A indústria verdiana do lazer e do entertainment – da Baía das Gatas ao Kavala Fresk, passando pelo Mindelact e o Mindelo Summer Jazz (I)

PorJosé Almada Dias,27 ago 2018 6:42

​Julho e Agosto... muitos graus à sombra, água do mar quente, fatos de banho, biquínis mínimos, muitas festas e festivais, enfim, tudo convida a estar de férias. Uns vão para fora arejar a mente e engordar os olhos, outros, que a vida levou para terra longe, regressam a casa para abraçar familiares e amigos.

A silly season é assim em todo o hemisfério norte deste planeta Terra, enquanto no correspondente hemisfério austral acontece nos meses de Dezembro a Fevereiro.

Mas o que é a silly season? Uma vez que a expressão é de origem anglo-saxónica, convém ir às raízes para saber o significado da mesma, hoje usada mundialmente e sem tradução.

O Cambridge Dictionary apresenta duas versões explicativas, uma britânica e outra norte-americana:

  • the time of year, usually in the summer, when newspapers are full of stories that are not important because there is no important, especially political, news (UK);
  • a period of time when people do or say things that are not sensible or serious: It’s the political silly season, and this policy is a very silly idea which seems more about public relations than solutions (US).
  • Nota-se a clara relação com a política e alguma sobranceria em relação ao tempo de lazer das férias, uma tendência que, hoje em dia, se vai alterando com a primazia do sector turístico, transformado na maior indústria mundial. Mas passemos à frente.

    Apesar das mudanças climáticas, com alterações dignas da frase “Os deuses devem estar loucos”, os habitantes do hemisfério boreal estão a cumprir com zelo e afinco as actividades lúdicas próprias da época: muitos banhos de mar, muitas festas até de madrugada (ou raiar do sol), muito amor e namoro de ocasião, muito álcool per capita ingerido, etc., etc., ou seja, repetem-se os rituais que deram nome a esta invejada época do ano, em que todos querem estar livres de compromissos, a começar pelos profissionais.

    É assim desde que o mundo é mundo, com o calor a incitar ao relaxamento após a época das colheitas e da celebração dos ritos pagãos do solstício de Verão. Rituais que foram pronta, estratégica e inteligentemente absorvidos pela Igreja Católica, resultando nas primaveris festas dos santos populares, tão festejados pelos povos convertidos ao cristianismo no Velho Continente que os levaram consigo para o Novo Mundo e até para a Ásia, onde os crioulos de Malaca e outras populações se vestem a rigor para festejar o S. João, S. Pedro e restantes santos.

    No mundo ocidental a que pertencemos, fomos educados debaixo das regras de um cristianismo descendente das tradições judaico-cristãs, que nos ensinou a observar a Quaresma depois da loucura do Carnaval, passando logo de seguida para os santos populares, chegando, por fim, a silly season, que deixa o desenvolvido mundo ocidental em modo de standby, até que, em Setembro, ainda a contragosto, se dê a rentrée política e económica, com o despertar dos mercados financeiros, a reabertura dos tribunais e o regresso dos estudantes aos deveres da aprendizagem.

    Cabo Verde, que nasceu e cresceu dentro destas orientações civilizacionais judaico-cristãs, não poderia fugir à regra. As tradições são as mesmíssimas que se encontram no Velho e no Novo Mundo (que aliás começou por cá). Com o advento dos media e da globalização recente, o nosso país tem seguido com interesse as tendências do mundo moderno. Exemplo claro disso é a proliferação de festivais de música por todos os cantos do país.

    Desde que um grupo de jovens viu o filme Woodstock no cinema Eden Park no Mindelo (eu também o vi na altura), e resolveu criar o Festival de Música da Baía das Gatas em Agosto de 1984, a moda espalhou-se como um rastilho de pólvora pelo país. Não conheço as estatísticas, mas duvido que haja algum concelho do país onde não exista um festival de música realizado anualmente, não fosse este o país da música, a terra que produziu Cesária Évora, Bana, Ildo Lobo, Tito Paris e tantos outros artistas aclamados internacionalmente.

    Temos uma relação privilegiada com a música e isso pode ser constatado na enorme produção musical per capita que temos há décadas, apesar de sermos um país remoto e pobre em termos de recursos naturais tradicionais. Arrisco-me a dizer que poucos países no mundo conseguiram esse feito, se relativizarmos as condições de partida (capacidade financeira, acesso aos mercados, etc.).

    Apesar de ir todos os anos ao Festival da Baía das Gatas (FBG), não pude deixar de admirar este ano a dimensão que o mesmo alcançou e a qualidade das infra-estruturas colocadas à disposição dos utentes. Quem não se lembra, por exemplo, das barraquinhas que serviam de restaurantes nos primórdios? Nada que se compare com os sofisticados restaurantes instalados em não menos sofisticadas tendas, que esperemos que continuem a sofisticar-se cada vez mais.

    O FBG é hoje uma grande indústria, apesar de ainda estar na adolescência, se nos focarmos no seu enorme potencial económico. Potencial que começará a ser realizado no dia em que deixar de ser apenas uma festa de “nos ku nos”, que, sem gerar receitas significativas, ainda causa mais stress na nossa balança de pagamentos, para atingir os patamares de um evento turístico de escala mundial, que possa trazer valor acrescentado à economia do país.

    Ajudado pelo enquadramento paisagístico ímpar da região, com o Monte Verde como protector, as lindas paisagens da praia do Norte e da praia Grande e Santa Luzia a espreitar por detrás dos vulcões do Calhau, o FBG é, sem dúvida, o maior e melhor festival de música do país e aquele com mais condições de ser uma referência internacional e atracção turística. Há quem diga que está entre os maiores de África, e tem, certamente, todas as condições para ser um evento de referência no continente atlântico.

    Mas para isso será preciso melhorar muitos aspectos: o horário por exemplo! Porque não começar o desfile dos artistas ao fim da tarde, evitando o já cansativo cenário de público e artistas terem de permanecer acordados até quase de manhã, aumentando inclusive os riscos de acidentes no regresso ao Mindelo, etc., etc.?!

    Este ano assisti novamente ao Rock in Rio em Lisboa. A música começou a meio da tarde e acabou antes da meia-noite. Por cá não será possível fazer o mesmo?!

    Se o FBG é financiado em boa parte por dinheiros públicos, então é preciso começar a respeitar as pessoas, começando pelas famílias, que todos os anos são colocadas num dilema se deverão levar ou não os seus filhos ainda crianças e adolescentes, que também têm direito a ouvir boa música e a desfrutar juntos um dos maiores eventos do país.

    Outro aspecto é a proliferação recente de palcos com música em altos berros, que provocam um insuportável cruzamento de músicas nos momentos em que a atenção do público deveria estar concentrada no palco principal. A quantidade sempre foi inimiga da qualidade, senhores organizadores!

    Mas o balanço é globalmente positivo e no próximo ano, com uma estrada asfaltada e possivelmente com as obras de requalificação previstas já em andamento, o cenário será certamente melhor.

    Cabo Verde é hoje um país com uma indústria respeitável de festivais musicais e não só. Muitas empresas e postos de trabalho foram criados à conta desta indústria e muitas outras empresas e indivíduos conseguem os seus melhores resultados nessas épocas, dada a concentração de gente e a circulação de dinheiro que proporcionam. E estamos apenas no início.

    Mas os grandes eventos do país já não são só festivais puramente musicais e ainda bem. Outros exemplos a nível do teatro, da gastronomia e do desporto começam a despontar, assunto sobre o qual nos debruçaremos na próxima crónica.

    Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 873 de 22 de Agosto de 2018.

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    Autoria:José Almada Dias,27 ago 2018 6:42

    Editado porNuno Andrade Ferreira  em  27 ago 2018 6:42

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