Demissão de Sara Lopes fragiliza o governo e reforça a oposição

PorExpresso das Ilhas,29 dez 2015 6:00

A anterior ministra das Infraestruturas há um ano queria sair? Fez bem. Neves não aceitou? Fez mal. Sara Lopes queria sair porque, provavelmente, se sentia fragilizada; não se sentia confortável no lugar que ocupava; não se sentia bem com a sua consciência quanto ao cumprimento das missões e metas para as quais estava incumbida

A demissão de Sara Lopes, nas circunstâncias em que a fez - três anos depois da derrocada da ponte Ribeira d’Água, na Boa Vista, e um dia após a discussão, na Assembleia Nacional, do relatório da Comissão de Inquérito sobre o desaparecimento do navio Rotterdam, e o afundamento do navio Vicente -, fragiliza o Governo e reforça os partidos da oposição. Fragiliza o Governo porque, fica a ideia de que, no Governo do PAICV, todos estão agarrados ao poder, e que ninguém assume a responsabilidade política pelas suas ações, inações e/ou omissões. Reforça a oposição porque, fica a ideia de que a ministra só se demitiu, depois de estar debaixo do fogo cruzado dos partidos da oposição que, em uníssono, há muito tempo, exigem a sua demissão.

Por que é que - se não me falha a memória - raramente alguém é demitido ou se demite em Cabo Verde? Na minha opinião, isto acontece porque - deliberadamente ou não -, faz-se confusão entre responsabilidade política e responsabilidade jurídica. É por isso que, sempre que os sujeitos políticos são confrontados com o pedido de demissão, resistem e remetem a questão para o plano da lei, com o argumento de que “não cometi nenhuma ilegalidade”, atirando assim, para o campo jurídico, o que é da política.

É preciso dizer que responsabilidade política - sem afastar a aplicação de outras responsabilidades - é diferente da responsabilidade jurídica. Na responsabilidade política, “não existe sanção jurídica”, enquanto “a responsabilidade jurídica pressupõe o descumprimento de uma norma, ou a prática de uma conduta que o ordenamento jurídico veda expressamente”.

A responsabilidade política, portanto, poderá ser invocada, sempre que o agente político seja considerado incompetente, inoperante ou atue de forma contrária aos anseios sociais.

Um exemplo claro de que, em Cabo Verde, a classe política não se responsabiliza politicamente, e sempre que é confrontada com a questão da demissão resiste e remete o assunto para o plano da lei, foi quando, em janeiro de 2013, a Comissão de Inquérito que avaliou as causas da derrocada da ponte de Ribeira d’Água, na Boa Vista, “responsabilizou o Governo cabo-verdiano e várias empresas pelo acontecimento. Questionada sobre a responsabilidade política, a MIEM (Ministra das Infraestruturas e Economia Marítima) respondeu que “tirar responsabilidades políticas creio que não cabe ao Governo” e, ao mesmo tempo, avançou que o “Governo já constituiu uma equipa jurídica para analisar cuidadosamente todas as conclusões do relatório”.

Outro exemplo: Numa conferência de imprensa, em Maio de 2015, o MpD acusou a ministra de irresponsabilidade política por alegadas responsabilidades no naufrágio do navio “Vicente”, pedindo a sua demissão. Em reação, novamente, declarações de Sara Lopes vão no sentido de que, “vão ser tomadas medidas disciplinares, civis e criminais”. Em comunicado, “anunciou que assumirá as suas responsabilidades perante o caso, mas recusou a demitir-se do cargo”.

Repare-se que, nos dois exemplos supra mencionados, demorou-se três anos (2012 a 2015) até que alguém se demita. Em Portugal,  em uma situação idêntica, Jorge Coelho demite-se, Guterres aceita, tudo em menos de 24 horas.

Sara Lopes devia demitir-se há um ano, quando, alegadamente, pediu a sua exoneração, e o senhor primeiro-ministro não aceitou.

Sara Lopes, há um ano queria sair? Fez bem. Neves não aceitou? Fez mal. Sara queria sair porque, provavelmente, se sentia fragilizada; não se sentia confortável no lugar que ocupava; não se sentia bem com a sua consciência quanto ao cumprimento das missões e metas para as quais estava incumbida, provavelmente, devido a algumas “inoperâncias” no ministério que ela dirigia.

Neves devia ter aceitado o pedido de demissão da ministra na altura! Ao não aceitar, veio dar razão ao MpD e à UCID, que há muito vêm pedindo a cabeça da ministra, acusando-a de irresponsabilidade política. Ao não aceitar, deu azo a que se comprove que, efetivamente, “o Governo do primeiro-ministro de Cabo Verde está moralmente ferido de morte e em desmoronamento”.

Sara Lopes devia demitir-se, há um ano, deixando com isso, um legado de responsabilização política. Seria uma atitude de “invulgar dignidade”!

Quem perde as condições morais e políticas para se manter no cargo, deve demitir-se! Foi o que fez Jorge Coelho, em Portugal.

Jorge Coelho, demitiu-se em Março de 2001 - em menos de 24 horas - do cargo de ministro do Equipamento Social, na sequência da queda da ponte de Entre-os-Rios (Castelo de Paiva), provocando 59 vitimas mortais. António Guterres, primeiro-ministro de então, aceitou o «irrecusável» pedido de demissão de Coelho. Alegando que assume a responsabilidade política pelo acidente, Jorge Coelho explicou que a sua decisão era irreversível, e que não ficaria bem com a sua consciência se não a tomasse. A inevitável demissão de Jorge Coelho, na altura, tem que ver com a forma como ele vê, concebe e exerce o poder: “Na política, não se pode brincar com coisas serias, e a culpa não pode morrer solteira”.

Coelho não era responsável direto pela manutenção da ponte, mas, era o responsável político, e agiu como tal, mesmo contra a vontade de António Guterres.

Com a saída de Coelho, deixaram também o Governo os seus quatro secretários de Estado; o presidente do Instituto de Estradas de Portugal, é afastado do cargo, e o presidente do Instituto de Navegabilidade do Douro (IND), apresenta a demissão.

Em Cabo Verde, aquando da queda de uma ponte em Boa Vista, ninguém se demitiu!

Outro exemplo: Em Outubro, o arrastão Olívia Ribau, naufragou à entrada do porto da Figueira da Foz, (Portugal), provocando cinco vítimas mortais. O comandante do porto pediu exoneração, uma semana após o naufrágio. Em Cabo Verde - no caso do navio Vicente -, ninguém se demitiu.

Os dois casos de Portugal, são exemplos de responsabilidade política, traduzidos em demissões.

Em Cabo Verde, ninguém se demite, ninguém se responsabiliza politicamente! Aqui, é preciso aguardar que sejam apuradas (só e apenas) responsabilidade cíveis e criminais!  

*Politólogo jorge2201647@hotmail.com

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Autoria:Expresso das Ilhas,29 dez 2015 6:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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