Cabo Verde e Globalização

PorOliver Araújo,29 nov 2018 6:36

​O mundo evolui rapidamente, o que provoca mudanças de paradigmas, alterações na generalidade dos países e organizações e na própria vida das pessoas. As mudanças acontecem a nível internacional, onde se nota um cenário mais multipolar e, também, no plano interno dos países, com destaque para a relevância que as redes sociais alcançaram, com potencial de influenciar quase tudo, desde opinião pública a eleições. Um novo espaço emergiu, o ciberespaço, que contribui significativamente para a intensificação das relações sociais e maior participação da sociedade civil.

Novas ameaças surgiram, exemplos disso são o cibercrime, ou o aumento significativo do tráfico de pessoas. A natureza transnacional que boa parte das vezes têm leva à cedência da lógica de segurança meramente interna, em detrimento da adopção de um outro paradigma de defesa baseado na cooperação e esforço coletivo entre nações e organizações.

Um dos efeitos da globalização é, precisamente, a aproximação entre Estados e comunidades, existem menos barreiras e predomina a noção de que o espaço e o tempo se encontram de tal forma contraídos que as pessoas e entidades, independentemente das suas nacionalidades, se encontram cada vez mais inseridas num contexto que já não é meramente nacional, mas sim global, à escala planetária.

Quais os efeitos destas alterações globais no nosso país? A nível cultural, temos uma diversidade considerável de influências - africana, crioula e europeia/ocidental. Talvez porque, desde a sua origem, tivemos diversas influências, o relacionamento multicultural surge hoje como algo meramente natural, o que na era da globalização pode constituir uma vantagem da perspetiva social e relacional.

Já a nível económico, num mundo global, destaca-se a posição geoestratégica do país. A questão da posição geoestratégica é apontada, não raras vezes, a propósito da temática da segurança, mas ela ultrapassa em muito essa problemática. A localização de Cabo-Verde, aliada à estabilidade social constitui um potencial considerável a aproveitar. O país encontra-se no meio de continentes com enorme expressão económica e cultural, havendo aqui uma oportunidade de servir de ponte entre diversos países e Continentes. Esta realidade comporta várias consequências, realçamos algumas: há parceiros que devem ser objeto de uma atenção particular, inclusive por haver com eles um potencial de possibilidades comerciais; por estarmos geograficamente tão perto do Continente africano e, tendo em conta as afinidades mútuas, existem à partida muitas possibilidades a explorar; para Cabo-Verde, o setor dos transportes, aéreo e marítimo, é um setor estratégico; o domínio das principais línguas estrangeiras deve ser uma prioridade; na componente económica, o que se vai passando nos principais “players”, a nível de tendências, mercado, regulação, etc, deve ser acompanhado de perto; a diplomacia económica deve ser concretizada, na prática.

A nível de integração em organizações, principalmente regionais, a relação com o Continente africano é marcada por alguma ambiguidade. Se vemos nele um vasto campo de afinidades e oportunidades, não é possível deixar de ver os desafios que se colocam, pelas instabilidades e pelas previsões que continuam a anunciar o agravamento do fosso a nível económico entre o Continente africano e os outros continentes, e pela própria atenção que temos dado ao seu processo de integração. Apesar dos desafios, pensamos, que a nossa participação e integração no seu processo de desenvolvimento deve ser efetiva, com engajamento claro, quer se trate de participação em organizações, quer estando em causa relações bilaterais.

Com a União Europeia, existe um amplo campo de similitude de valores e princípios. A estabilidade e democracia também são características comuns e a segurança constitui preocupação mútua. Este amplo campo de valores partilhados permite pensar numa relação especial. Até onde ela pode ir depende do que as partes possam considerar que seja interesse comum e das negociações sobre essas matérias de interesse mútuo. Importante é constatar que existe margem para aproveitamento, a diversos níveis, e procurar concretizações benéficas, como a do acordo de estabilidade cambial entre o escudo cabo-verdiano e o euro. As relações que temos com Portugal podem facilitar neste particular, sendo Portugal uma referência para a cooperação cabo-verdiana, sem esquecer outros países como o Luxemburgo, França, Espanha ou Suíça.

Temos mantido uma cooperação estável com os EUA e tirado partido disso, das ajudas recebidas mencionamos as do MCA, importantes na resolução de problemas estruturais como a infraestruturação, o saneamento, ou segurança jurídica de imóveis por forma a potenciar investimentos. É um parceiro fundamental. Com a China também se justifica uma cooperação com particular intensidade, além das ajudas, existe já uma comunidade chinesa com expressão e que se vai ocupando do comércio, portanto, várias razões contribuem para que haja um olhar especial para com este importante parceiro.

Claro que manter uma relação win/win nem sempre é fácil, como afirma Adam Smith “nãoalmoços grátis”, pelo que é preciso estarmos cientes das nossas prioridades e saber negociar de forma a melhor defender os principais interesses nacionais. A necessidade de mudança de paradigma, de um país recetor de ajudas para um país que procura ativamente oportunidades e o desenvolvimento pelos seus próprios meios, é reforçada por fatores como a passagem para país de desenvolvimento médio e consequências dessa qualificação e o aumento da dívida pública.

Por outro lado, com a dinâmica global, temos de contar com a maior possibilidade de agentes económicos estrangeiros explorarem as oportunidades existentes em Cabo-Verde. Isso pode ser benéfico para os consumidores que poderão contar com bens e serviços diferenciados e a preços acessíveis. Mas, também, existem desvantagem a serem acauteladas, atendendo às fragilidades da economia cabo-verdiana, nomeadamente de um sector privado ainda incipiente, em que a esmagadora maioria das empresas são classificadas como micro, pequenas e médias e poucas são aquelas que se encontram cotadas em bolsa. Como será a competição com empresas estrangeiras? Estas podem ter uma realidade diferente da nossa, podem ser subsidiadas, provir de países onde têm possibilidade de fazer economias de escala que lhes permite a internacionalização com maior facilidade, vir de um mercado mais avançado, designadamente a nível tecnológico, com domínio do e-commerce, portanto tudo questões que acabam por traduzir em dificuldades adicionais na competição para o nosso setor empresarial.

Tendo em conta o contexto do mercado cabo-verdiano, a nosso ver, faz sentido existirem medidas de incentivo e alguma proteção do setor empresarial nacional, desde que não distorçam as regras do mercado. A título de exemplo, andou bem a Lei que estabelece o Regime Jurídico Especial das Micro e Pequenas Empresas (RJMPE) ao conceder alguns benefícios, entre os quais a reserva de no mínimo, 25% do orçamento das contratações públicas para as micro, pequenas e médias empresas. No entanto, dois reparos: urge implementar este regime de reserva que, na prática ainda não é aplicado; o segundo é que se devia também equacionar a introdução de uma reserva semelhante, ainda que a percentagem fosse significativamente menor, para o empresariado jovem, de forma a estimular a participação destes, facilitando a sua inserção no mercado de trabalho, estimulando inovações e promovendo a consolidação do setor empresarial nacional.

Em jeito de conclusão, as matérias que abordámos acima revelam que a globalização traz novos desafios, mas também torna mais premente a necessidade de resolução das questões que mesmo em momento anterior já se colocavam.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 886 de 21 de novembro de 2018.

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Autoria:Oliver Araújo,29 nov 2018 6:36

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  29 nov 2018 6:36

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