A ilha de Chiquinho no futuro (I)

PorJosé Almada Dias,6 set 2017 6:14

Fiquei muito bem impressionado com a minha viagem a S. Nicolau. O relativo isolamento a que foi votada teve o seu lado positivo – a ilha foi poupada ao desenvolvimento desordenado e as duas autarquias estão de parabéns pelo excelente trabalho que têm desenvolvido.

A vila da Ribeira Brava é um bom exemplo de preservação patrimonial, seja património arquitectónico, seja imaterial, como se vê pelo desenvolvimento do seu cada vez mais famoso Carnaval.

O Tarrafal está a transformar-se numa pequena mas atractiva cidade, com ruas bem alinhadas e bem calcetadas. Ao chegar de barco, custou-me a reconhecer aquela que, no passado, era considerada uma feia urbe de pescadores. Hoje, o Tarrafal é sinónimo de futuro, de vida agitada diurna e nocturna, uma cidade portuária e potencialmente turística com uma grande margem de expansão.

Os emigrantes da ilha também merecem as minhas congratulações – apesar do isolamento que os poderia levar a investir noutras ilhas, têm mantido um fiel sentido de pertença, investindo na construção de casas novas e modernas, cujo efeito visual é positivo, sobretudo na cidade do Tarrafal e no planalto da Fajã.

Mas falemos do futuro da ilha, como prometido na crónica anterior.

Na minha intervenção na mesa-redonda, lancei a seguinte questão aos presentes: “Os habitantes de São Nicolau consideram que a sua ilha é turística?”. O silêncio que se seguiu foi significativo.

Já tinha colocado a mesma questão na ilha de Santo Antão há alguns anos, quando, num fórum sobre o futuro da ilha, a maioria dos intervenientes dizia sempre: “Somos uma ilha agrícola...”.

O primeiro passo para que S. Nicolau e outras ilhas de Cabo Verde avancem para um futuro próspero é assumir uma postura disruptiva, olhando para o turismo como o principal motor de desenvolvimento e abandonando este castrador rótulo de “ilha agrícola”.

Por uma razão simples: o turismo traz às ilhas o mercado que elas não possuem, como o fez em todos os arquipélagos desenvolvidos deste mundo. Este rompimento com uma arreigada mentalidade rural aconteceu já nos restantes arquipélagos da Macaronésia, nas Caraíbas, nas Seychelles, nas Maurícias, nas Maldivas, etc. Cabo Verde está atrasado, mas ainda vai a tempo!

Ao invés dos agricultores, pescadores e forças vivas de São Nicolau estarem preocupados apenas com o escoamento dos seus produtos para as ilhas do Sal e da Boa Vista, deverão concentrar-se em atrair para a sua ilha o mercado de que precisam.

O segundo e imediato passo é saber que turistas a ilha quer atrair, antes de ser apanhada de surpresa como aconteceu com as ilhas com turismo do Sal e da Boa Vista, com as consequências conhecidas...

Fiquei agradavelmente surpreendido ao ouvir o meu colega José Cabral a defender sem complexos o turismo de luxo para a ilha de Chiquinho. Em Dezembro de 2016, quando apresentei o turismo de futuro para as 3 ilhas do Norte de Cabo Verde no Encontro Internacional de Turismo na Praia, houve quem tivesse torcido o nariz à palavra luxo (mais uma palavra com a qual temos problemas devido ao nosso pobre passado).

De facto, se acreditamos que as nossas ilhas possuem grandes potencialidades, se somos considerados pelas organizações mundiais do turismo como estando no top ten dos países a serem mais visitados nos próximos anos, por que razão não podemos ambicionar a trazer para cá o melhor que há a nível do turismo mundial? Outras ilhas não o conseguiram? Para que é que gastámos tanto dinheiro para ir estudar a experiência bem-sucedida das Seychelles, um caso de sucesso no turismo de luxo mundial aqui mesmo no continente africano?

No conturbado mundo de hoje, onde segurança, paz, tranquilidade e, sobretudo, autenticidade são bens cada vez mais escassos, só dependemos de nós mesmos para isso.

São Nicolau possui tudo isso! Ou seja, estão lá todos os ingredientes necessários.

Ora, se esses bens são cada vez mais escassos, raros e difíceis de imitar significa que, pela lógica, devem custar cada vez mais caro! Pelo menos, é o que rezam os manuais pelos quais me guio nas minhas aulas como docente universitário de Estratégia Empresarial...

Por isso, o turismo a ser desenvolvido em S. Nicolau deve ser, sim, de altíssimo valor acrescentado, criando as condições para atrair as classes altas dos mercados emissores. Deve ser essa a ambição mínima dos são-nicolaenses!

Na minha alocução, referi que ainda há bem poucos anos havia 3 condições necessárias para o desenvolvimento da imobiliária e do turismo em qualquer região do mundo:

Localização;

Localização;

Localização.

Hoje em dia, essas 3 condições forem substituídas por outras 3:

Acessibilidade;

Acessibilidade;

Acessibilidade.

Este é um dos principais problemas que a ilha de São Nicolau tem de resolver. As infra-estruturas necessárias já existem, faltam políticas. É portanto hora de investir no software, resistindo à tentação de esperar que a construção de hardware resolva tudo (os exemplos abundam neste mundo, da África ao Sul da Europa). Umas perguntas ilustrativas: Quantos jovens em São Nicolau dominam com fluência a língua inglesa? E a francesa? E, já agora, a portuguesa?!

Mas neste momento a pergunta que se impõe é: Que turismo para a bonita e autêntica ilha de São Nicolau?

Coloquei o foco nos segmentos que me parecem mais importantes para a ilha, agrupados em 4 grandes grupos.

 

I. Turismo de natureza e científico

A ilha possui uma orografia com vales e montanhas que convidam a fazer caminhadas numa boa rede de caminhos vicinais; possui uma flora com espécies endémicas e 2 das Maravilhas de Cabo Verde, o Parque Natural de Monte Gordo e o Carbeirinho, qualquer deles atractivos turísticos de cortar a respiração aos cultos e sensíveis turistas modernos.

 

II. Turismo urbano, cultural e religioso

O turismo do futuro será o turismo de cidade, segundo os grandes especialistas mundiais – a comprovar essa tese defendida em 2003 na Cimeira Mundial de Turismo, os maiores spots mundiais de turismo são cidades: Paris, Londres, Roma, Veneza, Nova Iorque, etc.; e até Lisboa já ultrapassou o Algarve, algo impensável há alguns anos atrás. O mundo é cada vez mais urbano e a maioria dos turistas procura a oferta diversificada das cidades quando viaja.

Frisei essa questão na minha apresentação, elogiando o bom trabalho que se está a fazer nas maiores urbes da ilha, exortando para que se continue o esforço de construção de roteiros turísticos baseados nas ricas história e cultura da ilha.

 

III. Turismo náutico

São Nicolau é a ilha com maior extensão de linha de costa, dada a sua configuração muito particular. Possui boas praias com boas condições para a prática de desportos náuticos e está situada num dos melhores hot spots mundiais para a pesca desportiva, desporto de milionários, que já começam a procurar Cabo Verde – um turismo de altíssimo valor acrescentado.

A população possui uma grande ligação ao mar, com uma forte tradição na navegação e na pesca artesanal e industrial, devido às suas águas serem ricas em peixe (por essa razão a primeira fábrica Sucla mudou-se do Tarrafal de Monte Trigo, em Santo Antão, para o Tarrafal de S. Nicolau), uma vantagem comparativa, uma vez que turismo significa pessoas a receberem pessoas com quem compartilham experiências e vivências locais.

As bem protegidas baías do Tarrafal, de São Jorge e Carriçal são locais ideais para a instalação de bons portos de pesca e marinas destinadas à pesca desportiva e à náutica de recreio.

 

IV. Turismo de lazer, saúde e bem-estar

As famosas areias negras das praias de S. Nicolau, usadas desde sempre para efeitos curativos, podem e devem constituir um dos maiores atractivos turísticos da ilha, potenciando um negócio que já é de biliões a nível mundial – o turismo de saúde e bem-estar.

Este deve ser um dos principais vectores de desenvolvimento da ilha e, particularmente, do Tarrafal e também da localidade Porto Lapa, aquela que foi a primeira povoação da ilha.

Estes são, para mim, os principais grupos de segmentos turísticos nos quais São Nicolau tem de focar o seu progresso, segmentos que irão arrastar toda a economia da ilha rumo ao tão almejado desenvolvimento sustentado, sem perder a autenticidade e a qualidade de vida que a caracterizam.

O terceiro problema a resolver é criar capacidade receptiva na ilha para atrair esse tipo de turismo, assunto que abordaremos numa próxima crónica, onde vislumbraremos uma ilha de São Nicolau rejuvenescida e desenvolvida, com uma população a crescer de forma orgânica e sustentável, uma nova realidade que está ao alcance dos são-nicolaenses.

Entretanto, a ilha começa paulatinamente a fazer parte do roteiro turístico interno. Encontrei nas férias algumas pessoas de outras ilhas, entre as quais o actual ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, Abrão Vicente, que escolheu o Tarrafal como destino de férias, e com o qual ainda tive umas animadas tertúlias, acompanhados do presidente da Câmara Municipal e de um deputado nacional. Mesmo em férias, há sempre tempo para conversas proveitosas, sobretudo se for ao som de um autêntico e delicioso grogue de São Nicolau, a acompanhar as iguarias vindas do mar e da terra e que nos dão vontade de regressar à paz, à tranquilidade e, sobretudo, ao convívio e ao bem receber das magníficas gentes da ilha mais central de Cabo Verde.  

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 822 de 30 de Agosto de 2017. 

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Autoria:José Almada Dias,6 set 2017 6:14

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  1 set 2017 12:14

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