Balaio e pilão. Cabo Verde e o mundo

PorExpresso das Ilhas,27 jul 2013 0:00

“Quando o vento levar o pilão, não precisas perguntar aonde paira o balaio”. Anónimo.


É difícil q.b. blindar pobres dos efeitos da crise quando esses vivem da boa vontade de terceiros que se encontram no epicentro de um redemoinho de contornos desconhecidos e de feitos e efeitos implacáveis.

Não é preciso ser economista, nem ter muita escolaridade, para entender esta dura realidade.

Um pobre pode ser digno e crioulo e Cabo Verde preenche esses dois requisitos. A sua alma pode ser a de um gigante bem enraizada no oceano atlântico como é o caso desses pedaços de terra fincados no mundo.

A verdade é que, sendo pobre, somos, não raras vezes, um balaio cata-vento, ipso facto. Seja etiquetado como país em vias de desenvolvimento ou como país de desenvolvimento médio.

Um país, tal qual Cabo Verde, que para realizar um montante total de investimentos públicos de 25.919 milhões de escudos (previstos para 2013), vai buscar ao exterior cerca de 20.290 milhões de escudos (78%) entre donativos e empréstimos, é um país dependente. Não é interdependente. É dependente.

Significa isto que construir uma escola ou o sistema educativo, um hospital ou o serviço nacional de saúde, uma estrada, uma barragem, uma ponte ou a rede de acessibilidades, de entre várias realizações necessárias para a concretização do nosso desenvolvimento, depende da boa vontade e disposição dos nossos parceiros externos. Se a situação deles é má, a nossa não pode ser boa. É péssima.

Desde 2008 que o mundo e Cabo Verde são pressionados e massacrados por uma crise económica e financeira sem precedentes. Um pesadelo em cima de vários desafios antigos e emergentes tipicamente cabo-verdianos.

Este vendaval está a deixar a Europa desnuda.

Na minha Ilha, diz-se que quando o vento levar o pilão, não precisas perguntar aonde paira o balaio.

Gerir, neste quadro, este país e, em particular, as suas finanças, exige pessoas extraordinárias. Dotadas de fibra. Ela, por mais suculenta que seja, não chega para milagres.Infelizmente.

Cabo Verde está, por isso, numa situação de aflição financeira, desde os finais de 2008. Com o eclodir desta crise financeira internacional. E com a graduação de Cabo Verde a País de Desenvolvimento Médio desmoronou o canal da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD). Durante décadas, ela – a APD - permitiu esconder as nossas fragilidades traduzidas na qualificação das pessoas, na qualidade das nossas organizações, do nosso sistema educativo e de formação profissional e na nossa capacidade científica e tecnológica.

Nessas situações, cada um reage à sua maneira. Como faz qualquer família, quando se vê privado de rendimentos, a solução mais evidente é o recurso a poupança acumulada. Própria ou de terceiros. Não tendo sido acumulado “buffers” no passado, a solução óbvia foi o recurso ao endividamento. E este tem limites mais apertados. Uma chatice.

Foi assim que vivemos desde 2008 um tempo de impulsos expansionistas, políticas anti-cíclicas de estabilização suportadas na teoria keynesiana que levou a um forte aumento do endividamento do Estado.

E é assim que passamos de uma dívida pública de 63,9% do PIB, em 2008, para 77.6% do PIB, em 2010. Este rácio deve passar para valores perto dos 100 % do PIB previsto para 2013 coligindo num quadro macroeconómico, no mínimo, preocupante. Tanto mais grave quando essa trajectória de endividamento foi acompanhada de um forte arrefecimento ao nível da criação de riqueza, o que deteriorou ainda mais os indicadores macroeconómicos.

A economia está, tecnicamente, em recessão, o rendimento per capita e o IDE estão a diminuir ( dados de 2012).

O desemprego, o grande drama social, atinge valores críticos da ordem dos 17% a nível nacional e 31,2% para os jovens. Somando o subemprego, a taxa sobe para valores da ordem dos 40%.

O país está sobre-endividado. A dívida pública, sem contabilizar a contingente estimada entre 10% a 15% do PIB, continua a aumentar podendo alcançar os 100% do PIB, em 2013 (de acordo com as estimativas do Governo e com o PIB corrigido pelo INE). Os défices apresentados são excessivos, sendo que o défice orçamental, assim como o défice da conta corrente, estão nos dois dígitos.

A situação de várias empresas cabo-verdianas é crítica. Diria caótica. Muitas delas encontram-se em estado de falência técnica, acumulando prejuízos. Incumprimentos bancários estão a aumentar, dívidas cruzadas idem. O financiamento é, hoje, praticamente inexistente

Consequentemente, os indicadores de confiança internacional, como o “rating”, começam a dar sinais de forte deterioração.

Depois de a Fitch RATING ter baixado recentemente o rating de Cabo Verde em moeda nacional de BB- para B+ e mantido o nível de risco em moeda estrangeira, fixando o Outlook em terreno negativo para ambas as moedas, eis que veio a agência de notação financeira Standard & Poor’s (S&P) baixar também de “estável” para “negativa” a perspectiva de crédito soberano (Sovereign Credit Outlook) de Cabo Verde, mantendo, porém, o rating do país.

São vários os sinais da degradação da situação de fadiga financeira do Estado. Ele acumula dívidas com as empresas e famílias no montante de mais de 2.000.000 de contos relativas apenas à restituição do IUR e do IVA. Se o Estado não devolve este montante à economia, tendo disponibilidade para o efeito, estamos em presença de um comportamento psicopata, atingindo o seu clímax de realização com o sofrimento das empresas.

Não obstante tudo isto, o Governo está disposto a mudar pouca coisa. O lema é manter o rumo. Contudo, o quadro hoje é tão complexo e interconectado que as miragens explodem como bolhas de sabão em brisa leve.

A salvação desta narrativa embriagada parece estar no turismo. Parece. Trata-se de um sector que, apesar de tudo, continua a crescer. Atingimos os 482.000 hóspedes em 2012.Neste primeiro trimestre, dados apontam para um crescimento de 18.5%, contra 5 a 6% em termos de média mundial. Representa, hoje, 50% do volume do investimento directo estrangeiro.

As receitas - o crédito de viagens do turismo - atingiram em 2012 cerca de 34.000 milhões de ecv, representando 24.3% do PIB. Participa com cerca de 66% nas receitas de serviços. Contudo, os resultados globais obtidos até agora são insatisfatórios.A situação das empresas que operam no sector é difícil. Destinos como a Ilha do Sal e Boavista continuam com problemas infraestruturais importantes nos domínios da habitação, iluminação pública, energia, água, saneamento e acessibilidades. A Ilha do Maio continua a não ser prioridade deste Governo. O turismo rural e a diversificação da oferta apenas uma miragem.

A fiscalidade e a para-fiscalidade continuam a onerar os operadores. A promoção é praticamente inexistente e a capacidade institucional para o efeito é marginal. A ligação do sector do turismo com as demais actividades económicas na esfera real continua irrelevante.

Dados avançados apontam que a economia cabo-verdiana continua largamente dependente do turismo. É o 12º país do mundo mais dependente do turismo.

Continuamos com um turismo MONOPOLIZADO por poucos operadores e CONCENTRADO em duas ilhas. Esta realidade reforça a vulnerabilidade económica deste país.

O processo de criação de uma verdadeira indústria do turismo, abarcando toda a cadeia de valor, integrando a cultura, o desporto, o entretenimento, a agricultura, o artesanato, a indústria, a restauração, os transportes, a hospedagem, a alimentação, entre outros, é ainda um bebé.

Sabemos, por exemplo, que apenas 20% do peixe consumido nos hotéis é fornecido localmente. Representa um volume de negócios total de mais de 15 milhões de Euros ano. Registamos ainda que apenas 10% a 12% de frutas frescas e vegetais são de origem local.

São factos indesmentíveis que temos desafios enormes ao nível da competitividade. 

De acordo com o “World Economic Forum’s Travel and Tourism Competitiveness Index (WEF Index) ”, Cabo Verde ocupa a posição 89º, quando comparado com o Egipto (75º), República Dominicana (72º), Maurícias (53º), Turquia (50º) e Tunísia (47º).

Cabo Verde continua ainda um destino caro, ineficiente ao nível regulatório, com défices importantes quanto à qualificação do seu staff e com burocracias desnecessárias na concessão dos vistos e na gestão dos direitos de propriedade.

A nossa política fiscal, e sobretudo a sua gestão, é pouco competitiva e longe ainda de ser amiga do Investidor.

A questão de futuro que se coloca tem a ver com a qualidade do turismo. Com o aumento das receitas por turista que pode passar de 940 euros para 1200 Euros, de acordo com os “Benchmarks”. Isto requer a qualidade do serviço prestado e uma rede de pequenas e médias empresas activas e integradas na cadeia de valor do turismo.

O Governo não pode continuar a olhar apenas para o número de turistas porque está a aumentar. Seguramente que não tem apenas um olho.

Ele tem de olhar, também, para as margens das empresas e para as receitas geradas por turista.

Assumamos a situação tal como ela é. Todos. Sem subterfúgios de qualquer espécie. É o primeiro passo para continuarmos a olhar e a agarrar o futuro conjuntamente com sucesso.

Apostar nas instituições e nos valores é decisiva. Mas também nas regras, desde logo para o Estado. Para podermos construir um país estável e previsível. Como no código de estrada, não bastou proibir o estacionamento nos passeios. Foi necessário colocar pilares de metal para impossibilitar os condutores de o fazer. Temos de montar a mesma operação em relação às finanças públicas. Impondo regras constitucionais ao défice e ao endividamento. A legitimidade eleitoral não pode permitir tudo a alguns. Estabilidade e previsibilidade, enquanto bem comum, acima de tudo.

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Autoria:Expresso das Ilhas,27 jul 2013 0:00

Editado porDulcina Mendes  em  26 jul 2013 19:06

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