Mudanças Climáticas: Mudanças no Ecossistemas Terrestres e Aquáticos, Eventos Extremos e a Problemática Ambiental em Cabo Verde
Como vimos na primeira parte deste trabalho, os Cenários Climáticos derivados da problemática do Aquecimento Global do planeta apontam para situações preocupantes do ponto de vista climático. O Protocolo de Quioto assinado por vários estados, incluindo Cabo Verde, bem como inúmeras outras políticas e ações nacionais e internacionais, visam a estabilização da concentração de gases de efeito estufa para evitar uma inflação perigosa desses e mitigar os seus efeitos catastróficos sobre o planeta. Hélas, os resultados deste protocolo estão à vista!?
Qualquer dos cenários apresentados, conservador ou extremo, pressupõe impactos importantes para o planeta e a vida na Terra. Muitas regiões costeiras, incluindo ilhas, onde se concentra grande parte das cidades mais importantes, e, consequentemente, uma parte significativa da população mundial estarão, pois, ameaçadas pelos efeitos das mudanças climáticas, que poderão ser devastadores para países insulares e costeiros. Áreas sensíveis de países costeiros poderão ser inundadas (nomeadamente no Países Baixos, microestados insulares do Pacífico, Maldivas, etc), o que causará migrações em massa assim como perdas materiais e culturais incalculáveis. Por exemplo, estima-se que os Estados Unidos perderiam 30 mil km2 de costas para uma elevação de um metro no nível do mar e gastariam de 270 a 475 bilhões de dólares para remediar os seus efeitos, ao passo que o Senegal (ou qualquer país da costa ocidental africana) perderia à volta de 6 mil km2 de área costeira mais populosa, provocando danos materiais incalculáveis para um país pobre (com custos estimados a várias centenas de milhões de dólares), e uma provável migração de centenas de milhares de pessoas para regiões do interior do país, assim como para países limítrofes ou vizinhos. Por outro lado, alguns arquipélagos ou estados arquipelágicos podem ser riscados do mapa se o pior cenário climático se verificar. Estamos a falar dos microestados insulares do Pacífico (Cook, Kiribati, Marshalls, Micronésia, Nauru, Niue, Palau, Tonga, Tuvalu) e das Maldivas (situadas no Oceano Índico), ‘que já estão com os pés na água’ a ‘sentir na pele’ a subida do nível do mar, tendo sido submersas ou reclamadas para o mar várias extensões dos seus territórios.
Já existem muitas soluções tendendo a mitigar os efeitos da subida do mar em alguns locais críticos em zonas costeias, construindo canais, comportas, diques, ilhas artificiais, muros, estruturas flutuantes, terraços e outros métodos, incluindo o reflorestamento costeiro e fixação de dunas. Os Países Baixos, que possuem grande parte do seu território, muitos metros abaixo do nível do mar, sendo frequentemente apontados como um dos melhores alunos mundiais no que concerne a lidar com problemas costeiros e o meio ambiente, construíram sistemas hidráulicos robustos para proteger o seu território de cheias. Todavia, a construção de obras de hidráulica marítima (paredões, muralhas, esporões, etc) pode ser uma primeira solução, mas a experiência prova que o mar tem a última palavra: estas soluções parecem cada vez mais efémeras e ilusórias, podendo engendrar efeitos indesejáveis e outros problemas imprevisíveis tais como impactos ambientais negativos (a degradação ou erradicação de ecossistemas costeiros e perdas importantes de biodiversidade). Esta estratégia tem levado muitos cépticos a questionar se a batalha das zonas costeiras na perspectiva das Mudanças Climáticas não estará já perdida, tendo em conta a confirmação dos cenários mais negativos, ou seja, o aumento inexorável da concentração dos gases de estufa. Em outras palavras, temos ‘o diabo à solta’ na natureza e tarde acordamos para o problema. Sendo optimista e acreditando no bom senso da comunidade internacional, não partilho de uma visão catastrófica do futuro. As obras de hidráulica marinha são, portanto, facas de dois gumes e a sua concepção deve basear-se em estudos validados e decisões cuidadas. Daí o meu alerta e as dúvidas relativamente às polémicas obras na Laginha, sobretudo após a construção do infeliz paredão (que muitos ‘mindelenses gozentos’ já apelaram de cauda escondida do monstro de Lock Ness, afundado algures na baía) e que dividiu a enseada da Laginha em duas.
A fusão dos gelos e o aquecimento dos oceanos pode ter drásticas consequências no Clima Global. Ao fazer diminuir a salinidade dos mares polares, a densidade das águas superficiais do oceano diminui, reflectindo directamente na circulação das correntes marinhas. Este efeito tem uma implicação na denominada Circulação Oceânica Termohalina (chamada Great Convoyer Belt), uma circulação oceânica planetária que inclui as circulações de superfície do Atlântico, do Pacífico e a Circulação Abissal) que demora vários milhares de anos a perfazer uma volta completa entre os Oceanos atlântico e Pacífico. Uma perturbação importante na Circulação Oceânica Geral, ou seja, o seu enfraquecimento, pode provocar glaciação, como aconteceu várias vezes no passado, há milhões de anos. Invariavelmente está em causa o enfraquecimento da Corrente do Golfo que transporta grandes quantidades de calor para o Norte e ameniza o clima do Atlântico Norte (o que explica que a Inglaterra ou o Norte da França não tenham climas mais frios). Com efeito, há 12.800 anos a Circulação Oceânica Geral colapsou, a Corrente do Golfo enfraqueceu e em vez de atingir a Inglaterra e os mares polares, virava a sul de Portugal. Neste cenário, não chegando mais calor para o norte, toda a Europa entrou na Idade do gelo, o deserto de Sahara era uma savana e o clima de Cabo Verde provavelmente deveria ser comparável ao da França actualmente. Este fenómeno acontece sempre que por razões de Mudança Climática, a densidade das águas polares diminui (provocada pela fusão dos gelos polares). É assim que se a temperatura média do planeta aumentar, paradoxalmente, a Europa poderá entrar num período glaciar e as regiões subtropicais verão o seu clima totalmente alterado!!! O problema é que o retorno ao estado normal para a Circulação Oceânica Termohalina pode levar milhares de anos a acontecer!!!
É preciso recordar que muitas espécies vivas no planeta já tiveram sua extinção associada a mudanças climáticas ocorridas ao longo das diferentes eras climáticas do planeta. Uma fusão dos gelos marinhos provocará forçosamente uma diminuição da salinidade oceânica com impactos negativos na bioquímica marinha. Existem já indícios de mudanças no comportamento de espécies marinhas devido a alterações da salinidade dos mares e vários artigos científicos vêm confirmar essa suspeita. Um artigo de 2013 publicado na revista ‘Nature’ uma das mais prestigiadas revistas científicas internacionais (Global Imprint of Climate Change on Marine Life), relacionou acentuadas modificações e redistribuições regionais das populações de várias espécies marinhas com o Aquecimento Global/Mudanças Climáticas. Devido ao aquecimento dos oceanos várias espécies marinhas (peixes e invertebrados) habituadas a águas mais frias estão migrando para latitudes setentrionais e/ou a mergulhar para águas mais profundas e frias desequilibrando os ecossistemas marinhos regionais e globais.
*(Professor no Grupo de Meteorologia, Climatologia e Oceanografia Física Centro de Estudo do Ambiente e do Mar-Universidade de Aveiro).