Num artigo do Big Think, Marcelo Gleiser, professor de filosofia, física, e astronomia, esclareceu que a crença não se trata apenas da fé depositada em divindades ou espíritos. É também o que nos leva a acreditar que a nossa equipa vai ganhar ou que a nossa ideia é a certa. Mesmo os ateus creem – neste caso, defendem que Deus não existe. “É a crença na descrença”, apontou.
Uma crítica aos males da religião, escreve o zap.aeiou.pt, nada tem que ver com a natureza da crença ou a necessidade de acreditar. E embora a crença possa levar ao fanatismo, não são a mesma coisa. Quando se discute a relação entre a ciência e a religião, as pessoas tomam frequentemente uma posição polarizada, o que pode originar conflito.
No entanto, muitos cientistas acreditam em Deus e afirmam que a ciência é uma descrição incompleta da realidade. Alguns dizem que quanto mais compreendem o mundo através da ciência, mais admiram Deus. Para esses, a ciência é uma forma de devoção religiosa. Muitos filósofos partilham a mesma opinião.
Para outros esta abordagem é inconsistente com os princípios da ciência. Defendem que a Natureza é material e que a matéria está organizada de acordo com leis quantitativas, sendo objetivo da ciência desvendar estas leis. Mais nada.
De acordo com Gleiser, esta posição de ser simultaneamente um crente e um cientista, embora apelativa e aparentemente conciliadora para muitos, coloca “o natural e o sobrenatural numa coexistência desconfortável”. Um dos problemas é que definir algo invulgar como um fenómeno sobrenatural parece ser inconsistente.
Qualquer acção observada ou ouvida emite uma radiação eletromagnética ou ondas sonoras, que afectam fisicamente um detector ou os órgãos sensoriais. Como tal, mesmo que seja profundamente misterioso, esse evento sobrenatural é muito natural.
Na tentativa de conciliar as duas áreas, alguns estudiosos desenvolveram diferentes abordagens. A NOMA (“non-overlapping magisteria”), criada por Stephen Jay Gould, compartimenta a ciência e a religião em esferas limitadas de influência, mantendo a religião como ponto de partida onde a ciência termina.
“À medida que a ciência avança, a fronteira entre os dois magistérios continua a deslocar-se. Afirmar que o sobrenatural tem uma existência intangível, que é imensurável e, portanto, indetetável, coloca-o para além do discurso científico e torna a conversa discutível. Uma existência intangível só pode ser sustentada pela fé, e não pela evidência”, explica Gleiser no artigo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1084 de 7 de Setembro de 2022.