A ilha de Chiquinho no futuro (II)

PorJosé Almada Dias,19 set 2017 6:00

Em 2030 a ilha de São Nicolau é uma ilha turística que manteve a sua autenticidade, tendo apostado num turismo de alto valor acrescentado baseado em quatro grandes grupos de segmentos turísticos:

Natureza e científico

Urbano, cultural e religioso

Náutico

Lazer, saúde e bem-estar.

Esses segmentos turísticos atraem uma clientela das classes altas dos mercados emissores, que procuram a ilha e que permitiu um desenvolvimento do turismo em três vertentes:

Turismo hoteleiro – rede de hotéis de pequena e média dimensão; não são permitidas na ilha unidades hoteleiras de grande dimensão para evitar o turismo de massa e o regime de exploração em all inclusive é proibido pelas autoridades locais;

Turismo residencial – praticado em resorts, com uma forte componente de imobiliária turística, que atraiu muitos investidores nacionais, emigrantes e expatriados estrangeiros, particularmente os reformados europeus que procuram um país calmo e seguro e de preferência cristão, onde se sintam culturalmente seguros e em casa;

Turismo de habitação – desenvolvido sobretudo nos vales e planaltos da ilha, criou oportunidades para as famílias e jovens recém-formados, que recebem turistas nas suas casas, devidamente preparadas e certificadas para tal pelas autoridades turísticas.

Fruto dessa estratégia, em 2030 o PIB per capita da ilha situa-se nos 15.000 dólares. A população residente é de 20.000 pessoas e a ilha recebe 60.000 turistas/ano, um rácio de 3 turistas/habitante, considerado adequado para atrair turismo de alta gama.

A ilha conseguiu com sucesso, fruto dessa bem delineada estratégia, resolver o binómio preservação versus valorização, normalmente gerador de tensões entre interesses vários nem sempre fáceis de gerir.

O desenvolvimento desse turismo dirigido a turistas das classes altas, que pagam muito mas procuram serviços e produtos sofisticados, teve um efeito arrastador em toda a economia da ilha, permitindo acrescentar valor através de uma agricultura modernizada e da valorização do rico e diversificado pescado da ilha; idem aspas para a música, as danças folclóricas, o artesanato, a rica gastronomia e o património edificado e imaterial.

Assim, em 2030 a cidade do Tarrafal transformou-se numa cidade-resort, com o dobro da população actual, um aumento populacional conseguido à base de crescimento endógeno, regresso de comunidades expatriadas da ilha e também à instalação de uma comunidade de endinheirados reformados europeus e de outras proveniências.

É uma cidade plantada numa das baías mais bonitas de Cabo Verde, constituída num paraíso mundial para os amantes da pesca desportiva, da náutica de recreio e dos desportos náuticos em geral, possuindo uma marina oceânica de classe internacional.

Na cidade existe uma bem conseguida rede de boutique hotéis de pequena e média dimensão equipados com SPAs de nível mundial, geridas por marcas especializadas e exclusivas, que usam as famosas areias curativas da região para atraírem os seus endinheirados clientes para aí fazerem tratamentos curativos ou preventivos. O turismo de saúde e bem-estar, um dos segmentos turísticos de maior valor acrescentado a nível mundial, constitui a par da pesca desportiva os dois ex-líbris da cidade.

Na zona entre Barril e Praia Branca desenvolve-se um resort turístico, com unidades hoteleiras e residências turísticas de luxo e um campo de golfe de 18 buracos relvado com relva especial que aguenta água praticamente salgada (uma tecnologia já antiga) e também regado com águas residuais tratadas. O campo é famoso pelas espectaculares vistas sobre o mar que proporciona aos jogadores, que podem vislumbrar, enquanto jogam, os ilhéus Raso e Branco e as ilhas de Santa Luzia e São Vicente nos dias de maior visibilidade. 

Em 2030 a cidade da Ribeira Brava mantém o nome de Vila e é nessa altura uma cidade turística e universitária, com um forte pendor de turismo cultural e religioso e rejuvenescida com a recuperação da vocação de ensino nas instalações do ex-Seminário-Liceu, onde são ministrados alguns semestres de cursos ligados à História e Cultura nacionais, trazendo jovens de todas as ilhas para estudarem durante 1-2 semestres numa cidade-museu com condições de tranquilidade para o estudo ímpares no país; criou-se assim uma economia à volta dessa actividade universitária com aluguer de quartos aos estudantes em casas particulares e em unidades residenciais e floresceu uma indústria de pequenos restaurantes e bares que servem os estudantes e os turistas, animando e dando vida à cidade ao longo do ano.

Todos os anos essa jovem comunidade universitária ajuda a abrilhantar o cada vez mais turístico (mas ferozmente autêntico) Carnaval da Ribeira Brava, integrando como parte da sua actividade académica os preparativos do mesmo, participando activamente na confeção dos trajes e andores, e desfilando nos tradicionais grupos carnavalescos, vivenciando durante meses uma experiência única nas suas vidas e que lhes aprofundará o sentido de pertença a esta pequena mas culturalmente diversificada nação crioula cabo-verdiana.

O ensino do folclore local, particularmente das danças Colá San Jon, Mazurca e Contra-dança faz parte do curriculum académico tanto dos estudantes universitários como dos guias turísticos, que por sua vez ensinam aos turistas que pagam bom dinheiro para aprender não só o sensual Sanjon como as danças europeias hoje extintas no continente de origem.

Na zona da Preguiça, desenvolve-se um resort turístico com hotéis, residências turísticas e um campo de golfe, gozando da privilegiada vista sobre a extensa e maravilhosa Baía de São Jorge; segundo algumas fontes, essa baía terá sido assim denominada porque a armada de Pedro Álvares Cabral aí perdeu a 23 de Março de 1500 uma nau denominada São Jorge quando iam na viagem que resultou na “descoberta” ou achamento do Brasil. 

No antigo cais da Preguiça instala-se uma marina turística que serve uma intensa actividade de náutica de recreio e também de mergulho e caça submarina em toda a longa extensão de costa que vai até o Carriçal, famosa pelos seus belos fundos submarinos e pela sua deliciosa fauna de mariscos e peixes demersais (“peixes de fundo”); na Baía do Carriçal também existe uma pequena marina turística e de apoio à pesca desportiva e mergulho.

No planalto da Fajã e nos vales da Ribeira Brava, Queimadas, Fragata, Ribeira Prata e outras localidades como Covoada entre outras, desenvolveu-se o turismo de habitação, destinado aos amantes do contacto directo com a natureza e com o modo de vida autêntico das populações, em estreita ligação com o desenvolvimento da agricultura e com a prática de caminhadas através de uma antiga mas bem cuidada rede de caminhos vicinais, criados pela Igreja Católica.

O Monte Gordo e o Carbeirinho são locais de expedição para turistas, particularmente de turismo científico.

A Zona Leste volta a ser o celeiro da ilha, fruto da agricultura feita com água dessalinizada, servindo-se de uma tecnologia usada há décadas nas vizinhas ilhas Canárias e outras regiões do mundo.

Voltando a 2017 e terminada esta descrição, a pergunta que surge: como foram conseguidos estes “milagres” numa ilha até agora esquecida, sem perspectivas e a perder população todos os anos?!

Todo este desenvolvimento foi conseguido com apostas simples, seguindo modelos há muito experimentados com sucesso em outros países arquipelágicos: uma aposta séria no turismo, conseguida através de uma criteriosa escolha de mercados, cadeias hoteleiras e investidores, consensualizada entre as populações, o sector privado nacional e as autoridades locais e nacionais (tudo o que vimos noutras ilhas que não vale a pena estar a repetir os nomes). Decidir primeiro o que se quer e depois levantar o rabo das cadeiras e ir lá fora em conjunto (autoridades públicas e privadas) contactar quem realmente interessa (ou seja, fazer o contrário do que foi feito no passado nas ilhas verdianas já com turismo).

A pergunta que normalmente se segue é sobre o financiamento de tudo isto. A resposta também é simples: criação endógena de instrumentos financeiros visando captar investimentos locais e estrangeiros (nada de novo, é o que se faz em todo o mundo).

Durante a Mesa Redonda realizada na Ribeira Brava em Agosto de 2017, foi apresentada como urgente e determinante a constituição da Sociedade de Desenvolvimento de S. Nicolau, algo em que todos os presentes concordaram e que eu particularmente assino por baixo. Na sua intervenção final, o Ministro da Economia e Emprego, José Gonçalves, prometeu para breve a constituição dessa sociedade.

Outros instrumentos financeiros como fundos de investimento serão necessários. Gualberto do Rosário Almada deu o exemplo da constituição do Monte Gordo Bond, visando atrair capital sobretudo da imensa diáspora são-nicolaense e propôs uma estratégia para atrair elementos e descendentes das várias famílias da ilha a virem visitá-la e nela investirem. Temos que ser criativos, rápidos e pragmáticos, porque 2030 está aí à porta.

Parece que finalmente Cabo Verde vai começar a sair do enorme atraso que possui na área financeira, uma das razões do atraso deste país, que priorizou erradamente viver de donativos e empréstimos concessionais durante demasiado tempo.

Bem hajam todas as iniciativas nesse campo. O sector privado, as Câmaras de Comércio, as autarquias e o próprio Governo terão que perceber que a criação de um sector financeiro nacional capaz de atrair fundos internacionais é crucial para o desenvolvimento das ilhas e que se trata de um campo onde a junção de forças é fundamental, esquecendo questões de protagonismo num país que renasce sempre que há eleições.

Regressando à ilha de São Nicolau, os seus habitantes terão que ter a capacidade de exigirem o que querem, num processo que deverá ser liderado pelas duas autarquias que deverão mobilizar os milhares de são-nicolaenses e seus descendentes espalhados pelas ilhas e por esse mundo fora, alguns dos quais com capacidade de influência dentro e fora do país.

Os são-nicolaenses e seus descendentes nunca deixaram os seus créditos por mãos alheias nos quatro cantos deste mundo! Então que façam o mesmo em relação à sua ilha natal e berço das suas origens!

É portanto hora de trabalhar para exigir hoje as condições e políticas necessárias para acontecer amanhã o desenvolvimento que já deveria ter acontecido ontem!

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 824 de 13 de Setembro de 2017. 

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Autoria:José Almada Dias,19 set 2017 6:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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