Ainda sobre o estado da Justiça em Cabo Verde

PorJosé S. Figueiredo Ramos,21 fev 2018 6:03

José S. Figueiredo Ramos, MBA
José S. Figueiredo Ramos, MBA

​Ao ler o “Até quando a Injustiça (IV e V)”[i] ,texto distribuído pelo autor, contêm uma analise radical sobre o sistema de justiça, inculcando culpa a todos, atacando os políticos de outrora e de agora, os governantes, os juízes, a ordem dos advogados, e à própria sociedade, que não tem reagido de forma adequada à situação, por “receio de vingança do poder judicial”.

Sempre se simpatiza com um defensor que analisa fria e objectivamente um sistema ao qual ele aponta falhas apresentando argumentos e factos, tornando-se a tal simpatia em apoio abrangente, particularmente quando esse defensor apresenta abordagens para a recuperação desse mesmo sistema. Tal não é o caso do texto acima citado.

Embora não tenhamos suficiente conhecimento dos meandros da justiça para avaliar a substância do texto acima mencionado ─ temos acompanhado e partilhamos do sentimento de mal-estar da nação caboverdeana sobre o estado da justiça em Cabo Verde. Assim, os nossos comentários têm mais a ver com a linguagem do texto, a qual não oferece nem uma nesga de manobra de apoio para a tese do autor.

Há alguns meses assistimos o programa “EmDEBATE” na televisão sobre a situação da justiça, em que os argumentos factuais do advogado Amadeu Oliveira pareceram convincentes. Estranhamos, porém a posição quase-neutral de um outro participante no painel, um antigo colega de profissão que se tornou advogado, tendo ele mesmo, anteriormente e publicamente, em várias ocasiões criticado o sistema judicial e a arrogância de certos membros do governo que abusam dos seus poderes, sabendo de antemão que saem ilesos, porque a justiça não funciona como deveria.

Outrossim, o Provedor da Justiça veio a imprensa, informar das suas acções e das respostas que o seu gabinete dá aos que o procura, apesar das limitações dos parâmetros da sua actuação.

Somos testemunhos do bom trabalho feito pela Provedoria da Justiça, e agradecemos o empenho e envolvimento do Provedor em um caso nosso desde Junho de 2014, com o Ministro das Relações Exteriores. Apesar das negociações terem resultado em uma transição para Ministro Plenipotenciário de III Nível em Junho de 2015[ii] e uma subsequente promoção à Embaixador de 1º Nível em Fevereiro de 2016,[iii] com o objectivo de diminuir os prejuízos das injustiças que vinham desde muito tempo, esse sucesso veio a ser posto em causa.

A Administração, (que tem algumas pessoas que fazem mal ao próximo para se agraciarem e se beneficiarem junto aos superiores hierárquicos), que iniciara um processo de aposentação em Novembro de 2014, sem ter em conta os assuntos pendentes do funcionário, veio decidir em meados de 2016, de acordo com a lei de aposentação, que as “promoções ganhas” depois da idade da reforma, não contam para a aposentação, apesar de ser óbvio que neste caso não houve “promoções ganhas”, mas uma tentativa de diminuir os prejuízos.

Assim, o DG da Função Publica, assinou o despacho aos 25 de Julho de 2016,[iv] aposentando o funcionário com a data de 2016, mas com dados referentes a Novembro de 2014, ou seja na categoria de Conselheiro de 1º escalão, categoria essa que o funcionário vinha contestando desde 2005. A Administração, não teve em consideração os dois anos de serviço de 2014 a 2016, nem a transição de 2015, e nem a subsequente promoção de 2016, negociados entre a Provedoria da Justiça e o Ministério das Relações Exteriores.

Nesse contexto, o Provedor, em Outubro de 2016, comunicou através de nota, ao novo Ministro dos Negócios Estrangeiros e Comunidades, sobre os acordos que tinha alcançado com o seu antecessor e diz, inter-alia, que o mesmo “... sendo Combatente da Liberdade da Pátria, a contagem do tempo de serviço para promoção no respectivo cargo ou para a reforma/aposentação deve ser em dobro, conforme se encontra estipulado no Estatuto dos Combatentes da Liberdade da Pátria...”, mais avança “...pelo facto que a evolução na carreira do funcionário (nome) ter sido pontuada por uma sucessão de injustiças que demandam reparação, como aliás foi reconhecido, mantenho a minha opinião que ainda é possível desenvolver diligências...”[v].

Não tivemos conhecimento de nenhuma reacção do MNECC, assim como não tivemos resposta a uma exposição que levamos ao conhecimento dele, em Julho de 2016.

Felizmente, o Provedor tinha recomendado que o caso fosse submetido ao Supremo, caso houvesse impossibilidade de solução através de negociações, e seguindo a recomendação, submetemos o contencioso em Setembro de 2014, embora hesitante pelo facto do advogado que nos representa perante o Supremo ter dito que teve casos no Supremo que duraram dez ou mais anos, inclusivé um, em que o notificaram, já depois do falecimento do cliente.

Não sabemos qual será a decisão do Supremo sobre este nosso caso, mas sabemos que a actual injustiça vem nos custando cerca de quarenta mil escudos por mês e já por muitos anos. Todavia, estamos esperançosos que a decisão sobre o caso “seja para já!”.

Apesar da nossa posição de vítima directa da lentidão da justiça, como um cidadão que sempre procurou dar o seu melhor para a nação, queremos o melhor para o país. Porém, é-nos difícil encontrar formas de reparar o sistema, na base dos argumentos que qualifica a justiça como o texto “Até quando a Injustiça (IV e V)”, o faz. Para o autor do texto, os 42 anos de “Não Justiça” é nefasta e a culpa é de todos. É encher o saco, botar no mar e chorar o saco. Não há nada para salvar, segundo o autor.

Todavia, do radicalismo, podem sair posições menos extremas, quer de pessoas de dentro e/ou fora do sistema. A posição do Amadeu Oliveira, por exemplo, suscita despertamento e quiçá simpatia, senão concordância.

Seria importante haver mais posições publicas e argumentos de defesa da equipa do sistema judicial, como o foi o caso do artigo publicado pelo Juiz Mosso Ramos do Supremo Tribunal da Justiça, sobre as denuncias de Amadeu Oliveira. Qualquer grupo de funcionários do Estado deve-se a si mesmo a defesa da honra e não só dentro dos corredores da justiça e entre membros desse grupo, mas também deve-se aos cidadãos uma satisfação, baseada em contra-argumentos e factos e neste caso, sem prepotência e sem um silêncio de arrogância e imponência.

Outrossim, o papel de outras instituições, nomeadamente o Provedor da Justiça, como intermediários entre o publico e o sistema de justiça, poderiam ajudar na busca de soluções.

Naturalmente, uma atitude da administração caboverdeana de transformar o conceito “in dubio pró-reo,” em conceito “in dubio pró-cidadão” traria mais confiança ao ambiente jurisdicional do país.

Fazemos votos que os críticos do sistema, encontrem no seio do mesmo, os “melhores” que queiram e possam ajudar na busca de soluções para mudanças e transformações adequadas e necessárias para que tenhamos uma justiça em que se possa confiar.

O Mestre dos mestres, nunca focou nos problemas, mas sim nas soluções. Façamos o mesmo.

[i] - Texto distribuído pelo Dr. Vieira Lopes;

[ii] - Transição a Ministro Plenipotenciário de III Nível - Lista de transição no B.O. Nº 36 de 26 de Junho de 2015;

[iii]- Promoção à Embaixador de I Nível-B.O Nº 7 II Serie de 18 de Fevereiro de 2016;

[iv] - Despacho de aposentação na categoria de Conselheiro de 1º escalão , emitido pelo DG da Função Publica, publicado no B.O. nº 44 II série;

[v] - Nota do Provedor da Justiça ao MNECC, nº 709/Provjust/2016, de 21.10.2016;


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 846 de 13 de Fevereiro de 2018.

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Autoria:José S. Figueiredo Ramos,21 fev 2018 6:03

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  21 fev 2018 6:03

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