o grupo e Zezinho Semedo que actualmente vive nos Estados Unidos de América.
Quando é que criaram a primeira peça?
Criaram muitas peças na fase inicial, mas a primeira peça que podemos dizer que é do período contemporâneo do Raiz di Polon foi “Até ao Fim”. Antes disso tinham participado numa formação dada por dois coreógrafos e bailarinos portugueses, Clara Andermatt e Paulo Ribeiro, que tinham vindo a Cabo Verde apresentar o espectáculo “Dançar Cabo Verde”. Foi o primeiro contacto que os elementos do grupo tiveram com uma abordagem contemporânea da dança, em lato sensu, mas também da cabo-verdiana. A partir aperfeiçoaram essa abordagem para começarem a fazer Dança.
Como foi a evolução do grupo até aos dias que correm?
O grupo tem crescido de acordo com a natureza artístico de cada um dos elementos, que vão ganhando mais prática, e que, ao mesmo tempo, quando observam coisas diferentes, vão aprimorando as suas capacidades. Isso sem contar com outras obras e com o contacto com a cultura cabo-verdiana. Em termos mais visíveis, primeiramente por causa do contacto com a cultura. Começaram a ver como é que as técnicas contemporâneas podem enriquecer o vocabulário de movimento e de expressão do grupo e, ao longo do tempo, todos os elementos foram participando em workshops, com bailarinos nacionais e de outros países, tanto aqui como no estrangeiro. Isso é uma face mais visível da evolução do grupo, mas claro que cada um evolui pessoal e espiritualmente.
Mudou muita coisa no grupo, em termos de dança, desde da sua criação até os dias de hoje?
Sim, muita coisa mudou. Quando começou foi o que se poderia chamar de um grupo mais voltado para a dança folclórica. A dança que fazemos hoje também não é a mesma que fazíamos há dez anos, embora tenhamos algumas peças que continuamos a fazer e apresentar com algumas mudanças, tanto a nível dos bailarinos - por causa da disponibilidade dos mesmos -, quanto a nível da própria estrutura da peça. Às vezes, retirarmos e acrescentamos alguma coisa, e cada peça é diferente, porque há peças que têm mais momentos silenciosos e outras que têm mais dança tradicional.
Como foi levar a dança contemporânea cabo-verdiana a outros países?
Ainda não fazia parte do grupo, mas penso que para os elementos foi uma experiência encarada com uma certa ansiedade. Essa ansiedade até hoje a sentimos, mas é uma coisa boa, dependendo do estado emocional naquele momento, que faz correr adrenalina e que emociona.
Como tem sido essa experiência?
As experiências são boas, a nível de conhecer pessoas é bom. Também conhecemos lugares que se não fosse a dança nunca iriamos conhecer. É igualmente bom do ponto de vista artístico, porque a maior parte dos artistas sente-se bem partilhando a sua arte com os outros.
Qual a experiência mais marcante que já tiveram?
Há muitas experiências marcantes: quando vês uma pessoa que sentiu uma conexão com algo que apresentamos; vamos para lugares que nunca pensamos ir e encontramos um cabo-verdiano... isso sempre é interessante e já aconteceu no Burundi e Eritreia que são países muito fechados. Nos países onde existem muitos cabo-verdianos são poucos os que vão ver os nossos espectáculos.
Sempre foram bem recebidos?
Sim. Isso não é questão de país, mas sim da plateia que está lá. Poucas vezes sentimos que não estavam à espera daquilo que apresentamos, mas sempre aplaudem.
Quantas peças já apresentaram até agora?
Já apresentamos várias peças como “Até ao Fim”, “Peito”, “CV Matrix 25”, “ Adão e Eva”, “Konquista”, “Duas sem Três”, “Ruínas”, “Dom Quixote das Ilhas”, “Caminho”, “Cidade Velha” que foram feitas por pessoal do corpo de bailado principal. Para além disso temos peças que consideramos serem de Raiz di Polon.Algumas das quais utilizaram mais elementos da nossa escola de dança, mas sempre juntamos pessoas da própria companhia. Entre essas há “Flor de Acácia”, “Povo das Ilhas”, “Ben di Fora”, que teve a pré-estreia na Noite Branca.
Escola de dança
Actualmente têm uma escola de dança...
Sim, já tivermos uma escola dividida em duas partes, para crianças e adultos, mas agora estamos só com os adultos.
Como é que funciona?
Não é uma coisa formal. Depende da disponibilidade do professor, porque o professor que temos também é docente de Escola Básica e Integrada (EBI).
Como é que funciona o grupo, em termos financeiro?
Sempre funcionamos à base de patrocínios, ou remunerações - que não é muito - das apresentações que fazemos.Agora, por exemplo, acabamos de assinar um acordo de patrocínio com o Banco Cabo-verdiano de Negócios (BCN), para três anos. Em termos financeiros não temos um fundo constante, no passado estivemos com a conta praticamente no zero. Às vezes, as pessoas acham que não temos problemas de dinheiro, porque já viajamos muito, mas acontece que os custos das passagens são de longe superiores ao nosso caché e isso limita-nos muito. Pontualmente, quando precisamos de alguma ajuda, temos que fazer pedidos às instituições do Estado.
Este ano completam 25 anos. Que balanço faz?
Vamos continuar a dançar até não poder mais, sentimos que algumas coisas poderiam ter sido melhor. Acho incrível como fizemos coisas, que nos dão tanta satisfação, a nível pessoal e artístico.
O que pretendem fazer para celebrar a data?
Como há alguns anos, queremos marcar da data com retrospectivas das peças antigas, com lançamento de vários artigos, exposição de fotografia... Temos várias ideias, mas este ano talvez seja mais difícil, por causa das eleições.
Como é que é fazer dança durante 25 anos?
Não é fácil, como não é em nenhum do mundo e Cabo Verde não foge à regra. O que é interessante é que as coisas aqui são mais fáceis do que em outros países, por causa da visibilidade.
Que projecto o grupo tem para os próximos tempos?
Para esse ano, temos uma peça que será apresentada no Festival Kontornu. Temos outra peça em conjunto, que Mano Preto já imaginou, que vamos começar a criar, que se chama “Coração de Lavas”.Tem um solo do Mano Preto inspirado no Codé di Dona, a bailarina Rosy Timas vai também apresentar uma peça a solo.
Na segunda-feira será a estreia da peça “Ben di Fora”, na cidade da Praia. Fale-nos dessa peça?
“Ben di Fora” faz uma leitura mais experimental de vários géneros tipicamente cabo-verdianos (colá, funaná, mazurka, morna, etc.) em que cada ritmo recebe uma atenção única e um tratamento dramático e coreográfico específico sem prejudicar a coesão – nem, muito menos, a energia da peça como um todo. A trilha sonora é composta tanto por músicas que já fazem parte do repertório cabo-verdiano como por composições originais feitas especialmente para a obra, e inclui intérpretes tais como Bulimundo, Tibau Tavares, Jorge Humberto e Bana. Na peça “Ben di Fora”, Mano Preto traz-nos um trabalho que resulta de uma proposta de processo criativo que experimentou em várias ocasiões ao longo dos últimos 10 anos e que resultou em peças ecléticas, e ao mesmo tempo sublimes como “Flor d’Acácia” e “Povo das Ilhas”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 739 de 27 de Janeiro de 2015.