Ne Nas percorreu um longo caminho para descobrir a voz que foi plantada dentro dele há 45 anos, na ilha do Fogo.
Desde muito cedo veio viver para a cidade da Praia, onde sentiu uma profunda ligação com a música dos seus professores e colegas da Granja de São Filipe, que o inspiraram a envolver-se nessa arte.
Aos 11 anos de idade, juntamente com a aprendizagem da carpintaria, Ne Nas fez questão de incluir música nas suas aulas, estudando com alguns dos melhores músicos da ilha de Santiago.
Em 2002 imigrou para os Estados Unidos da América e, conectado com outros músicos das comunidades cabo-verdianas em Rhode Island e Massachusetts, começou a levar a música mais a sério.
Com habilidades afinadas nos ritmos tradicionais como Funaná, Batuku, Finaçon e Tabanka, Ne Nas, em colaboração com outros músicos, formou a banda “CV Tempra”, que actuou em toda a Nova Inglaterra.
Uma reputação crescente na comunidade musical cabo-verdiana que trouxe o círculo completo, e que fez dele uma escolha natural para se apresentar-se num concerto em homenagem a Orlando Pantera, um dos grandes nomes da música cabo-verdiana.
Todos estes passos serviram como uma escada musical que levou o artista a gravar o seu primeiro álbum intitulado “Balanciadu”.
Álbum que dedicou de corpo e alma para mostrar o que melhor sabe fazer. Apesar de dedicar a sua vida a fazer outras actividades, Ne Nas nunca esqueceu as suas raizes, pelo que decidiu gravar o seu primeiro álbum só com músicas tradicionais.
“Balanciadu”, conforme disse ao Expresso das Ilhas, é uma porta que se abriu para o lançamento dos seus futuros trabalhos discográficos. Ne Nas conta que está neste momento com vários temas já prontos para os próximos discos, que pretende lançar dentro de pouco tempo.
No seu primeiro disco o artista apresenta temas como “Kuranderu”, “Batuku Nha Dunga”, “Lindo, Lindo”, “Na Caminho”, “Balanciadu”, “Preto Mé”, “Sodadi Nha Raiz”, “Sabarbatú”, “Toru Brabu” e “Marimba Nu Bai”.
Ne Nas esteve em Cabo Verde a fazer a promoção do seu novo disco. E no dia 14 de Maio, esteve num concerto no Palácio da Cultura Ildo Lobo, na cidade da Praia, onde deu um cheirinho do seu “Balanciadu” e de outros temas que possivelmente estarão nos próximos álbuns.
“Balanciadu” é título do teu primeiro álbum. Como é que surgiu?
Escolhi esse título, porque o disco é formado por vários ritmos como o Funaná lento, Batuque e Coladeira. “Balanciadu”, porque é uma mistura de ritmos diferentes. Comecei a preparar esse álbum em Cabo Verde. Escrevi os temas antes de emigrar para os Estados Unidos, onde resido desde 2002.
Já estás no mundo da música há vários anos. Por que só agora o teu primeiro disco?
Porque tenho estado a prepará-lo com muito cuidado e sem pressa. O meu produtor é também artista e está sempre a viajar e tive que esperar que tivesse tempo para irmos para o estúdio e fazer os trabalhos. Mas para os próximos discos já estou preparado, pelo que não pretendo perder muito tempo nos estúdios. Hoje em dia, tenho uma ideia mais clara daquilo que quero.
Todo o trabalho de gravação foi feito nos Estados Unidos?
Sim, e este disco contou com a produção de Djim Job e Johnny Ramos, que tem estado a colaborar com outros artistas.
Além de Djim Job e Johnny Ramos, também trabalhaste com outros artistas?
Sim, com artistas do Brasil, da América, da Espanha e de cabo-verdianos como Kim Alves e Dicki Tavares, filho do Ano Nobo. Cada música tem o rosto de um artista diferente e há músicos do Mali na percussão. Gostaria de ter neste disco todos os músicos que gostam de mim e das minhas músicas, mas não foi possível.
Todos os temas do disco são da tua autoria?
Sim, são resultados de muita pesquisa que faço no mundo da música.
Qual a mensagem que queres passar com esse trabalho discográfico?
Quero é dar aos jovens mais caminho de pesquisa para poderem fazer os seus próprios trabalhos. Não o farão igual ao meu, mas com esse trabalho vão ter energia para fazerem aquilo que procuram. Da mesma forma que procurei e tenho o meu ídolo, também posso ser ídolo deles.
Quem é teu ídolo?
É Orlando Pantera. Temos quase a mesma idade, até quando ia para os Estados Unidos da América pedi a Deus para não me matar com a mesma idade que o Pantera, porque ele morreu muito jovem. Senti um pouco de medo na altura.
Chegaste a conviver com ele?
Sim, mas infelizmente não chegamos a tocar juntos. Falávamos sempre sobre a música, porque antes eu só fazia música.
Então estás com vários temas por gravar?
Sim e já dei as minhas músicas ao grupo Ferro Gaita e a outros artistas. Estou sempre de braços abertos para as músicas tradicionais, e pretendo oferecê-las às pessoas que estão nessa linha. Tenho vários temas para os próximos discos, mas, neste momento, estou concentrado na promoção desse primeiro álbum.
Tens outro ofício e continuas a fazer música?
Sim como cresci na Granja de São Filipe, na ilha de Santiago, de onde sairam muitos músicos e doutores. Hoje em dia, são grandes marceneiros de Cabo Verde. Muitas pessoas cresceram lá, e são bem-sucedidos na sociedade. Comecei a cantar aos 11 anos, recebi aulas de músicas e de carpintaria.
Este disco já está disponível nas plataformas digitais?
Sim, no itunes, Amazon e vários outros.
Este álbum é uma porta que se abre para os próximos trabalhos?
Sim, e já tenho tudo preparado para os próximos CDs.
Onde pretendes fazer um grande show de apresentação do teu trabalho?
Pretendo fazer show em todos os lugares. Um artista gosta de estar em todos os eventos como festivais de música. O meu trabalho precisa ser abraçado, porque tem vários instrumentos tradicionais.
Já tiraste quantos videoclipes desse álbum?
Ainda fiz só um videoclipe, do tema “Marimba Nu Bai”, mas pretendo lançar outros.
O próximo videoclipe será feito em Cabo Verde?
Sim, pretendo voltar talvez só para fazer os vídeos.
Tens algum tema no disco que gostarias de destacar?
Sim, “Sodadi Nha Raiz”. É uma música que fiz quando Orlando Pantera morreu, é algo que me marcou muito. Tenho o tema “Toru Brabu” que tem três versões, tem uma versão que foi feita por Kim Alves, que ainda não divulguei, porque quero fazer antes um videoclipe desse tema.
Qual a tua perspectiva com esse disco?
É dar ao país mais um artista para ouvir, e incentivar os mais jovens.
Estás em Cabo Verde só para fazer a promoção do disco?
Sim, não vim para dar espectáculos, mas sim para fazer a promoção do meu trabalho. Neste momento, estou na divulgação do meu disco nos vários órgãos de comunicação social do país.
Como é que está a decorrer a promoção do disco?
Está a decorrer na normalidade, já estive em programas de rádio e de televisão a cantar e falar do meu disco.
Ainda não agendaste espectáculos de lançamento do CD?
Ainda não, estou à espera de contactos de algumas entidades cabo-verdianas para fazer shows. Neste momento, estou concentrado na promoção do meu disco.
Como é que vês a música de Cabo Verde?
Vejo que os jovens estão muito ligados à música e que ainda existe muita dificuldade em divulgar a música cabo-verdiana. Houve muitas bandas como Os Tubarões, Bulimundo e os Rabelados que se desentegraram, mas já regressaram, porque sentiram a necessidade de voltar para não deixar a nossa música tradicional morrer. Cabo Verde não tem riqueza, mas temos a nossa música para divulgar. Quando divulgamos a nossa cultura, é um ganho para o país. Se fores ver, a cantora Cesária Évora é mais conhecida lá fora do que o nosso Presidente da República.
Cabo Verde já entregou a candidatura da Morna a Património Imaterial da Humanidade na UNESCO. O que achas dessa candidatura?
Acredito que essa candidatura aconteceu no momento certo. É o sentimento do nosso povo, e isso é muito bonito, porque acredito que a Morna está no caminho certo. E temos tudo para conseguir essa vitória.