Orçamento do Estado (OE) 2018: Pressão na Política Fiscal

PorExpresso das Ilhas,13 set 2017 6:08

Como sabemos, a filosofia base do Orçamento do Estado assenta-se na prioridade da despesa sobre as receitas. Ou seja, primeiro calculam-se as despesas dos serviços e órgãos do Estado, as suas responsabilidades e os seus investimentos. Depois, para fazer face a essas despesas, o Estado procura as várias fontes de receita. O recurso ao endividamento público direto deve conformar-se com as necessidades de financiamento geradas pela execução das tarefas prioritárias do Estado, tal como definidas na Constituição da República (…). Da atividade financeira do Estado faz parte movimentação de fundos, quer em Execução do OE, quer através de Operações Específicas do Tesouro.

A gestão pública contemporânea, em todo o mundo, vem desenvolvendo metodologias focalizadas na produção de mudanças sociais relevantes em resposta aos grandes desafios apresentados ao Estado, que vem desempenhado um papel-chave como produtor do Valor Público, e como tal tem priorizado a criação de condições para o desenvolvimento e o bem-estar social, além de produção de serviços e da oferta de infraestruturas.

O que sucede quando são as opções sobre o modo de tributação e não sobre o volume da despesa que vão ocupar o espaço da decisão parlamentar, quando da discussão e aprovação do OE. Na perspetiva puramente financeira, os direitos e interesses legítimos dos contribuintes poderiam obter uma tutela eficaz e relativamente simples - sem as complexidades inerentes a formulação das leis fiscais - como um simples efeito da decisão quanto as despesas publicas e quanto ao seu nível (elevado já) e, é esta a decisão principal na votação do Orçamento.

A definição quantitativa das despesas públicas vai assim, por si só, definir os limites externos da intromissão: financeira do Estado no património do cidadão.

E esse controlo global às despesas públicas poderia, como a forma normal de tutela dos direitos e interesses legítimos do cidadão-contribuinte, assegurar, dentro da melhor tradição do status negativus, uma eficaz barreira contra a intromissão do Estado no conjunto da sociedade. O sistema deverá cobrirá a fiscalização preventiva e sucessiva das contas de gestão. A questão essencial é garantir que a carga fiscal se irá manter num nível suficientemente baixo para dispensar uma excessiva complexidade nos métodos de tutela de direitos e interesses legítimos dos cidadãos e os problemas jurídicos que os acompanham.

O alargamento necessário das novas funções do Estado que conduzirão ao aumento das despesas da pressão fiscal e a necessidade de encontrar formas mais adequadas e atualizadas, mas com um grau maior de complexidade, para distribuir de forma justa e segura, os encargos tributários estão ainda por chegar.

A complexidade actual do sistema pode estar nos limites do que é constitucionalmente admissível, sem que seja, contudo, concebível a sua retrospetividade. A segurança jurídica e um certo grau de justiça poderiam deste modo ser assegurada por uma simples condicionante - financeira:

O Estado liberal, com a regra mínima a limitar a expansão do Estado, e a garantir a existência de um Sistema Fiscal leve, podia também utilizar métodos de tributação marcados por uma simplificação fiscal cada vez mais acentuada, que são precisamente os métodos que, por definição, levantam menos problemas-jurídicos, e tornam quase dispensável para determinar o imposto a pagar por cada cidadão. Métodos que pelo seu primitivismo não contem os problemas inerentes que serão mais tarde inerentes à complexidade das relações Estado - contribuinte quando o aumento da carga fiscal se manifestar necessário. A simplicidade da lei fiscal, a tendência para tributar através da mera quantificação de certos indícios, reduzirão a margem da decisão administrativa e garantirão, assim, os direitos dos contribuintes.

A renovação e o enquadramento institucional de um sector nuclear do Estado (finanças públicas) a quem cabe aplicar a lei fiscal, terão que ser feitas de modo a garantir essencialmente a regularidade formal dos procedimentos, e a garantir que não haverá excessivos e descaminhos no manuseio administrativo do dinheiro dos contribuintes - urge a retificação da Lei do Enquadramento Orçamental (Lei nº 78/1998, 07 de dezembro) - âncora de toda a legislação enquadradora da gestão das finanças públicas.

Ademais, as questões fiscais são tratadas numa persistente perspetiva financeira do sistema fiscal, não como uma relação individualizada entre o sujeito ativo e o sujeito passivo da obrigação tributaria. Torna-se necessário aumento dos deveres de cooperação do contribuinte como sucede nos casos do IVA e do IRPC com pagamento sem necessidade de pronuncia expressa da administração tributária, redução do ato tributário a uma mera operação de documentação e fundamentação rituais, como sucede no caso do IRPS, uma vez que os elementos base da decisão são fornecidos pelo contribuinte, multiplicação dos casos de subestimação tributaria com pagamento das dividas de terceiros por mecanismos de cobrança por particulares e informação sobre dados fiscais de terceiros como um puro dever de cooperação.

Todos estes mecanismos de gestão fiscal, são uma consequência do caracter massificado do processo - não exclusive da Administração fiscal, mas muito acentuado nesta - reabrem a questão da essencialidade do ato tributário. Na verdade, a estrutura fiscal nacional funciona com base no pressuposto que a obrigação fiscal é uma obligatio ex lege, e sem a definição inequívoca deste pressuposto dogmático o modo atual de liquidar e cobrar impostos estaria inteiramente em crise. A área da cobrança e gestão de receitas constitui um eixo de intervenção estratégico, com um impacto significativo na simplificação dos procedimentos, na confiança e credibilidade do contribuinte nos sistemas fiscal e tributário, na melhoria do ambiente de negócios, na arrecadação de receitas e, não menos importante, no financiamento do desenvolvimento do país e da sociedade cabo-verdiana.  

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 823 de 06 de Setembro de 2017. 

 

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Autoria:Expresso das Ilhas,13 set 2017 6:08

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  8 set 2017 19:15

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