Powa!

PorRosário da Luz,21 jul 2014 0:00

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Na sua Aula Magna proferida no Fórum sobre a Formação das Lideranças Transformadoras – Escola de Negócios e Governação da Universidade de Cabo Verde, Março de 2013 – o Primeiro-Ministro delineou os valores que a seu ver compõem uma “liderança transformacional”. Citando a sua própria introdução à Agenda de Transformação Para Cabo Verde, o PM afirmou que “a liderança transformacional de um país tem de ousar, criar ideias novas, assumir riscos, construir alianças, inspirar e mobilizar a nação, dar-lhe confiança e realizar as mudanças que marcam, que transformam profundamente a realidade das coisas; a liderança transformacional tem de pôr em crise o status quo e tornar possível o improvável”.

Nos últimos quinze anos, os Cabo-verdianos não puderam ver nada parecido com isto. É certo que até 2008 a conjuntura expansionista camuflava o imperativo de transformação do modo de governar.cv. Mas essa conjuntura terminou e, no presente, o status kuo é transversalmente desfavorável à sociedade Cabo-verdiana: a Situação sofre de uma crise de credibilidade que teve início logo após as últimas eleições; o Governo está incapaz de cumprir as promessas económicas – emprego a um dígito, crescimento a dois e 13º mês para os funcionários públicos – sobre as quais assentou três campanhas eleitorais; a Oposição tenta há mais de dez anos reinserir-se no arco da governação, mas conseguindo apenas vitórias no domínio municipal; e a sociedade está desinstruída, desempregada, poluída, violentada e a temer pela sua saúde. Portanto, mais do que nunca, as organizações políticas e a sociedade civil.cv sentem a necessidade premente de organizar-se em torno de lideranças competentes e inspiradoras. Chamemo-las transformacionais, seja; onde estão?

A qualidade das lideranças depende do contexto em que operam; da conjuntura cultural e dos seus valores organizacionais. No Kauberdi contemporâneo, estes dois fatores conjugam-se para limitar radicalmente a qualidade das nossas lideranças. O  coletivo Cabo-verdiano atravessa uma recessão moral e intelectual que dificulta a transmissão de valores como o trabalho, a solidariedade,  a dedicação e o sacrifício aos indivíduos e às organizações. Neste contexto, qualquer líder potencial que pretenda apelar a esses valores está condenado a ser desacreditado por uma sociedade que não os partilha.

Quanto ao carácter das ambições das organizações partidárias e das lideranças.cv, este desenha-se necessariamente em reflexo da conjuntura depressiva; ou seja, extinta a ambição de transformar a sociedade ou inscrever-se na posteridade, o único objetivo que resta à política Cabo-verdiana é a obtenção e a manutenção do poder. Neste quadro, dificilmente surgirão lideranças transformacionais; e se surgirem líderes capazes de mobilizar os eleitores, será certamente sobre plataformas marcadamente demagógicas.

Tais líderes têm consequências desastrosas para a sociedade, é certo; mas no momento são essenciais para a sobrevivência dos partidos. As organizações politicas.cv podem não estar em condições de produzir a classe de lideranças transformacionais celebrada pela poesia pública; mas são obrigadas, por imperativo pragmático, a apresentar à população um conjunto de personalidades credíveis, capazes de dar confiança ao eleitor nacional e garantir o poder às suas organizações. Ou seja, a política Cabo-verdiana precisa de produzir lideranças pelo menos funcionais.

Em 2001 o PAICV ganhou as legislativas – apenas cinco anos após ter cedido ao MPD uma maioria qualificada – porque a Situação tinha esgotado as suas reservas de liderança e capacidade de gestão. Mesmo com o esgotamento político do MPD, o PAICV surgia ainda numa posição delicada, como o Partido que tinha exercido o poder em regime autoritário e cujas credenciais democráticas eram altamente problemáticas; porém, tinha-se destituído das velhas caras e reemergia com um conjunto de quadros jovens, de reputação ainda cristalina.

O PAICV venceu em 2001 porque utilizou o seu tempo na oposição para renovar a imagem do partido e para produzir uma nova cepa de lideranças promissoras, capazes de mobilizar a vontade dos eleitores.  A posteriori, ficou provado que nenhuma delas era minimamente transformacional; mas, num primeiro momento, foram capazes de “mobilizar a nação e dar-lhe confiança” com a sua frescura e as suas narrativas de transparência e justiça. Eram funcionais.

Mas o tempo passou; e treze anos de autismo político, narrativas virtuais, contração da ajuda pública e crises internacionais  deixaram marcas profundas sobre a funcionalidade dos líderes da Situação. Até 2008, o Governo e a Maioria tiveram margem para ficcionar um desempenho positivo sobre um eleitorado relativamente saciado com emprego público, obras, pensões, universidades locais e crédito ao consumo. Mas quando a torneira seca e é preciso garantir a todo o custo a continuidade do poder – já que é este o único objetivo do exercício do poder – surgem escolhas bastante difíceis.

Um exemplo paradigmático é a política de habitação social do Estado. Quando foi necessário recorrer ao programa Casa para Todos para ganhar o voto popular nas eleições de 2011, o resultado não foi win-win – como tinham sido os projetos do MCA, que punham dinheiros a circular sem agredir diretamente os operadores. Mas Casa para Todos golpeou duramente os sectores nacionais da Construção Civil, da Imobiliária e do Comércio, deixando classes inteiras de eleitores descontentes em tensa coexistência com os beneficiados. Quando é necessário construir dúzias de barragens para ludibriar a população rural com fantasias produtivas, o resultado também não é win-win: há que defender perante financiadores e adversários a bondade de investimentos completamente indefensáveis. Naturalmente, a credibilidade dos líderes responsáveis por más decisões é abalada a cada episódio, e estes revelam-se cada vez menos capazes de “dar confiança à nação”.

A ausência de comprometimento ideológico entre a classe política nacional constitui outro fator de risco para a capacidade organizacional de produção de lideranças. Atualmente, os partidos têm muito menos militantes do que clientes; e a estes últimos é necessário remunerar com tachos: com cargos de administração em detrimento dos bons gestores; com tarefas de conceptualização, em detrimento dos pensadores. O resultado é a promoção sistemática da mediocridade dentro das organizações, o relaxar de todos os parâmetros de mérito e a progressiva falta de qualidade das lideranças de nova geração.

À medida que os imperativos da gestão do curto prazo se sobrepõem aos imperativos da boa governação, é evidente que diminui a credibilidade de quem dá cara às decisões. A ponto de, neste momento, o maior suporte das ambições do PAICV á continuidade no poder é o facto que o MPD também não dispõe de lideranças capazes de “inspirar a nação”. A sorte do Governo é que nenhum outro sector da vida comunitária.cv – política, cívica ou intelectual – dispõe de lideranças transformacionais capazes de desafiar eficientemente a sua Administração. Sorte da Situação, azar do país.

Contrariamente ao PAICV em 2001, o MPD em 2014 provou-se incapaz de reconstituir uma oferta de líderes aptos a “mobilizar a nação e dar-lhe confiança”. Após três legislaturas – e num quadro de estagnação económica e social – a Oposição poderia contar tranquilamente com o desgaste da Situação, enquanto investia na afinação da sua própria imagem. Mas não; o que verificamos é uma ocorrência deveras caricata, onde a Oposição espelha o tipo de desgaste organizacional que costuma ser particular ao exercício do poder.

Infelizmente, o MPD navega a mesmíssima recessão moral e intelectual que o resto do país. Apesar do sucesso considerável das suas candidaturas municipais, os eleitos pelo MPD não fogem à imagem (ou à prática) generalizada de clientelismo, e ainda nenhum primou pela gestão inovadora da coisa pública. Por outro lado, a estrutura do partido e o Grupo Parlamentar absorvem-se em estratégias estéreis de acusação e defesa, enquanto passam completamente ao lado da exposição dos erros de governação e das falácias discursivas da Situação. Mas o grande passivo eleitoral do MPD é que ainda nenhuma personalidade logrou afirmar-se verdadeiramente – seja lá como for! –como uma liderança de alcance nacional – uma liderança funcional.

Em Dezembro, teremos mais um episódio da novela Lideranças Nacionais: o combate pela presidência do PAICV, nas suas primeiras eleições competitivas desde o Congresso de 2000. 2016 está aí à porta e trará consigo uma maratona eleitoral de Legislativas, Autárquicas e Presidenciais. Se eu fosse uma estrangeira em visita ao Arquipélago, estaria cheia de curiosidade pelo desfecho de todos estes tramas. Mas não sou estrangeira, sou Cabo-verdiana; portanto não estou curiosa, estou em pânico.

 

 

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Autoria:Rosário da Luz,21 jul 2014 0:00

Editado porRendy Santos  em  21 jul 2014 10:13

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