Esse "êxtase da História", como o filósofo Edgar Morin o classificou, estender-se-ia até meados de Junho, encoberto por umas eleições gerais que davam continuidade aos dez anos de poder dos gaulistas, garantindo-lhes mais de três quartos dos assentos parlamentares.
Para trás ficava a paralisação do país, durante grande parte de maio e primeiras semanas de Junho, manifestações diárias nos principais centros urbanos, barricadas no Quartier Latin e uma conjugação de protestos que juntou estudantes, operários e alastrou a todos os sectores da sociedade francesa.
As reivindicações dos alunos de Nanterre somavam alguns anos, traziam sinais dos tempos e prendiam-se sobretudo com regulamentos disciplinares e as condições do 'campus', situado nos subúrbios, em plena 'cidade dormitório' da capital francesa.
A actual Universidade de Nanterre era então uma extensão da Faculdade de Letras da Sorbonne, o estabelecimento de ensino superior mais afastado e mais pobre da região de Paris. O corpo docente, porém, contava com professores como Emmanuel Lévinas, Paul Ricoeur, Jean Baudrillard, Henri Lefébvre, Michel Crozier, Alain Touraine ou o jovem Étienne Balibar. Nem todos apoiaram as manifestações, mas havia posições comuns sobre a actualidade.
Era partilhada a contestação à Guerra do Vietname, eram solidários com as lutas pelos direitos cívicos da população negra norte-americana, acolhiam os ideais feministas, criticavam a sociedade de consumo, irmanavam-se com os protestos de estudantes nos Estados Unidos, no Brasil, no México, na Alemanha, e contestavam ditaduras na América Latina e no Sul da Europa, em Portugal, Espanha e na 'Grécia dos coronéis'.
No dia 08 de Janeiro de 1968, durante a inauguração de uma piscina em Nanterre, o ministro da Juventude e Desportos, François Missoffe, foi vaiado pelos estudantes, depois de ter respondido à provocação de um aluno -- Daniel Cohn-Bendit, um dos protagonistas do futuro movimento.
A reacção conjunta da academia foi o primeiro sinal dos levantamentos de Maio. Outro aconteceria um mês depois, quando o Governo não renovou o mandato do então director da Cinemateca Francesa, Henri Langlois, fundador da instituição e um dos pioneiros da preservação da memória do cinema.
Aos cineastas da 'nouvelle vague', como François Truffaut e Jean-Luc Godard, que se solidarizaram com Langlois, juntaram-se os estudantes de Paris, em manifestações e na ocupação da Cinemateca.
No dia 22 de Março, a ocupação do edifício da direcção de Nanterre teve origem na detenção de quatro alunos, durante um protesto contra a guerra do Vietname. A faculdade foi fechada e os acontecimentos estão na base da criação do Movimento 22 de Março, liderado por Cohn-Bendit.
A contestação alastrou de imediato à Sorbonne e a alguns liceus de Paris, que exigiram a reabertura da Faculdade de Letras de Nanterre, que viria a ser ocupada pela polícia, no início de Maio.
O movimento deslocou-se então para o centro urbano de Paris, primeiro para a Sorbonne, que também viria a ser encerrada, depois para o Quartier Latin e para as ruas da capital francesa.
Os protestos tinham entretanto reforçado a sua dimensão política, deixando de visar apenas o sistema de ensino superior, para se alargarem à presidência do general Charles De Gaulle - o herói da resistência francesa na II Guerra Mundial -, e ao seu Governo, no poder desde 1958.
A partir de então foi a escalada. Levantaram-se barricadas no Quartier Latin -- que o ministro da Cultura, Andre Malraux, considerou uma "acção de teatro" -- e aos protestos dos estudantes depressa se juntaram os dos operários, que arrastaram as centrais sindicais para a convocatória de uma greve geral.
A 10 de Maio, aconteceram os confrontos mais violentos entre estudantes e polícia, desde o início da crise, depois de uma audição do ministro da Educação, Alain Peyrefitte, no parlamento.
Em Cannes, abria o festival de cinema, que acabaria suspenso ao fim de poucos dias.
A greve geral, marcada para 13 de Maio, acabaria por mobilizar cerca de dez milhões de trabalhadores, de acordo com números oficiais, afectar todos os sectores da economia e prolongar-se pelas primeiras semanas de Junho, já depois de dissolvido o parlamento e convocadas novas eleições.
No dia 30 de Maio, uma manifestação de apoio a De Gaulle ocupou os Campos Elísios. Em Junho, com a primeira volta das eleições marcada para dia 23, os operários começaram a regressar às fábricas, a função pública aos seus postos e as escolas deram por findo o ano escolar.
O movimento estudantil parecia dissolvido, e Cohn-Bendit, que tinha nacionalidade alemã, fora expulso do país.
Parceiros sociais foram, no entanto, obrigados a negociar contratos colectivos de trabalho, horários semanais e salário mínimo, enquanto o Ministério da Educação teve de rever currículos e avaliações, contra as perspectivas admitidas antes dos protestos. Os resultados, porém, nunca corresponderam à "imaginação ao poder", reivindicada pelos movimentos de Maio.
"O Poder é detido não pela imaginação, mas por forças políticas organizadas", disse o ministro da Cultura de De Gaulle, Andre Malraux, meses mais tarde, numa entrevista à revista alemã Der Spiegel.
No último dia de Junho, na segunda volta das eleições, os gaulistas obtiveram uma votação de 46%, que se traduziu em 354 lugares dos 487 da Assembleia Nacional -- uma maioria de 75% no parlamento, a maior de sempre de De Gaulle -, a que se juntaram mais 42 assentos de outros movimentos de direita.
A esquerda francesa resumiu-se à eleição de 91 deputados, repartidos pelo Partido Comunista (34) e pela coligação socialista liderada por François Mitterrand (57).
O Maio de 68 foi "a revelação de contradições e de novos conflitos" de uma sociedade que se mantinha "arcaica", incapaz "de pensar, organizar e promover mudanças" nas instituições, escreveu o sociólogo Alain Touraine, autor de "A sociedade pós-industrial", que por esses dias foi professor em Nanterre, no ensaio "O movimento de Maio e o comunismo utópico" (1972).