A modernidade educativa segundo Teixeira de Sousa

PorExpresso das Ilhas,18 mai 2017 6:16

I

 

O médico e escritor Henrique Teixeira de Sousa escreveu este texto no mês de Maio, há 64 anos:

“Tudo quanto se fizer em ordem a procurar sintonizar as nossas escolas com padrões decentes, é pouco, pela grande caminhada que há que percorrer para nos aproximarmos dos standards considerados do nosso tempo.

É aflitivo observar como funciona a maioria das escolas primárias, numa rotina que data de séculos, sem qualquer orientação que não seja a da falsa intuição dos mestres à solta, que são os professores dos Postos Escolares, duplamente infelizes por não terem nem a mais rudimentar preparação pedagógica, nem o prémio material do esforço despendido na incrustação dos programas nos cerebrozinhos a eles confiados.

(…) Nos programas topamos, embora duma forma implícita, com as técnicas modernas, como o jogo, a colecção, a documentação, o gráfico, a ilustração (Decroly); topamos com o conceito actual da mentalidade infantil (…). Existe na letra dos mesmos programas, a noção conquanto vaga da educação funcional de Claparède, do aprendizado de base sensorial e concreta de Montessori, do ensino girando em torno das épocas dos interesses que vêem uns após outros, durante o desenvolvimento infantil. Simplesmente, tudo isto não passa de letra morta, porquanto na prática é o mesmo bêabá de sempre, a mesma tabuada encaixada a martelo, a mesma passividade dos lugares fixos, a mesma aridez das salas despidas de sugestões agradáveis, a mesma disciplina autoritária dos professores enfastiados, e o mesmo ambiente desinteressado das escolas da nossa meninice.

Ontem e hoje, as mesmíssimas coisas, sem que um passo em frente tenha sido dado na já longa caminhada da Pedagogia Moderna.

(…) As nossas escolas sentadas e o ensino papagueado precisam de ser substituídos por escolas activas, movimentadas, em que o aprendizado parte sempre do concreto, e tendo sempre em vista os tam falados mas não utilizados, centros de interesse de Dewey (…).

Ora, não seria muito mais útil, como de resto ordenam os programas adoptados, que em todas as escolas, sem excepção duma única, se fizessem excursões, culturas de plantas e animais, modelações, desenhos livres, visitas às pequenas industrias locais, aos barcos, às oficinas, etc…, se cozinhasse, fizesse o pão, a manteiga, o queijo, se organizassem récitas, demonstrações de ginástica, em vez de limitar o ensino à letra morta dos compêndios, entre as quatro paredes despidas de interesse, das salas de aula?

(…) Quanto à máquina de cinema [no Boletim Oficial tinha sido anunciado o concurso para o fornecimento duma máquina de projecção sonora] quero advertir que os 12 a 15 filmes também terão de ser escolhidos com muito critério e competência, de modo a servirem de motivos de interesse e de documentação, além da finalidade recreativa. (…)

[Adverte que] a UNESCO condena a maior parte dos filmes de desenhos animados designados como próprios para crianças, v. g. «Pinochio», «Branca de Neve», «Bambi» e «Dumbo», só recomendáveis para crianças com mais de 12 anos, em virtude da emoção choque, geradora de terríveis estados de angústia, provocada pelas cenas, violentas e aterrorizantes contidas naqueles filmes (Ilse Losa, «Vértice», volume XII, de Outubro de 1952).

(…) Em suma, para tudo nesta vida são precisos conhecimentos e as improvisações têem sido um dos grandes males aqui em Cabo Verde.[1]

(“Considerações sobre duas medidas pedagógicas”. In Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação n.º 44 maio de 1953, pp. 3-6). [2]II

Nessa época, o isolamento geográfico e a submissão política em Cab0 Verde ilhavam o ensino da influência das novidades pedagógicas. 

Porém, através de esporádicas notícias nos jornais que circulavam no Arquipélago, a elite crioula conseguiu aceder aos princípios da Escola Nova, movimento de inovação educativa e práticas pedagógicas centradas na criança, que se desenvolveu na Europa, na América do Norte (principalmente nos EUA) e na do Sul, entre finais do século XIX e meados do século XX.

Nesse movimento destacaram-se o filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey, a médica e pedagoga italiana Maria Montessori, 0 neurologista e psicólogo suíço Édouard Claparède e o médico e psicólogo belga Jean-Ovide Decroly.

Henrique Teixeira de Sousa, igualmente médico, captou a modernidade educativa através do conhecimento do movimento da Escola Nova que contrastava com “as nossas escolas sentadas e o ensino papagueado”.

Revelou ser um verdadeiro pedagogo pelo conhecimento das inovações educativas e da importância da sua utilização em Cabo Verde, desde que adequadas ao desenvolvimento das crianças (veja-se a preocupação com os filmes de desenhos animados).

Mais de meio século depois teremos de alinhar, sem improvisações, na “já longa caminhada da Pedagogia Moderna”.   

 


[1]  Os sublinhados são da responsabilidade da autora.

[2]  Manteve-se a grafia original.

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 806 de 10 de Maio de 2017.


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Autoria:Expresso das Ilhas,18 mai 2017 6:16

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  12 mai 2017 12:34

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