A política da gesticulação do BCV

PorExpresso das Ilhas,1 mar 2015 0:00

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Num contexto de persistência de fragilidades que restringem as condições de solvabilidade dos agentes numa perspectiva intertemporal – com destaque para o crescimento económico anémico e para o elevado endividamento dos vários agentes económicos -, o folhetim sobre condições de crédito à economia converteu-se num exercício de gesticulação do Banco de Cabo Verde (BCV) em volta da alteração da taxa das reservas obrigatórias e das taxas de juro oficiais. No início de 2014, o BCV procedeu a uma redução da sua taxa de referência. Contudo, não deu os efeitos esperados no financiamento das famílias e empresas: (i) efeito quantitativo - crescimento do crédito – (ii) efeito qualitativo - custos dos empréstimos bancários mais baixos.

Por seu turno, a medida emblemática de redução da taxa das reservas obrigatórias, de 18 para 15 por cento, é o reflexo mais evidente das dificuldades dos decisores do BCV de compreender e de actuar sobre as causas principais do enfraquecimento dos mecanismos de transmissão da alteração deste instrumento da política monetária e da fraca dinâmica (contracção!) do crédito ao sector privado da economia.

Deixado à solta, o gap das finanças públicas cabo-verdianas asfixia a economia do país, reduzindo perigosamente a eficácia da política monetária. O Sector Público Alargado (sector público administrativo mais as empresas públicas) continua absorvendo parcelas cada vez maiores do crédito total à economia e as suas necessidades de financiamento gigantescas acabam por afectar significativamente os dois lados do mercado doméstico de crédito (procura e oferta).

Importa referir que a maioria dos indicadores macroeconómicos e os níveis de confiança baixos dos agentes económicos apontam para um naufrágio no horizonte. Deste modo, numa envolvente de incerteza e aversão ao risco no mercado de crédito doméstico em níveis muito elevados – eleições em menos de um ano –, a probabilidade do “mix” dos dois instrumentos de política monetária não atingir os seus objectivos (intermédio e final) é muito forte. Note-se que este “mixpeculiar funciona via os bancos comerciais e consiste na combinação de um instrumento de médio/longo prazo (reservas obrigatórias) e de um instrumento de curto prazo (taxas de juro oficiais). 

O estudo da estrutura dos balanços dos bancos comerciais permite assinalar alguns pontos importantes:

Em primeiro lugar, é de salientar que o aumento das reservas excedentárias, na sequência da descida da taxa das reservas obrigatórias, pode ser aplicado nos empréstimos às famílias e empresas, nos títulos de dívida pública, nos títulos de banco central de curto prazo e depósitos no exterior.

Usando o modelo de Brunner-Meltzer da oferta não linear de crédito, a oferta de crédito está directamente relacionada com a base monetária efectiva (i.e. base monetária menos as reservas obrigatórias). Assim, face ao aumento da oferta de crédito, sustentado pela diminuição da taxa das reservas obrigatórias, os bancos podem ser induzidos a ter um comportamento “oportunista”. Ou seja, na medida em que a oferta de crédito ao sector privado não financeiro reage muito lentamente, os bancos comerciais podem retardar “to swap” aplicações em títulos de dívida pública (nomeadamente obrigações do tesouro) e do BCV, por activos do sector privado com maior risco (se o fizerem!). Adicionalmente, tendo em conta os custos efectivos do seu “funding e o facto do BCV não remunerar as reservas obrigatórias, os bancos podem não repercutir as reduções no “mix” dos instrumentos de política monetária no custo dos empréstimos às famílias e empresas.  

A literatura económica sugere que a passagem da redução das taxas de juro oficiais - conjugada com uma pequena diminuição da taxa das reservas compulsórias -, às taxas de juro bancárias, depende, inter alia, do grau de concorrência e das características estruturais do sector bancário do país, da percentagem de “bad debts” na carteira de crédito, dos critérios mais ou menos restritivos de avaliação de risco por parte dos bancos e da sensibilidade do crédito ao ciclo.  

Em suma, as reservas obrigatórias são consideradas como sendo um imposto na produção dos depósitos pelas instituições financeiras monetárias. A diminuição do imposto é parcialmente passada aos clientes através de taxas de juro bancárias mais baixas e de uma maior quantidade concedida de crédito. Contudo, a passagem na totalidade dessa redução, na maior parte das vezes, não é possível. De acordo com as estimativas obtidas com base nos modelos econométricos não-linear de crédito, é inteiramente possível que a magnitude dos efeitos taxa de juro (preço) e crédito (quantidade) seja, para o sector privado, nula.

Finalmente, o BCV, para preservar a sua credibilidade, não deve perder o seu tempo na gesticulação politiqueira que tem acompanhado a desaceleração (contracção) do crédito concedido ao sector privado cabo-verdiano. É lamentável que o banco central aborde a evolução do crédito ao sector privado de modo tão errático e sem atender ao facto que o crédito concedido às administrações e empresas públicas regista crescimentos positivos.

No sentido de realizar, numa perspectiva de longo prazo, a sua missão, afigura-se crucial, para o BCV, pensar e debater a política do banco central.

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Autoria:Expresso das Ilhas,1 mar 2015 0:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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