O PAICV dos pequeninos!

PorExpresso das Ilhas,3 mai 2016 6:00

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O novo parlamento e o novo governo tomaram finalmente posse iniciando assim um novo ciclo político resultado da vontade popular livremente expressa nas urnas a 20 de Março. Estamos a viver então novos tempos políticos que vão exigir de todos nós um esforço extra no sentido da reposição do caminho rumo ao desenvolvimento, algo que nos últimos anos,  já estávamos infelizmente arredados. Para todos os actores políticos estão reservados os seus papéis, uns governando, outros na condição de situação ou oposição parlamentar. Cabe a cada um dos sujeitos,  a partir de agora,  assumir as suas responsabilidades neste novo quadro institucional.

Em Janeiro de 2015 e ainda antes do Congresso do PAICV que elegeu a nova liderança, escrevi neste mesmo semanário que o sucesso ou não deste partido  nos embates eleitorais de 2016 estava dependente da forma como a nova líder pudesse unir o partido em sua volta. Os resultados hoje estão á vista desarmada de todos: a nova liderança ao invés de unir o partido dividiu-o profundamente e todos os episódios que rodearam a vida do partido nos últimos tempos, nomeadamente, a gestão de todos os processos internos, comprovaram esta triste realidade. A nova liderança impôs ao partido uma estratégia errada fomentando  guerrilhas internas, afastando ou promovendo os militantes de acordo com os apoios à sua candidatura, e terminando com escolhas pessoais  dos cabeças de lista, impondo valores clientelistas a procedimentos novos nunca dantes vistos.

O resultado é o que sabemos: o PAICV teve uma derrota humilhante e em alguns aspectos mais humilhante que a derrota de 91, pois perder a ilha do Fogo e colocar o partido como terceira força em S. Vicente não tem paralelo com outros resultados até hoje conseguidos. Aliás uma breve análise mostra-nos que os piores resultados do PAICV foram conseguidos nos círculos que eram encabeçados pela líder e pelos seus Vices mas desse facto não se tirou nenhuma consequência sendo que um deles acabou mesmo por receber o prémio de Vice-Presidente da Mesa da AN e tomar posse sendo ainda membro do governo(?!). Fosse o Paicv hoje um partido coerente e sério  e esta derrota de todos os seus vices-presidentes suscitaria um processo de re-legitimacao interna.

 

A culpa(?) do Governo de JMN

Sempre defendi que numa sociedade verdadeiramente democrática os líderes partidários devem ser subsequentes com os seus actos, mas infelizmente esta prática não abunda aqui nestes dez grãozinhos de terra. Só assim se entende que na noite eleitoral tenha faltado á lider do PAICV a coragem, a dignidade e a nobreza suficientes para analisar a existência ou não de legitimidade política para continuar à frente dos destinos do PAICV. Ao invés disso e posteriormente longe das câmaras da TV e em reuniões partidárias e afirmações públicas  preferiu distribuir então as responsabilidades da derrota para todos e em particular para o Governo e o seu líder.

Aliás só um PAICV “rabentola” ou mesmo imaturo  teria  o descaramento para atribuir culpas desta derrota ao Governo! Vejam o paradoxo:  durante a campanha eleitoral os candidatos do PAICV nos diferentes palcos e por todo o País, mais não fizeram do que propagandear os feitos do Governo durante 15 anos: barragens, aeroportos, kms de estradas, centros de saúde, etc. Mas curiosamente já na noite da derrota e dias seguintes  nenhuma dessas realizações servia e a culpa da derrota passou a ser exatamente do governo, do ex-Primeiro-Ministro, do desgaste dos Ministros e para confirmar a aberração total até dos directores-gerais e PCAs que não entraram na campanha, numa clara confusão entre o Partido e o Estado.

Este PAICV dos pequeninos parece padecer de uma qualidade nata que consiste em tentar  atribuir as responsabilidades, as culpas, os desaires  a outros, numa vã tentativa de esconder uma verdade cristalina: a população cabo-verdiana disse um rotundo NÃO  a esta nova liderança! E ao dizer este NÃO a população mostra que não se revê nem nas práticas nem nos valores defendidos por este PAICV desta nova líder.

Assumir a derrota é um princípio essencial dos regimes democráticos. E ao não colocar o cargo à disposição dos militantes, pelo carácter simbólico que uma decisão destas teria, a nova liderança ensaia uma fuga para a frente e prova mais uma vez que atributos como a humildade e a generosidade,  desde as eleições internas, deixaram de fazer parte do dicionário deste novo PAICV.

Adiante. Penso, como muitos caboverdeanos, que o que a nova liderança do PAICV vem fazendo com JMN é deveras injusto. Procurar aqui e ali encontrar culpados outros e ilibar-se da pesada responsabilidade que óbviamente impende sobre os seus ombros, elegendo o ex-Primeiro Ministro como o responsável pelo desastre eleitoral é no minimo curioso e maquiavélico.

Desde o desastre eleitoral que rápidamente a nova líder do PAICV e os seus seguidores puseram de pé esta narrativa peregrina e saloia que visa acusar e incriminar o elemento que, até ao fecho da campanha eleitoral, se dizia ser o maior ativo do PAICV: o Governo de JMN. Um paradoxo em toda a dimensão, pois ao dizer isso esquece-se a nova líder que pertenceu de corpo e alma durante oito longos anos ao anterior governo.

 

Incompetência e Irresponsabilidade

Há um velho ditado que diz que, em regra, acaba mal, o que começa mal. Portanto todos nós que assistimos á forma como a campanha para as eleições internas no PAICV foram quezilentas, com trocas de acusações públicas, nomeadamente sobre a utilização de recursos do Estado, etc. não poderíamos nestas eleições elevar a fasquia de forma nenhuma.

Nos episódios rocambolescos das escolhas dos integrantes das listas, e aos olhos do comum dos cidadãos, ficou claro que apesar da retórica sobre o poder dos estatutos e dos órgãos, a líder dispôs das funções como quis, cavalgou contra os oponentes e como corolário elaborou a seu bel-prazer as listas dos candidatos para todo o País. O resultado por isso não podia ser outro.
A campanha foi aquilo que se viu: pobre de discurso e sem estratégia. O único elemento era a ânsia de ganhar como se tal fosse possível com tanta falta de senso. Aliás muitas vezes ficamos com a sensação que para alguma gente ser líder do PAICV não era mais do que um meio para se atingir um fim há muito ambicionado: ser Primeiro-Ministro de Cabo Verde.

Portanto o pós-eleições internas, todo o ano de 2015 e o período pré-eleitoral serviram apenas para demonstrar que estávamos perante um novo PAICV, sem valores e sem causas, um PAICV de prebendas e sem maturidade para continuar a liderar o processo de desenvolvimento deste País.

E, independentemente de ponderosas razões explicativas desta derrota do PAICV e sem descurar o grande mérito do MPD, designadamente na forma como preparou e realizou a comunicação com os eleitores, há um elemento que não pode ser escondido: a nova liderança do PAICV foi rejeitada.


Que PAICV na oposição?

Nas sociedades democráticas um governo terá a sua performance melhorada quanto melhor fôr também o desempenho da oposição. E aqui reside a minha dúvida. Olhando para a bancada da oposição e sabendo da praxis política própria desta nova liderança duvido que nesta nova legislatura o governo de Ulisses Correia tenha uma oposição á altura. E isso, quer se queira quer não, não deixa de ser um mau presságio para a nossa jovem democracia.

Os episódios que vão sendo conhecidos sobre a gestão egocentrica e quase ditatorial que a nova líder vem fazendo dentro do seu partido faz antever um período dificil na vida do PAICV. A prova está aí: a ideia mirabolante em ser-se também lider parlamentar em mais um episódio do quero, posso e mando, ideia essa que irá prejudicar sobremaneira o desempenho da oposição e do partido de uma forma geral. Aliás, é sintomático que até hoje não se viu nenhuma declaração de algum deputado tambarina aprovando esta ideia, mesmo aqueles que são seus indefectíveis apoiantes.

Mas nada disso é estranho. Infelizmente desde a sua eleição que esta nova líder fez tudo como quer e sempre de forma autoritária afastando compulsivamente todos aqueles que ousam pensar pela própria cabeça e  agora,  amarga o pão que amassou. E não deixa de ser de uma heresia incomensurável ouvir esta nova liderança citar Amílcar Cabral como fez recentemente numa entrevista à Televisão, sabendo ela que este seu PAICV nunca esteve tão distante da teoria e da prática do pensamento do fundador da Nacionalidade.

Que ninguém tenha dúvidas: da forma e magnitude com que o povo destas ilhas rejeitou esta nova liderança, ou o PAICV regressa depressa aos valores que sempre nortearam a sua prática, ou seja uma liderança que possa despender esforços no sentido da construção da unidade e coesão, ou então assistiremos a uma longa travessia do deserto que não saberemos quantas legislaturas poderá durar. O MPD, claro, agradece!

Quanto ao novo Governo ele aí está, pequeno conforme o prometido e com um programa económico ambicioso, em consonância com a esperança dos caboverdeanos e a absoluta necessidade que se tem de tirar o País deste marasmo económico. Quer-se uma nova dinamica para o sector privado e uma aposta segura no investimento directo estrangeiro como alicerces do crescimento económico e do emprego. Isso só é possivel com trabalho, muito trabalho pelo que independentemente da fasquia ser elevada, entendo que as “cobranças” a serem feitas e para serem consistentes devem permitir tempo ao novo governo para implementar a sua agenda. Nesta hora di bai é impossível não se sentir saudades de governantes que muito se empenharam nos seus postos como a Sara Lopes, Leonesa Fortes ou António Correia e Silva. Estes são bons governantes em qualquer parte do mundo. Mas os tempos são outros e tenho também fortes esperanças em como  Janine Lélis, Fernando Elísio ou Olavo Correia serão bons governantes que encherão os caboverdeanos de orgulho!

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 752 de 27 de Abril de 2016.

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Autoria:Expresso das Ilhas,3 mai 2016 6:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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