Mininu Mansu

PorRosário da Luz,28 jul 2014 0:01

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Em preparação para o debate parlamentar sobre o Estado da Nação no próximo dia 31, os líderes políticos.cv atarefam-se na promoção de encontros com  juventude, com o objetivo de “auscultar” as suas preocupações e de “dialogarem para, de forma conjunta, encontrarem as melhores soluções”. O tema da juventude permeia constante e transversalmente o diskursu politiku nacional, ainda que de forma superficial; é natural, pois todas as comunidades vivem sob a pressão de gerir com eficácia o potencial energético – tanto construtivo quanto disruptivo – dos seus jovens. Entre nós, há já quarenta anos que os cânticos à Mocidade Portuguesa foram substituídos por hinos ao Jovem Verdiano; mas o que tem verdadeiramente motivado o Estado.cv na beneficiação material e simbólica da juventude? Quais têm sido os verdadeiros contornos da relação do poder político com a mocidade?

Es fitxa bu pai na Tarrafal, bu mai morre di disusperu, nha guenti forti vida tristi!” A clássica canção do grupo Kaoguiamo evoca a violência perpetrada sobre a juventude pelo regime colonial, incitando o mininu mansu oprimido à tomada de consciência e á ação. Em 2014, o jovem Cabo-verdiano está muito melhor alimentado e mais escolarizado do que a sua contrapartida colonial; mas – findado um boom de oportunidade temporário e artificialmente financiado – as suas perspetivas de sucesso estão em franca regressão. Hoje, meninos thugs são fechados aos montes em São Martinho e na Ribeirinha, meninas mães fumam pedra até ao desespero, e jovens diplomados semianalfabetos adornam com o seu ócio as esquinas das nossas vilas e cidades. Forti vida tristi. Nunca, desde 1975, a necessidade de tomada de consciência e ação pela juventude.cv foi tão premente.

Durante quarenta anos a  juventude Cabo-verdiana foi refém de dinâmicas que se revelaram devastadoras para a sua integridade: as transformações socioeconómicas que lhe foram impostas pelo processo histórico e que lhe lançaram no desconhecido, sem referências para o discernir; o desenraizamento paralelo – devido ao mesmo processo histórico – da família Cabo-verdiana pós-Independência, que perdeu de forma trágica a capacidade de estruturar a existência dos seus menores; e, por fim, a não gestão dessas transformações pelo poder público, cujo mandato era prever e mitigar o seu impacto e não dissimulá-lo com demagogia.

Desde a Independência que a educação, a proteção social e o lazer da juventude constituem uma preocupação política e orçamental permanente para o Estado; mas nunca, evidentemente, com o propósito primário de capacitá-la para o exercício da independência, porque senão as prioridades e decisões teriam sido outras.  A juventude nunca foi pensada pelas forças políticas.cv como um capital crucial para o desenvolvimento da sociedade, como um alvo privilegiado do seu esforço de gestão. A população jovem foi sempre encarada pelo poder estabelecido fundamentalmente como um recurso: primeiro como um recurso partidário, apenas útil e tolerado quando moldado aos desígnios do partido-estado; depois, como um recurso eleitoral, cobiçado e disputado apenas enquanto fileira de votos.

Ao longo de quarenta anos, a juventude Cabo-verdiana foi instrumentalizada pelo poder político, ávido da sua militância e do seu voto, mas insensível ás suas necessidades. Talvez a precariedade da situação contemporânea da juventude.cv possa ser explicada por este desgoverno familiar e estatal face à globalização da sua existência; mas ele não explica o principal problema que aflige o mininu mansu da atualidade – a sua própria passividade.

Será a juventude contemporânea apática em comparação ao desempenho político e cívico de gerações passadas? Não. É só abrir a TV ou entrar em qualquer rede social para testemunhar o engajamento físico e intelectual da juventude global com a causa de Gaza. A juventude continua a ser uma fonte de energia transformadora pelo mundo afora, e o mundo teve provas amplas do seu ativismo nos últimos anos: no seu papel determinante na génese e na maturação da Primavera Árabe; nos protestos organizados por jovens contra as medidas de austeridade na Grécia e na Espanha; na mobilização recente da juventude Francesa contra a deportação de estudantes sem nacionalidade. O ativismo político da juventude é demonstrável inclusive no seu avatar destrutivo, tal como testemunha a preponderância de miúdos nas organizações terroristas internacionais.

A juventude Cabo-verdiana também já foi brilhantemente ativista: especificamente na primeira metade da década de 1970, quando participou em massa nas dinâmicas políticas e culturais de feição nacionalista que se alastraram pela “província”. O jovem Cabo-verdiano politizou-se, organizou-se e desempenhou um papel decisivo na galvanização da sociedade local em torno da Independência nacional – e na transformação efetiva de Cabo Verde em nação soberana. Infelizmente, esse rumo de ação não pôde manter-se; essa juventude consciente e dinâmica foi útil num primeiro momento, mas transformou-se rapidamente numa ameaça natural para o Estado que ajudou a construir. Sendo assim, e sob a guisa do seu enquadramento  político e social, ela foi organizada em dependências do partido-estado e simplesmente castrada. Como? Na verdade, não foi difícil.

Produto de tradições cívicas muito ténues, a dinâmica revolucionária da juventude dos anos 1970 foi eficientemente manietada por um estado autoritário e experiente,  certamente preparado para lidar com a dissensão, mas que raramente se viu obrigado a fazê-lo. A promessa fundamentada de mobilidade social – assente no controle estatal  da oferta de emprego e de bolsas de estudo – revelou-se suficiente para domar os ímpetos da juventude e domesticar a sua energia às conveniências do Estado. O advento da democracia na década de 1990 encontrou uma juventude desabituada do livre arbítrio, incapaz de utilizar produtivamente os direitos que desta feita pouco contribuiu para conquistar.

A classe média constitui tradicionalmente o mais terrível de todos os viveiros de juventude revolucionária; gerou Marx e Lenine, Castro e Guevara, Cabral e N’Krumah – e depois mandou-os fermentar as suas ideias mais perigosas na universidade. Vamos esquecer por um momento os thugs e as agarradas da periferia; face à estagnação da economia, à desqualificação do ensino e à derrocada dos valores do mainstream.cv, é a juventude da classe média que agora está em risco de não se poder reproduzir enquanto tal. No seu quadrante, ela foi tão vitimizada pelo sistema quanto a juventude popular: foi ludibriada com universidades e centros de formação profissional que a desqualificaram; o seu desemprego foi adiado por estes esquemas de capacitação, mas agora a prorrogação esgotou-se e a realidade baixou; e o Governo mente-lhe abertamente sobre o futuro, projetando-lhe oportunidades virtuais para as suas qualificações virtuais.

Ainda assim, apesar dos seus problemas o jovem.cv, tanto popular como remediado, encontra-se acomodado e não vê ocasião para tomadas de consciência ou, muito menos, para manifestações. Reclama no Face das injustiças da vida e, enquanto espera por melhores dias, prostitui-se para comprar os acessórios fashion e digitais que considera absolutamente necessários, com muito mais ganância e menos vergonha na cara do que teriam sentido os seus antepassados famintos ao vender-se para comer. O jovem Cabo-verdiano não foi apenas castrado por quinze anos de partido único; foi lobotomizado por 25 anos de desinformação, demagogia e consumismo com financiamento externo. O drama é que este tipo de vazio etiku e simbólico constitui um viveiro para outro tipo de ativismo: um ativismo perigoso, do tipo que levou os jovens Alemães a abraçar a Juventude Hitleriana. 

Os movimentos extremistas tendem a surgir no caos e no vazio, e a vingar entre a juventude desafetada. A sociedade Cabo-verdiana contemporânea apresenta todos os ingredientes necessários á sua confecção: a desestruturação familiar, o vazio social, politicas sociais demagogas e, fundamentalmente, o vazio económico. Uma sociedade pode manter longamente a sua apatia perante certo tipo de vazios simbólicos; degrada-se mas não implode. Contudo, os vazios económicos costumam resultar em crises imediatas de autoridade social, e será este o quadro que enfrentaremos muito brevemente.

Haverá uma juventude fundamentalista no futuro de Cabo Verde? Se houver, ela certamente não terá origem na juventude gorda e vendida que encontramos amarrada à cauda dos partidos políticos estabelecidos. Essa não é capaz de gerar qualquer tipo de energia, seja construtiva ou destrutiva – como é, aliás, evidente pela platitude discursiva das corporações políticas em matéria de “soluções para a juventude”. Mas talvez um embrião de extremismo.cv esteja a ser incubado pelos sentimentos tenebrosos que informam as narrativas bairristas e classistas que correm á toa pelo país – quem sabe? Talvez não. Talvez tenhamos tão pouco energia para a destruição como para a construção. Mas as condições são ideais, e o nosso mininu mansu, popular ou remediado, poderá vir a ser plasticina da boa para esse tipo de projeto.

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Autoria:Rosário da Luz,28 jul 2014 0:01

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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