O Filho Pródigo Está de Volta

PorJoão Carlos Silva,4 dez 2025 12:13

“Eu já passei por quase tudo nessa vida, em matéria de quarida, espero ainda a minha vez. Eu sei que sou de origem pobre, mas meu coração é nobre, foi assim que Deus me fez. Deixa a vida me levar, vida leva eu. Deixa a vida me levar…”. Foi assim, à capela, caminhando lentamente do camarim para o palco, de microfone em punho, que Djony do Cavaco “voltou a casa”, após um longo interregno de quase cinco meses. Voltou feliz, voltou com força e não voltou sozinho! Trouxe a família. Uma família musical, cheia de caras conhecidas e muito queridas de São Vicente, uma ilha que, duma forma absolutamente única, respira harmonia e melodia e que na noite de 29 de Novembro, o último Sábado do mês, se vestiu de gala, com pompa e circunstância, para receber o filho pródigo, que estava de volta.

Foi um regresso EM GRANDE! Muito aguardado, ansiosamente antecipado, magistralmente conduzido por Djony do Cavaco, mas autenticamente comandado pelo público. Foram as mais de 1,600 pessoas presentes, que esgotando por completo a lotação do espaço Mansa Marina Hotel, deram à noite a energia festiva, que a tornou simplesmente memorável. A força do público fez-se sentir logo desde a primeira hora, levando aquilo que seria inicialmente um breve impromptu à capela, a tornar-se a primeira música do repertório. O plano realmente seria entoar os primeiros versos do eterno clássico da autoria de Serginho Meriti, DEIXA A VIDA ME LEVAR, apenas como forma simbólica de cumprimentar as pessoas. Porém, como é o povo quem mais ordena, foi ele quem decidiu que a música seria cantada por completo, quando, a partir do refrão, assumiu as rédeas e a entoou a plenos pulmões. Não restava outra coisa a fazer e a banda arrancou, acompanhando aquela enorme e muito afinada massa humana, que acabou natural e organicamente por se tornar “o primeiro convidado da noite”. Estava dado o mote para uma roda de samba, que começou já praticamente no auge.

“Bom pessoal! Já nô ta na mar. Agora nô nadá!”, disse Djony ao microfone, antes de arrancar com um medley de grandes sucessos do Grupo Revelação, incluindo o já praticamente caboverdiano DEIXA ACONTECER, que, mais uma vez, foi autenticamente gritado e sambado no pé por toda a gente. Seguiram-se alguns outros clássicos do samba romântico, alguns temas mais animados e festeiros e uma sequência de canções autorais de pagode em crioulo, que São Vicente, inesperadamente (ou talvez não) já conhece na ponta da lingua. Era chegada a hora do primeiro convidado, no caso uma convidada. A jovem Emy Benrós, a grande revelação do momento no espectro musical nacional. Com uma afinação só ao alcance dos predestinados, a força natural da juventude e uma presença em palco, própria de quem nasceu para cantar, interpretou brilhantemente dois temas internacionais marcantes, em ritmo de samba, como o ambiente pedia. Foi aclamada em apoteóse, deixando claramente no ar a ideia de que “êss terra ondê que Deus derramá sê ligria”, como um dia disse B. Leza, via nascer a próxima grande estrela dum firmamento musical, que felizmente parece não ter fim.

Seguiu-se um breve intervalo, após o qual arrancou o segundo set, integralmente dedicado aos convidados. Edson Oliveira, subiu ao palco no centro da roda e liderou uma autêntica viagem pelo túnel do tempo, fazendo mais velhos (e mais novos também), flutuar nas ondas da nostalgia, relembrando “A Dôr Desse Amor”,um enorme sucesso do grupo KLB, que apesar do passar dos anos continua ainda bem presente na memória de todos. Dono e senhor duma voz potente e melodiosa, o popular Sampê, fez vibrar os corações apaixonados e fez o antigo Pont d’Ága em peso, cantar os versos de Walking Away, no ritmo sincopado do cavaquinho e no balanço cadenciado duma percussão de cinco naipes, em perfeita sintonia.

Diva Barros foi recebida num coro espontâneo do público, que decidiu cantar MI Ê DÔD NA BÔ, ao que a cantora, igual a si própria, com o carisma e simpatia que a caracterizam, respondeu “Bônoite gent dêss casa! Alô Soncent! Bzôt ta bnit!”. Ato contínuo, o violão do Ivan Medina fez soar os primeiros acordes de RETALHOS DE CETIM e a Diva naturalmente ensaiou um samba no pé e numa simbiose natural com a plateia, cantou e encantou. Aí sim, fez a vontade de todos os presentes e incendiou o ambiente, cantando esse grande e imortal de sucesso do genial Vlú Ferreira, alternando o original “Mi ê Dôd na Bô”, com um circunstancial “Mi ê Dôd na BZÔT”, que como não poderia deixar de ser, era acolhido com palmas e gritos de emoção.

A noite ia ainda a meio, quando entrou em cena Mirri Lobo. O conceituado cantor salense emprestou todo o seu talento e charme natural ao tema MANEIRAS, executado em dueto com o anfitrião Djony do Cavaco e, em sequência, apresentou TRISTE Ê SABÊ de Dani Santoz, fazendo brotar autenticamente um espetáculo dentro do próprio espetáculo. Calmo, sereno e com a presença de espirito que décadas de palco lhe conferem, soube parar e deixar o povo cantar sozinho, espalhou sorrisos, simpatia e boa disposição, provocando os primeiros gritos de “Só Mais Um”, à medida que ia abandonando o palco.

O ambiente, que ia “crioulizando” a brasilidade do samba, ganhou um sabor ainda mais caboverdiano, com Constantino Cardoso, o compositor que, depois de Manuel de Novas, mais e melhor tem cantado São Vicente. Aquele cujas letras, swing melódico e timbre vocal melhor retratam a ilha do Monte Cara, na sua essência e vivência quotidiana. Arrancou com AMOR FINANCIÓD e completou com UM ÓNE NA SONCENT, um daqueles sucessos de Carnaval, que atravessam os anos e permanecem sempre atuais. Escusado será dizer que a temperatura subiu brutalmente e quem ainda não tinha dançado, até então, não resistiu e pulou “bem pulód”.

Era chegada a vez de Ceuzany Pires, o grande furacão musical do nosso país, fazer tremer as estruturas. Compromissos profissionais obrigaram-na a ir diretamente do aeroporto para o show, mas não fosse ela própria a dizê-lo, ninguém perceberia. Quem sabe faz ao vivo e se há coisa que a nossa Ceuzany sabe, é fazer vibrar todos aqueles que a ouvem cantar. Quase de improviso, cantou o clássico, MORANGO DO NORDESTE, fechando a atuação com FLÔR DE PAÚL, um hino do Carnaval Santantonense, que ela própria eternizou juntamente com o Grupo Cordas do Sol.

A diversidade do cartaz fez com que muita gente, com aquela irreverência própria do mindelense, dissesse que o evento estava mais para um festival, do que para uma roda de samba. E realmente a noite foi um autêntico périplo pelo espectro musical de Cabo Verde. Batchart, uma das maiores referências nacionais do hip hop, trouxe dois temas autorais, um deles mesclado com R’BÊRA BOTE, um dos inúmeros sucessos eternos de Carnaval da autoria de Vlú, e colocando o dedo na ferida, como é seu apanágio, deixou fortes mensagens, que fizeram o público refletir, mesmo no meio de tanta vibração.

Falando em vibração, Anísio Rodrigues, o último convidado da noite, soube fazer jus ao lema da roda de samba, “nô bem tchmá sabura pa sê nome” e cantou três temas autorais. “Abriu as hostilidades” com ESPIRT ARDIGÓD e em seguida viajou por um medley de dois clássicos do Carnaval, começando com TCHÔN SAGRÓD e terminando em absoluta apoteóse com SABURA SEM FRONTÊRA, ou TUD Ê BADA, como é popularmente conhecido, provocando um autêntico terramoto de alegria.

A noite ia caminhando alegre e vibrantemente para o fim, quando um breve, mas retemperador aguaceiro, fez lembrar o saudoso Biús e o seu Bói d’Chuva. Djony do Cavaco, de volta ao leme, trouxe uma sequência de temas festivos, deambulando entre os três maiores carnavais do Mundo; o Carioca, o Baiano e o Mindelense e a muito custo, pois o público não queria deixar que acabásse, pôs fim a um evento único e unanimente aclamado como um estrondoso sucesso, deste enorme artista em ascenção. Que venha a próxima roda de samba e que não demore tanto como esta.

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Autoria:João Carlos Silva,4 dez 2025 12:13

Editado porAndre Amaral  em  4 dez 2025 15:22

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