A posição governamental surge após uma reacção crítica do presidente da Fundação Amílcar Cabral, Pedro Pires, responsável pela intenção de candidatar os escritos do líder histórico da independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde ao programa "Memória do Mundo", da UNESCO, que disse que a sua instituição não está em competição com ninguém.
Pedro Pires reagia a declarações de Abraão Vicente, que disse antes que é um processo que "só poder ser conduzido" pelo seu Ministério e pela Comissão cabo-verdiana da UNESCO.
Em nova reacção hoje, o ministro da Cultura cabo-verdiana reafirmou que só alertou para as formalidades que devem ser cumpridas em qualquer candidatura à UNESCO.
"A relação com a UNESCO não é feita com qualquer instituição que decida inscrever qualquer bem. Imagina agora que a Associação de Achada Grande decida candidatar a tabanca a Património da Humanidade. Não o pode fazer sem a inclusão da UNESCO e do IPC (Instituto do Património Cultural)", exemplificou o governante.
O ministro recordou que se trata de uma "iniciativa louvável" da Fundação Amílcar Cabral (FAC), mas disse que só é concretizável se for feita no âmbito das instituições que relacionam oficialmente Cabo Verde com a UNESCO.
"Aqui temos que estabelecer lideranças. Quem lidera os processos de candidatura à Património da Humanidade é o Estado de Cabo Verde, por mais que a FAC seja o depositário de memória dos escritos de Amílcar Cabral", prosseguiu Abraão Vicente, para quem o processo tem de ser feito num quadro de "diálogo efetivo".
"Só reunir-se comigo e com várias [outras entidades] não chega. É preciso haver uma formalização de uma comissão técnica que tem de ser dirigida pelo Estado de Cabo Verde e não pela Fundação", continuou.
"A Fundação e qualquer instituição pode fazer as declarações públicas que entender sobre qualquer candidatura, mas, enquanto não for formalizada pelas instituições que se relacionam com a UNESCO, ela não existe", reforçou Abraão Vicente, que falava aos jornalistas, na cidade da Praia, no final de um fórum nacional das editoras e livreiros cabo-verdianos.
O ministro disse que tudo aquilo que aconteceu até agora foi informal, pelo que chamou atenção para a necessidade de se "dar credibilidade" a essa intenção da FAC.
"Porque é fundamental percebermos que Cabral é um assunto demasiado importante para o tratarmos de uma maneira informal", sustentou, indicando que a criação das comissões de trabalho tem de passar pelo "crivo" do Ministério da Cultura.
O ministro adiantou que vai convidar Pedro Pires para lhe "explicar algum equívoco" e que não há nenhuma intenção do seu Ministério em criar um conflito.
"O que queremos é que a Fundação perceba que apoiamos a iniciativa de querer inscrever, mas que esse processo tem de ser conduzido dentro das vias formais, que têm a ver com as instituições que em Cabo Verde fazem a interface do país e das suas pretensões com a UNESCO", disse.
Abraão Vicente disse ainda que será criada uma comissão representativa das vontades do Estado de Cabo Verde e da Fundação Amílcar Cabral, que ser parceira de uma possível candidatura.
"Mas é preciso ter uma liderança clara e institucional. A liderança de vontade é da Fundação, mas a liderança institucional tem de partir de uma instituição que faz a comunicação directa coma UNESCO", mostrou.
A inscrição dos escritos de Amílcar Cabral no programa "Memória do Mundo", da UNESCO, é um dos desafios da FAC para o biénio 2018-2019, que considera que mais do que um desejo, é uma "necessidade histórica".
O programa "Memória do Mundo" foi estabelecido em 1992 pela UNESCO com o objetivo de contribuir para a preservação do património documental mundial.
A Fundação Amílcar Cabral, que tem como missão a preservação da obra e memória do seu patrono, promoveu, no âmbito do seu Programa Editorial, a edição de várias obras de Amílcar Cabral, entre as quais se contam "Unidade e Luta", "Cabo Verde: Reflexões e Mensagens" ou "A Emergência da Poesia em Amílcar Cabral".
Em 2015, criou o espaço museológico Sala-Museu Amílcar Cabral, onde pretende dar a conhecer às gerações mais novas e aos turistas que visitam a cidade da Praia, a história da luta de libertação liderada por Cabral.
Assassinado a 20 de Janeiro de 1973, em Conacri, Amílcar Cabral foi fundador do então Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e actual Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) e líder dos movimentos independentistas da Guiné-Bissau e Cabo Verde.