O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sobre o caso da Lancha Voadora, que foi conhecido na passada sexta-feira (28), condenou José Teixeira a quatro anos e meio de prisão. O empresário, que havia sido absolvido pelo Tribunal da Praia, é agora considerado culpado do crime de lavagem de capitais, devido “à venda de um lote de terreno” a Paulo Pereira. Os outros arguidos, por seu lado, viram a sua pena diminuir, uma vez que foram absolvidos da acusação de crime de associação criminosa.
“José Teixeira foi condenado por um único crime [de lavagem de capitais], na forma simples e não na forma agravada, por ter vendido um lote de terreno em Palmarejo, a título pessoal, ao arguido Paulo” Pereira, explicou o advogado do empresário, Eurico Monteiro, em declarações à Rádio de Cabo Verde.
Trata-se, no entender do réu aqui representado, de uma pena pesada e a defesa promete avançar com o “procedimento que seja mais adequado” para salvaguardar os interesses do seu cliente.
“Existe um caminho que de alguma forma poderá ainda ter reflexo na decisão, é mais estreito, mas de alguma forma poderá ainda ter reflexo”, adianta Eurico Monteiro, deixando antever que o caso da Lancha Voadora que tantas páginas de jornal e de documentos legais já preencheu, ainda não se encontra encerrado.
A condenação de José Teixeira foi recebida com alguma surpresa, uma vez que o empresário tinha sido absolvido pelo Tribunal da Praia. Contudo, segundo o acórdão lido na passada sexta-feira (28), o STJ considerou que há “factos mais que consistentes” para a sua condenação pelo crime de lavagem de capitais, e já interditou a saída de Teixeira do país por considerar que há risco de fuga.
No entanto, a condenação está longe daquela que era pedida pelo Ministério Público, que no seu recurso, solicitara que o arguido fosse condenado pelo crime de lavagem de capitais agravado.
Penas mais pequenas
Quanto aos outros arguidos do processo, se por um lado a segunda instância dá razão ao Tribunal da Praia no que toca aos crimes de tráfico de droga e lavagem de capital, por outro retira de cena o crime de associação criminosa. Assim, todos os arguidos foram absolvidos deste delito, o que se traduz numa redução das penas atribuídas em primeira instância, na ordem de três anos.
Paulo Pereira, a figura central do esquema e arguido com maior pena, viu os anos de prisão passarem de 22, para 19. Mantêm-se as penas por crime em co-autoria material de tráfico ilícito de estupefacientes agravado, lavagem de capitais agravado, falsificação de documento público e uso de documentos falsos.
Menos três anos também para Carlos Gil, considerado o braço direito do cabecilha, que tem a pena reduzida de 17 para 14 anos, sendo condenado por tráfico de estupefacientes e lavagem de capitais agravado.
A sentença de Quirino dos Santos, “Naiss”, passa de 15 para 12 anos de cadeia, por tráfico ilícito de estupefacientes agravado e branqueamento de capitais
Ernestina “Nichinha” Pereira, de 13 para 10 anos, por lavagem de capitais agravado e posse e depósito de arma de guerra
Luís Ortet para recebe nove anos por tráfico de droga e lavagem de capitais; Ivone Semedo, oito, em vez dos iniciais 11, por lavagem de capitais agravado e Jacinto Mariano, seis, por tráfico de droga.
António Semedo, “Titone”, que foi condenado a 12 anos pela primeira instância, foi quem mais beneficiou da redução de pena. Faltam agora cinco anos para terminar o seu tempo de prisão por lavagem de capitais
Veríssimo Pinto viu a pena ser reduzida dos nove anos e meio determinados pela primeira instância para seis anos. Anteriormente condenado pelos crimes de lavagem de capitais, associação criminosa e detenção de arma de guerra, o antigo presidente da Bolsa de Valores de Cabo Verde vai agora cumprir pena apenas por dois crimes de lavagem de capitais.
Isto porque, apesar de reconhecer que a “única coisa que está nos autos é que Veríssimo Pinto praticou actos próprios da actividade comercial da empresa que administrava [a Autocenter], o supremo entende que este praticou “actos de auxilio ou para facilitar, ocultar ou dissimular a natureza dos recursos financeiros do co-arguido Paulo, já que, face ao seu nível de conhecimento, poderia ter suspeitado que aqueles bens transaccionados poderiam ser de origem ilícita, mas mesmo assim levou adiante as diversas negociações, fazendo uso do papel social relevante que ocupava e pondo em cheque a credibilidade de instituições importantes, como é o caso da Bolsa de Valores”.
A primeira instância, por falta de provas que sustentassem as ligações de Djoy Gonçalves e José Teixeira absolvera estes réus. O Supremo condenou, como referido, José Teixeira, mas no acórdão lido na secção criminal do STJ não há referência ao empresário Djoy Gonçalves.
Quanto aos outros arguidos - Niton Jorge, Nerina Rocha e Sandro Spencer -, o STJ deu razão ao Tribunal da Praia, que os absolveu de falsidade processual. O funcionário do BAI, José Oliveira, também foi absolvido do crime de lavagem de capitais.
Imopraia é extinta
O acórdão do STJ trouxe também alterações no que toca às empresas envolvidas no processo. Fica determinada a dissolução judicial da Imopraia, empresa que era utilizada como instrumento da lavagem de capitais e que recebe, deste modo, a pena mais gravosa prevista no Código Penal cabo-verdiano para pessoa colectiva.
Já a Autocenter e a Tecnolage, também condenadas pelo crime de lavagem de capitais, vão ser obrigadas a pagar multas, tal como havia também definido a primeira instância. A primeira é condenada a pagar 1.250.000 de escudos e a segunda 1.000.000.
Recorde-se que o Ministério Público pedia, no seu recurso, que esta última fosse também condenada por tráfico de drogas, uma vez que a empresa disponibilizou viaturas para transporte de estupefacientes. Mas o STJ discordou e considerou as acusações do MP infundadas.
A Editur, do empresário José Teixeira e a Aurora Internacional salvam-se, tendo sido absolvidas.
Bens confiscados
Nenhum bem foi confiscado a José Teixeira, o que, segundo o seu advogado Eurico Monteiro se justifica por o negócio do seu cliente com Paulo – a referida venda do lote – ter ocorrido a título pessoal.
Quanto aos bens dos arguidos condenados, tal como também havia sido definido pelo Tribunal da Praia, irão reverter a favor do Estado.
No entanto, o STJ discordou do pedido do MP, de alargar os bens confiscados aqueles que os arguidos Paulo, Ivone e “Nichinha” tinham adquirido antes de 2007. De acordo com a segunda instância, foi com a criação da Imopraia, nesse ano, que os arguidos encontraram uma maneira privilegiado para a lavagem de capitais. Assim, o STJ decretou que “não seria avisado e nem judicioso retroagir o confisco de bens a data anterior àquela considerada pelo tribunal que bem andou em limitar o confisco dos bens adquiridos a partir de Março de 2007”.
O caso Lancha Voadora começou a 8 de Outubro de 2011, quando a Polícia Judiciária fez a apreensão de mil e quinhentos quilos e três gramas de cocaína em elevado estado de pureza, a maior detenção de droga registada em Cabo Verde. Da operação resultou ainda a apreensão de dinheiro, equipamentos, armas de guerra, carros, e outros bens.