A Procuradoria da Comarca do Sal emitiu, em finais de 2013, um mandado de detenção contra Zany Filomeno Soares Moreno. Esta informação está confirmada e o documento encontra-se na posse da Polícia Judiciária, na Praia, à espera da sua execução. “Lavagem de capitais e corrupção activa”, no âmbito da operação “Voo da Águia” que levou à condenação, em Outubro de 2009, de cinco arguidos a penas de prisão entre os 11 e 19 anos, estarão na origem da emissão desta ordem de prisão da Zany.
Em Outubro do ano passado, a ex-baronesa da droga saiu em liberdade, depois de ter cumprido cinco-sexto da pena de 8 anos de prisão que lhe foi aplicada, em Janeiro de 2008, por crime de tráfico de droga e associação criminosa. Recorde-se que, nessa altura, ela foi apenas julgada e condenada por estes dois actos ilícitos.
Volvido todo esse tempo, vem agora o Ministério Público (MP) lembrar-se que ela também cometeu os crimes da lavagem de capitais e corrupção activa, no mesmo processo que, de resto, ela já foi julgada e condenada.
Zany confessou os crimes de lavagem de capitais e corrupção activa
Recorde-se que a propósito dos crimes - lavagem de capitais e corrupção ativa -, que terão motivado, agora, o mandado de detenção, segundo a acta de audiência de discussão e julgamento do processo “Voo da Águia”, na Comarca do Sal, Zany Filomeno, confessou, explicitamente, ter entregue o dinheiro a Else Lígia Martins, para pagar a um dos agentes da Polícia que foi recrutado para deixar passar a droga no crivo da fronteira no Sal.
Quanto ao crime de lavagem de capitais, é o próprio Acórdão nº 98/2010, de 1/07/10, do Supremo Tribunal de Justiça, em que foram os recorrentes: José Arlindo Varela Semedo (Zé Pote); Else Lígia dos Reis Furtado Fernandes Martins (Lígia); José Jorge Tavares Gonçalves (Jorge); José Rui Monteiro da Veiga (Tigana) e António Fernandes Tavares (Naiss), que deixa estampado os seguintes depoimentos da Zany: “(…) propôs-lhe registar os bens que havia adquirido com os lucros conseguidos, em nome de um familiar seu, como segurança, porque naqueles casos as autoridades investigam sempre os bens das pessoas envolvidas. Que ela declarante (Zany) com toda a ingenuidade aceitou a proposta, deixando que fosse registado em nome dos familiares (…), uma vivenda situada em Palmarejo, adquirida por quarenta milhões de escudos; e o outro em Meio de Achada de Santo António, que lhe custara dez milhões de escudos”.
“Portanto, estranho agora que haja um mandado de detenção contra a Zany, numa altura em que se encontra em liberdade, porventura, com outra perspetiva de vida, depois de sete anos de reclusão”, observa um advogado, que não quis identificar-se, mas que conhece muito bem o processo “Voo da Águia”.
Mais: de acordo com um dos advogados de defesa de Zé Pote e José Jorge, “numa das sessões de audiência da discussão e julgamento desses então arguidos, a defesa apresentou um requerimento no qual pedia que a Zany fosse constituída arguida naquele processo, face às suas confissões relacionadas com os crimes de lavagem de capitais e corrupção activa”. Entretanto, continua aquele jurista, o representante do Ministério Público presente no julgamento indeferiu o requerimento argumentando que não era a defesa que lhe sugiria que constituísse arguida, a testemunha Zany Filomeno. Todas essas declarações constam da acta da audiência de discussão e julgamento do processo “Voo da Águia” que se encontra, de resto, transitado em julgado, no Tribunal da Comarca do Sal.
“Vingança e tentativa de silenciamento”
Instado a pronunciar-se sobre esta decisão do MP, o advogado da Zany Filomeno confirma a existência do mandado e considera que este “expediente é um acto persecutório de vingança e de tentativa de silenciamento” da sua constituinte, já que o mandado de detenção surge poucos meses depois da publicação de dois manuscritos da sua cliente. Nessa carta, recorde-se, escrita a partir da Cadeia Central de São Martinho, na Praia, Zany manifestou a sua profunda indignação com a justiça cabo-verdiana que, no seu entender, a abandonou ao “Deus dará”; acusou, igualmente, o Procurador-Geral da República (PGR), Júlio Martins, de não ter cumprido o acordo de proteção de testemunha, aquando da sua colaboração com a justiça, no julgamento do mediático processo “Voo da Águia”, que levou à condenação de várias pessoas, acusadas de narcotráfico.
Nesses manuscritos a que, acima referimos, a ex-reclusa retratou-se de todo o depoimento que serviu de base para a condenação das pessoas envolvidas na operação “Voo da Águia”, em Outubro de 2009 e considera, igualmente, “inocentes”, os sentenciados Zé Pote e José Jorge. Recorde-se que Zany afirmou na sua missiva que o julgamento do processo “Voo da Águia” foi uma operação muito bem “urdida” para entre outros intentos, fazer com que os réus fossem condenados e os seus bens declarados a favor do Estado.
Um outro jurista por nós contactado, que não quis se identificar, considera que este mandado, a materializar-se, seria um caso inédito na justiça cabo-verdiana. Na ótica daquele advogado, seria a primeira vez em Cabo Verde que um cidadão é julgado e condenado num processo e volta, depois de vários anos, à barra dos tribunais para responder pelo mesmo processo, alegadamente, em crimes diferentes: “lavagem de capitais e corrupção activa, no caso concreto dessa senhora”. “A cidadã em causa, não é culpada pelo eventual erro que a justiça terá cometido, aquando da acusação da prática de crimes para os quais já foi julgada e condenada”, assevera o mesmo jurista alertando para aquilo que considera uma “tamanha afronta aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, em matéria da justiça”
Uma fonte da Procuradoria-Geral da República, instado a pronunciar-se sobre a existência ou não desse mandado de detenção e qual é a sua base legal, confirma, de facto, a emissão dessa ordem de detenção, que aguarda a sua execução na Direção Central da Polícia Judiciária, na Praia. “Quando os procuradores do Sal foram analisar o processo de novo, descobriram que, afinal, a Zany foi julgada e condenada só pelos crimes de associação criminosa e tráfico de droga, ficando os de lavagem de capitais e corrupção activa, pelos quais ela, ainda, nunca foi acusada e processada” garante a nossa fonte que reconhece a existência de “uma falha grave do representante do MP que esteve presente no julgamento”.