Acesso à Internet: um Direito Humano Fundamental

PorExpresso das Ilhas,2 dez 2012 23:00

Atingimos já um patamar onde podemos dizer que estamos num nível satisfatório no que concerne ao respeito por esse Direito Humano Fundamental, que é o acesso à Internet? Definitivamente não! (...) Os preços dos serviços de telecomunicações continuam ainda de alguma forma, a ser uma entrave ao desenvolvimento do país! E quando assim é, não podemos e nem queremos acreditar que o governo deverá ficar simplesmente apático.


por Isaías Barreto da Rosa

O acesso à Internet é um Direito Humano Fundamental! Esta é uma resolução unânime do Conselho das Nações Unidas para os Direitos do Homem datada de Julho do corrente ano, segundo a qual, às pessoas deve ser garantida tanto o acesso como a liberdade de expressão na Internet. Actualmente, apenas 34,3% da população mundial tem acesso à Internet. Entretanto, nos países desenvolvidos encontramos 70 em cada 100 pessoas com acesso regular à rede mundial de computadores, enquanto que nos países mais pobres, essa cifra desce para 24! Em Cabo Verde, os últimos relatórios da União Internacional das Telecomunicações falam numa taxa de penetração da Internet no país na ordem dos 32%, valor inferior à média mundial, e que naturalmente está muito longe dos que se encontram na linha da frente nesta matéria.


É claro que nos últimos anos temos feito progressos nesta matéria, devido sobretudo às praças digitais e à redução dos preços, depois da entrada de novos operadores no mercado de fornecimento de serviços de acesso à Internet. Esse progresso conheceu igualmente novos patamares ultimamente, com o inicio do fornecimento dos serviços 3G no país e com a disponibilização de pacotes de serviços mais próximos do poder de compra das nossas populações. A pergunta que importa nos colocarmos neste momento é: estamos bem nesta matéria? Atingimos já um patamar onde podemos dizer que estamos num nível satisfatório no que concerne ao respeito por esse Direito Humano Fundamental, que é o acesso à Internet? Definitivamente não! Não, porque a esmagadora maioria da nossa população continua a viver na infoexclusão; não, porque 68% dos Cabo-verdianos não consegue aceder à Internet; não, porque as nossas instituições sentem a necessidade de pacotes de serviços que efectivamente respondam às suas necessidades!


Não venhamos agora justificar, dizendo que estamos melhores do que muitos países do nosso continente; não venhamos dizer que estamos melhores do que os piores do mundo... Esses países, provavelmente não tem a ambição de ser uma referencia mundial em matéria das TIC e em particular, da governação electrónica; não pretendem ser um gateway to Africa, nas Tecnologias de Informação e Comunicação; não estão neste momento a trabalhar na construção de um cluster TIC para atrair empresas de referencia ao nível mundial; não estão a construir um Data Center com a ambição de fornecer serviços para mercados externos... A nossa referencia deverá necessariamente ser os que são melhores do que nós.


E nesses países que podem servir-nos de referência, por cerca de 3 mil escudos, consegue-se uma linha de acesso à Internet com IP fixo, sem limites de downloads, incluindo ainda TV a cabo e chamadas telefónicas gratuitas para rede fixa! Em Cabo Verde, mesmo depois de todas as reduções de preços motivadas pela concorrência no mercado, actualmente para se ter por exemplo uma linha de acesso à Internet de 1Mbs e com IP fixo e roteável (que permite o adequado alojamento de serviços para a Internet, como email, Web, etc.), será necessário desembolsar 207 mil escudos mensais, no aluguer de um circuito dedicado, uma vez que todas as nossas linhas ADSL continuam com IP dinâmico e com limitação downdstream! Obviamente, esses custos são indubitavelmente proibitivos para grande parte das nossas empresas. Não é de se estranhar portanto, que a esmagadora maioria das instituições nacionais não públicas, tenha os seus serviços Web alojados no estrangeiro, e que o mercado de Web Hosting seja quase que inexistente em Cabo Verde!


Em praticamente todas as Universidades do país (à excepção da UniCV que usa a rede do Estado), existem sérias limitações no uso da largura de banda, uma vez que as linhas de acesso à Internet que possuem têm limitações de download e para cada MB adicional que gastarem depois dos 30GB (melhor pacote existente no mercado), deverão pagar 1$15! Esses valores estão de longe melhores do que há alguns anos atrás, mas continuam ainda com sérias necessidades de melhoria. Em ambiente Universitário, onde deve-se promover a investigação científica, a construção do conhecimento, o espírito de inconformismo e de busca de novas respostas, não se pode estar por exemplo a interditar aos alunos o acesso a vídeos online com conteúdo educativo, porque isso trará custos avultados de Internet no final do mês! Num contexto de quase democratização do acesso ao ensino superior, em que tanto se fala na qualidade, não seria boa ideia, conseguirmos de alguma forma ter pacotes de serviço ADSL sem limitação de download, para as nossas Universidades, à semelhança do que acontece em outras paragens? Falamos actualmente muito na construção de um cluster TIC e na atração de grandes multinacionais da área, para se instalarem em Cabo Verde. Será que no que diz respeito ao preço dos serviços das telecomunicações, e em particular da Internet, temos condições atractivas para o efeito? Esses preços não serão um elemento dissuasor nessa matéria? Os preços dos serviços de telecomunicações continuam ainda em certa medida, a ser uma entrave ao desenvolvimento do país! E quando assim é, não podemos e nem queremos acreditar que o governo deverá ficar simplesmente apático.


Outro aspecto que não devemos negligenciar, no assegurar desse Direito Humano Fundamental, que é o acesso à Internet, indispensável ao próprio processo de desenvolvimento do país, relaciona-se com a presença das nossas instituições na Web. Está mais do que claro que a nossa presença na Web é de facto muito reduzida. Se em outros países o cidadão pode tratar de quase tudo na Internet, incluindo praticamente toda sua interação com a Administração Pública bem como a aquisição de bens e serviços no sector privado, em Cabo Verde estamos muito longe disso.


A verdade, é que apesar das nossas ambições, e de algum progresso conseguido, os nossos indicadores de desenvolvimento das TIC e em particular, da governação electrónica, continuam a piorar! De acordo com o índice de governação electrónica publicado pelas Nações Unidas, em 2008 estávamos no 105º lugar ao nível mundial e em 2012 passamos para a 118ª posição. Porque será, que apesar de todas as nossas fanfarronadas, a "verdade verdadeira" é que continuamos a andar para traz? Isso deverá no mínimo significar, que precisamos de mudar de rumo, ou melhor, de ter uma estratégia de acção...


Será que conseguimos ser efectivamente uma referência sólida para os outros em matéria de governação electrónica e de construção da sociedade da informação, com 68% da nossa população sem acesso à Internet, com uma presença extremamente deficitária na Web, com a nossa actual política de preços dos serviços de telecomunicações e regredindo anualmente nos indicadores internacionais de governação electrónica?


Portanto, para que possamos efectivamente assegurar o respeito por esse Direito Humano Fundamental que é o acesso à Internet e para que possamos dinamizar verdadeiramente a sociedade da informação e a governação electrónica em Cabo Verde, temos necessariamente que entre outras coisas, apostar fortemente na redução dos custos de telecomunicações, por exemplo com pacotes de serviços de acesso à Internet que viabilizem o aproveitamento real das suas potencialidades, pelas empresas, pelas Universidades e pelos cidadãos. Precisamos, igualmente de trabalhar fortemente no aumento da nossa presença na Web, o que poderá passar pela implementação de uma política de incentivos governamentais.

 

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Autoria:Expresso das Ilhas,2 dez 2012 23:00

Editado porSara Almeida  em  19 jan 2013 14:51

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