Antibiótico utilizado na União Soviética é a nova esperança contra as superbactérias

PorExpresso das Ilhas,24 set 2018 6:17

​Cientistas chineses conseguem sintetizar em laboratório uma complexa substância antimicrobiana produzida de maneira natural por uma bactéria do solo

As pessoas que acreditam que existem duas medicinas, uma natural e outra química, não sabem como funciona a indústria farmacêutica. As bactérias do gênero Streptomyces, habitantes do solo e amantes da vegetação em decomposição, foram historicamente uma das principais fontes de antibióticos, alguns deles tão conhecidos como o ácido clavulânico, a tetraciclina, a estreptomicina e o cloranfenicol. Não há nada mais natural que a origem desses medicamentos.

Uma equipa de cientistas chineses anuncia agora outro potencial candidato a entrar para essa lista, a albomicina delta-2, uma molécula que chegaria num momento crítico. Um relatório elaborado para o Governo britânico informa que as superbactérias – imunes aos fármacos conhecidos, por causa de mutações espontâneas – matarão 10 milhões de pessoas por ano a partir de 2050, quase dois milhões de mortes a mais que as provocadas pelo cancro.

A história da albomicina delta-2 mostra como é difícil desenvolver um bom antibiótico. As albomicinas foram isoladas pela primeira vez depois da Segunda Guerra Mundial, em 1947, a partir de outras bactérias do solo, as Streptomyces griseus. Chegaram a ser “utilizadas com sucesso para tratar infecções bacterianas na União Soviética”, segundo a equipa do químico Yun He, da Universidade de Chongqing, no centro da China. Em 1955, o biólogo russo Georgii Frantsevich Gause já se gabava de que o antibiótico soviético era especialmente efectivo contra pneumonias infantis e em complicações derivadas da disenteria e do sarampo.

O grupo do Yun He conseguiu agora sintetizar em laboratório uma destas albomicinas, a delta-2 (δ2, na notação científica). “Os produtos naturais são quimicamente endiabrados. São enormes e, frequentemente, são tão complexos que não se pode trabalhar com eles”, explica o microbiologista Domingo Gargallo-Viola, presidente da Associação para o Descobrimento de Novos Antibióticos na Espanha. “A albomicina delta-2 é muito grande, e conseguiram sintetizá-la. Isso em si já é um marco, porque poderão tentar introduzir mudanças para melhorar suas características antibióticas”, comemora o especialista.

No ano passado, a Organização Mundial da Saúde alertou sobre a necessidade “urgente” de novos antibióticos contra 12 famílias de supermicróbios perigosos para o ser humano, como o Streptococcus pneumoniae sem sensibilidade à penicilina e o Staphylococcus aureus resistente à meticilina. A equipe de Yun He demonstrou que sua albomicina delta-2 sintetizada em laboratório é eficaz contra essas cepas bacterianas isoladas de pacientes reais de hospitais chineses. A molécula é 16 vezes mais eficaz que o antibiótico ciprofloxacino contra uma cepa agressiva do Staphylococcus aureus resistente à meticilina, uma bactéria que pode provocar infecções muito graves em pessoas com câncer ou submetidas a diálise renal.

A equipe de Yun, que publica sua descoberta nesta terça na revista Nature Communications, afirma já ter iniciado mais estudos para garantir a eficácia e a segurança da albomicina delta-2 como antibiótico.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 877 de 19 de Setembro de 2018.

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Autoria:Expresso das Ilhas,24 set 2018 6:17

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  24 set 2018 6:17

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