“Com esta prospecção, que teve sua primeira fase em 2012, pretende-se aprofundar o conhecimento sobre a história daquele sítio, classificado como património nacional, que fora em tempos a Capitania do Norte, no mesmo período que a Cidade Velha”, explicou fonte do Instituto do Património Cultural (IPC).
No terreno, os trabalhos na área da Igreja de Nossa Senhora da Luz, com mais de 500 anos, serão conduzidos pelos arqueólogos Cristopher Evans e Marie Louise, com o apoio, ainda, da Câmara Municipal de São Domingos.
De acordo com o IPC, esta nova fase da prospecção tem uma componente como local de “fundação portuguesa”, para estabelecer a “extensão e gravidade dos danos causados recentemente”, encontrar as partes em melhor estado de conservação, “escavar com sonda para recuperar mais material para datação e exibição futuras”, e ainda “colecta de história oral” e para “iniciar a avaliação do potencial turístico local”.
Enquanto local “luso-africano”, os trabalhos adicionais visam estabelecer a extensão do local e avaliar as necessidades de conservação, entre outros.
Localizada na parte oriental da ilha de Santiago, perto de uma baía hoje desolada, Alcatrazes terá sido, segundo os historiadores, a segunda povoação de Cabo Verde, desenvolvida em 1462, ao mesmo tempo que Ribeira Grande (hoje Cidade Velha, património da Humanidade), mas foi abandonada meio século depois devido à aridez do local.
“Havia uma senhora que dizia que se a Cidade Velha é o berço, aqui temos a criança. Ter um berço sem ter o filho não vale a pena”, contou em 2020, à Lusa Janilson Silva, o padre católico que lidera a comunidade da antiga povoação de Alcatrazes, hoje no município de São Domingos.
Do período da descoberta da ilha pelos portugueses, chegaram aos dias de hoje a igreja católica, gótica, de Nossa Senhora da Luz. Datada de 1480, será a segunda mais antiga da África Subsaariana, depois da da Cidade Velha, e foi totalmente reabilitada em 2020, bem como uma cruz em pedra, local de peregrinação, a poucas centenas de metros da baía.
Tudo o resto foi levado pelo tempo, não fosse Alcatrazes situada sobre uma achada árida e pedregosa, que começou a ver desaparecer as primeiras casas em 1516, com os habitantes a mudarem-se para a ‘irmã’ Cidade Velha, do outro lado da costa, e outros para uma nova povoação que estava a surgir: a Praia.
A história desta terra começa em 1460, quando as ilhas de Cabo Verde foram encontradas por António de Noli (genovês ao serviço da coroa portuguesa) e Diogo Gomes, navegador português (as ilhas do Barlavento - Santo Antão, São Vicente e São Nicolau foram encontradas depois).
O reino decidiu então povoar a maior ilha, Santiago, dividida em duas capitanias. António de Noli recebeu a Ribeira Grande (Cidade Velha), e Alcatrazes, actual Nossa Senhora da Luz, ficou com Diogo Afonso, que descobrira as ilhas do Barlavento.
António de Noli chegou à Ribeira Grande como capitão-donatário dois anos depois da descoberta, com família, amigos e trabalhadores contratados, estabelecendo aí o primeiro povoado.
Mas logo a seguir, provavelmente no mesmo ano de 1462, segundo os historiadores, Diogo Afonso começava a edificar Alcatrazes.
Com raízes profundas de uma evangelização que começou há mais de 500 anos, a reabilitação do templo e a classificação como Património Nacional - por decisão do Governo em Setembro de 2020 - do conjunto histórico e arqueológico de Alcatrazes, envolvendo uma área total de 2,7 quilómetros quadrados, deu mais força ao sonho de ali construir o grande santuário mariano de Cabo Verde.
“A reabilitação desta igreja já foi um pontapé para arrancarmos com o futuro santuário dos Alcatrazes / Baía de Nossa Senhora da Luz. Esta zona, há muitos anos, atrai milhares de fiéis, tem uma importância muito significativa, sobretudo para os que não vivem cá”, explicou o padre Janilson Silva.
A igreja de Nossa Senhora da Luz é local de peregrinação, principalmente, a de 08 de Setembro, dia da padroeira, tendo a reabilitação do templo custado ao Estado cerca de 18 milhões de escudos.
A cerca de 30 quilómetros da Praia – quase metade dos quais fora das estradas principais -, a classificação do conjunto histórico e arqueológico de Alcatrazes teve um “novo impacto” na população local, que ainda recorda o tempo em que era em Alcatrazes que estava a Capitania do Norte da ilha de Santiago (e do Sul na Cidade Velha), contou o padre.
“De certeza que irá trazer gente de várias zonas e países e até promover o turismo religioso e cultural”, admitiu o pároco, que três vezes por semana celebra a eucaristia naquela igreja, algo que ali é praticamente interrupto há mais de 500 anos.