As empresas com títulos cotados na Bolsa de Valores começam a publicar as suas contas. A CV Fast Ferry acaba de publicar as contas de 2014. O panorama que se desenha é de dificuldades acrescidas e falência técnica, apesar da entrada do Estado no capital da empresa desde 2013 (na realidade é já praticamente uma empresa estatal) e da utilização das duas embarcações Kriola e Liberdadi durante a maior parte do ano.
Os números são claros. Em 2014 a empresa arcou com mais 148 mil contos de prejuízos que vieram acrescer aos 552 mil contos de prejuízos acumulados até ao ano anterior, perfazendo um total de 700 mil contos de prejuízos acumulados em finais de 2014.
As dívidas totais da empresa situam-se em 2,4 milhões de contos, mas os activos não ultrapassam 1,8 milhões de contos. Ou seja, os activos da empresa são financiados na totalidade por recursos de terceiros. Os capitais próprios são negativos na ordem dos 600 mil contos. Tecnicamente a empresa está falida e esta situação tem vindo a agravar-se.
As dívidas financeiras (aos bancos e obrigacionistas) são a principal componente do passivo, situando-se em 2.0 milhões de contos, 85% do total do passivo.
Os principais credores financeiros (obrigacionistas) são a CECV (528 mil contos), o BAI (432 mil contos), BCA (280 mil contos). O relatório da CV Fast Ferry não inclui o INPS como um dos financiadores da empresa, mas o relatório de 2013 do INPS na página 59 ( vd site do INPS) refere uma subscrição de obrigações da CV Fast Ferry de 499 mil contos. Ou seja, o Estado, além de ser o principal accionista é também indirectamente o principal financiador, com empréstimos de um milhão de contos, via CECV ( empresa maioritariamente do Estado via instituições públicas) e INPS, (instituição pública).
A CV Fast Ferry tem juros em atraso relativos aos empréstimos obrigacionistas no montante de 252 mil contos, que muito dificilmente poderá pagar, pelo menos enquanto não for capaz de gerar tesouraria suficiente. Ora, em 2014, a tesouraria da empresa foi altamente negativa, na ordem de 459 mil contos. E em 2015 prevê-se o pagamento de mais 130 mil contos só em juros dos empréstimos obrigacionistas, o que manifestamente a empresa não estará em condições de fazer se tiver que pagar os atrasados, como deve, para mais com os problemas relacionados com a operacionalidade de um dos seus navios.
Só para se ter uma ideia do peso dos juros na estrutura de custos da empresa, em 2014 na conta de resultados foi contabilizado o montante de 153 mil contos de juros (dos quais a empresa só terá pago 78 mil contos de acordo com a demonstração de fluxos de caixa) que representam quase 40% da facturação global. Essa é a principal razão dos prejuízos que vêm ensombrando a exploração da CV Fast Ferry.
Como refere o relatório de gestão, os accionistas vão ter que entrar com dinheiro fresco para sanear a situação negativa dos capitais próprios. Tendo em conta os valores envolvidos, é quase certo que será o Estado, que já detém 53% do capital social, a entrar com os recursos necessários. O mesmo é dizer que serão os contribuintes a salvar a empresa da derrocada financeira para que está a caminhar, fruto da forma como foi constituída e da fraquíssima capitalização inicial.
Governo falha de novo na cobrança dos impostos
Como já vem sendo hábito, o Governo voltou a falhar na cobrança de impostos. Os dados publicados recentemente pelo Banco de Cabo Verde dão conta de uma cobrança de impostos de apenas 27 milhões de contos em 2014, menos 5 milhões de contos (-16%) do que a previsão orçamental inicial e 2,3% inferior à cobrança de 2013. O quadro abaixo compara as previsões do Governo com as cobranças efectivas.
Em 2011, o governo acertou porque o orçamento foi aprovado em finais do terceiro trimestre. A partir de 2012, apesar das medidas de agravamento dos impostos, especialmente do IVA, da criação de novas taxas e impostos sobre o turismo, de todas as medidas de combate à fraude e evasão fiscais anunciadas pelo Governo, das reorganizações dos serviços responsáveis pelas cobranças, as receitas dos impostos ficaram sempre aquém dos resultados de 2011 e com tendência descendente.
Em 2014, apesar das expectativas diminuídas (previsão de 33 milhões de contos contra 35 milhões previstos para 2013), as cobranças voltaram a falhar o alvo. O EI tinha previsto num dos seus números uma cobrança um 26,9 milhões de contos, que ficou apenas 2% abaixo da cobrança efectiva.
O facto mais relevante é que as receitas dos impostos em 2014 foram inferiores às receitas do ano anterior. Esta evolução não é fruto do acaso. Tem a ver directamente com a estagnação da economia. Isto mesmo é demonstrado pela evolução dos dois principais impostos (vd gráfico), os quais são altamente sensíveis a variações conjunturais da economia.
Fonte: BCV, Boletim de Estatísticas; elaboração Expresso das Ilhas
O IVA cobrado em 2014 é 13% inferior à cobrança de quatro anos antes e o IUR 7% abaixo da cobrança de 2011. A estagnação da economia, as dificuldades económicas e financeiras das empresas, a queda dos rendimentos das famílias são, possivelmente, a explicação mais verosímil para a evolução negativa das receitas fiscais.