Nível de fiscalidade de Cabo Verde: qual o impacto no crescimento económico?

PorExpresso das Ilhas,19 abr 2017 11:55

O presente texto propõe uma reflexão crítica sobre o Impacto do Nível de Fiscalidade no Crescimento Económico. Esta reflexão é fundamentada teoricamente na Revisão de Literatura e sustentada empiricamente na análise de dados estatísticos nacionais e de parceiros internacionais, para uma nova dinâmica de crescimento económico e melhorar a eficiência e eficácia nos sectores mais protegidos (saúde e educação), contribuindo também para ganhos de produtividade necessários para superar o elevado nível de desemprego qualificado (36%). Torna-se necessário dar a conhecer a nossa contribuição em termos de Tributo (quais impostos, taxas e contribuições). Com efeito, o Nível de Fiscalidade (NF) cabo-verdiana continua a caraterizar-se por um NF Médio de 20,3% (2016), apesar do imenso progresso atingido e que já se reflecte em reversão da tendência de queda de arrecadação (18%, em 2015), ainda há diversos desafios a serem atingidos.

O melhor desempenho do país (na sub-região) não estará alheio a uma contínua melhoria de reformas tributárias, consolidadas pela previsibilidade e estabilidade fiscal e fortalecimento da DNRE. Segundos os dados provisórios divulgados pelo Governo (CT), a economia nacional cresceu 3.6% em 2016, o que revê em baixa as previsões feitas pelo governo, de que a economia nacional teria um crescimento de 4%. A dívida pública em 128.6% e o défice das contas públicas em 3.5%. O crescimento é justificado com as exportações e o consumo privado. Indubitavelmente são boas notícias, mas é preciso perceber se esta subida tem significado, se é relevante, se é repetível, se é sustentada e equilibrada entre as variáveis que compõem o PIB (172.076.000.000.00).

Não sabemos se as exportações subiram pontualmente ou por alguma razão que desconhecemos. Este cenário não é isento de risco dado que os riscos globais no próximo ano são significativos. Mas, como são, sobretudo de natureza política, o seu impacto na atividade económica é incerto. Os nossos parceiros da zona euro registaram este ano um tímido crescimento de 1.6%. A Europa não está a conseguir satisfazer as expectativas económicas e sociais. O crescimento está estagnado há largos anos.

A globalização tem gerado mais riqueza, mas gerou também mais assimetrias, passou de 3.1% para 3.4%. Os G20 e os países emergentes a crescerem em 1.8% e 4.6%, respetivamente. Na nossa região subsariana, em 3.3%. Durante este periodo, a taxa de deflação passou de 0.5% em 2015 para 1.4%. O Orçamento de Estado para 2017 (Lei nº 5/IX/ 2016, de 30 de Dezembro) prevê uma receita global de 50 milhões de contos e um crescimento económico de 5,5 por cento. Boa parte (73.32%) da fatia desse bolo virá do Tributo (37.407,4 milhões ECV), mas o montante referido não chega para cobrir as despesas, que rondarão os 56 milhões ECV, pelo que o défice rondará os seis milhões de contos, ou seja, 3% (5.642.831.4). O governo prevê contratar 21.270 milhões ECV, para cobrir as necessidades de financiamento (56% dívida externa e 44% com empréstimos). De acordo com a proposta orçamental do Governo, os donativos para 2017 situar-se-ão à volta de 4.512 milhões de escudos cabo-verdianos. A dívida pública prevista para 2017 ascenderá a 225.227.3 milhões de ECV, um aumento em termos absolutos de 12.824.5 milhões de ECV. O Tesouro (banco público) terá de concluir o plano de financiamento.

O reembolso (antecipado) do financiamento traduzirá num sinal de confiança sobre a capacidade de executar o financiamento do próximo ano. Prevê-se que o stock da divida externa atinja 162.060.1 milhões ECV (2016) e 170.258.4 milhões de ECV, um aumento de 5.1% em relação ao ano transato. Entretanto, a dívida pública baterá um máximo, em 135% do PIB, e é provavelmente o indicador que mais preocupa o governo. O problema, de fato, é compreender a utilização e valor do dinheiro no tempo (destino do dinheiro). No entanto, endividamento é sempre um risco basta ser > 100%, mesmo para um País rico (EUA > 200%). Se economia crescer há risco, se não crescer há um problema. Uma economia que deixa de crescer deixa de se financiar, por que deixou de crescer, mas o governo continuou a emprestar dinheiro (mais para o Estado e menos para as famílias e empresas). Um Estado maior que a sua economia, e ainda por cima é ineficiente. Não obstante o risco de incumprimento por parte de o Estado ser considerado relativamente baixo dado o alto grau de concessionalidade da sua dívida, o seu nível elevado não deixa de constituir um potencial risco à acumulação de capital e ao crescimento económico, principalmente, por afetar as expetativas, por um lado, quanto à evolução dos custos de financiamento interno e externo dos investimentos privados (leia-se, diferente de gastos de financiamento) e, inevitavelmente, a competitividade da nossa economia. Os credores duvidam da capacidade do governo em gastar, com mestria, ou para responder às preocupações, atendendo às fraquezas estruturais subjacentes em finanças públicas tais como as receitas fiscais baixos, devido a uma estrutura fiscal pobre ou evasão, fraco controlo sobre as finanças dos municípios ou empresas de capitais públicos (TACV, ELETRA, IFH, HOSPITAIS, NB, BVC, CCV, etc.). Restrição de financiamento mais grave exigem cortes de gastos (estabilizadores de funcionamento). A fiscalidade afeta a poupança (investimento) das empresas (autofinanciamento), na medida em que influencia os fluxos financeiros, reduz os cash-flows disponíveis para aplicação e condiciona as decisões de investimento e de financiamento e, em certos casos, políticas de distribuição de dividendos, pois não incide de forma igual sobre as diversas alternativas de financiamento (leasing, factoring, crédito bancário, autofinanciamento, business angels, etc.). Por outro lado, afeta potencialmente aperceção dos agentes económicos quanto à estabilidade da política orçamental e tributária, com impacto consequente nas decisões de poupança e investimento.

A actual estrutura fiscal depende essencialmente dos impostos (37.407.489.540) sobre o rendimento, em particular sobre o trabalho dependente, do imposto sobre o valor acrescentado e dos impostos especiais do consumo. A tendência evidencia-nos um gap (discrepância entre o IVA potencial o arrecadado) significativo de 40% nos impostos indiretos e um aumento relativo nos impostos diretos. Como arrecadar se os Técnicos e Inspetores Tributários não estão satisfeitos, não lhes reconhecem os seus direitos? Porque é que uns são melhores gestores do que outros? Uma das razões é porque tem competências para a profissão que exercem (não basta falar à betinha). E como é que as competências se desenvolvem? Treinando… Neste contexto, é determinante termos gestores que saibam treinar as suas competências técnicas, comportamentais e conceptuais para que o seu cérebro fique dotado de coordenadas que os ajudem no seu dia a dia. Para atingirmos o alto desempenho organizacional (melhor adequação das rceitas) é fundamental que tenhamos gestores que desbravem novas ligações neuronais e que não estagnem, ou seja, que procurem o desenvolvimento e treino, continuamente. Já Aristóteles dizia “Nós somos o que fazemos repetidamente. A excelência, portanto, não é um ato, mas um hábito.”

A DNRE carece de uma liderança forte, que transmite a confiança e que dê sinal ao mercado. Gestão, precisa-se! Tem de ser a solução, não o problema. A produtividade tem sido geralmente fraca ao longo dos últimos anos, pela inércia dos “pseudos” gestores, que não teriam mercado no privado. Os cidadãos querem um Estado mais ágil que adapte as suas operações às suas necessidades. Cada vez mais os cidadãos desafiam a visão convencional de que a eficiência e a igualdade implicam menos escolha individual. Inclusivamente as políticas de rendimentos que aumentam os salários – e que, por conseguinte, aumentam também o rendimento e o consumo dos colaboradores – são uma fonte melhor de crescimento interno do que as depreciações das divisas (que reduzem os salários reais). No que se refere à estrutura do sistema fiscal cabo-verdiano podem igualmente ser objeto de comparação internacional, para verificação da hipótese da existência de um desequilíbrio estrutural e, por essa via, de um potencial de ajustamento do peso relativo de determinado tipo de Tributo – ainda que sem alteração do nível de fiscalidade – como uma medida de estímulo ao crescimento económico, no contexto da teoria económica e dos estudos empíricos. Nos países em que um fraco nível de crescimento económico fosse uma consequência de um desequilíbrio estrutural do sistema fiscal, seria de esperar que a respetiva estrutura revelasse um peso relativo mais preponderante dos tipos de impostos mais penalizadores, quando comparados com a estrutura do sistema fiscal de países com maior crescimento económico.

Porém, a introdução dos impostos que tributam os rendimentos das famílias e das empresas reduz o nível de produto de equilíbrio de mercado, bem como o valor do multiplicador das despesas do Estado em bens e serviços. Também retira do circuito económico uma parte do rendimento gerado, o qual, se não existisse tributação, era canalizado para a despesa, dando origem a um novo acréscimo de rendimento, e assim sucessivamente. Contudo, as alterações são necessárias, para que no futuro a estabilidade possa existir. Torna-se necessário uma revisão aprofundada do sistema fiscal cabo-verdiano, para que todas as medidas que tenham que ser tomadas aconteçam, de fato. Por todas estas razões, as medidas de estímulo devem ser oportunas, bem orientada e temporária - rapidamente revertida quando as condições melhorarem. É necessário um sistema fiscal mais progressivo que tributa as famílias de elevado rendimento a uma taxa maior do que as famílias de baixo rendimento.

Em alguns países (Espanha, Austrália...?) as regras fiscais têm como objetivo limitar o crescimento dos gastos em períodos de prosperidade, quando a receita de crescimento, é alto e restrições parecem menos vinculativas. Défices orçamentais e os rácios da dívida pública (o rácio da dívida em relação ao PIB) expandiram-se drasticamente em muitos países por causa dos efeitos da crise sobre as receitas do PIB, bem como o custo da resposta fiscal para a crise. Deficits que crescem muito rapidamente e fica muito tempo pode, no entanto, comprometer essa confiança. Cientes desses riscos, o FMI/BM/GAO pediram ao governo para estabelecer uma estratégia de política orçamental consequente. Mesmo que os piores efeitos da crise recuar, desafios fiscais continuam a ser significativos, para um País vulnerável como Cabo Verde. É necessária uma consolidação fiscal urgente e agressiva para colocar a dívida numa trajetória sustentável e para permitir no futuro uma política fiscal orientada para o crescimento.

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 802 de 12 de Abril de 2017.

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Autoria:Expresso das Ilhas,19 abr 2017 11:55

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  13 abr 2017 12:24

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