Diversão e fiscalização: Os custos da noite

PorExpresso das Ilhas,21 mai 2016 6:00

Fim-de-semana é para sair. Espairecer após uma semana de trabalho ou de aulas, estar com os amigos e divertir-se um pouco, algo fundamental para o bem-estar de qualquer sociedade. Sexta-feira ou sábado, a noite começa por volta das 22h. Às vezes antes ainda, logo às 19h “para aquecer”.

Bares e cafés costumam ser os locais de reunião e daí segue-se, algumas horas e várias bebidas mais tarde, para uma discoteca. Ou para uma festa, “porque como todos sabem na cidade da Praia é difícil haver um fim-de-semana durante o ano em que não haja uma festa”, conta H., um jovem praiense de 23 anos.

Há quem mantenha efectivo controlo sobre o seu estado psicotrópico, e conscientemente, se beber não conduz. Mas há também muita gente que não.


O custo da sinistralidade

O problema não é, pois, a diversão nocturna: é quando essa diversão se perverte e a boa disposição dá lugar à violência ou ao excesso. E falar de excesso é incontornavelmente falar em consumo excessivo de álcool.

H. tem vários amigos que bebem e conduzem. Alguns deles, inclusive já tiveram acidentes. Às vezes mais do que um. Felizmente, a maior parte salda-se apenas em danos materiais e ferimentos ligeiros. São ocorrências que não chegam sequer ao conhecimento das autoridades.

O jovem relembra um acidente a que assistiu, numa noite de paródia há dois anos. Dois grupos encontraram-se num bar do centro da Praia e decidiram ir, em duas viaturas, para uma discoteca situada num bairro já periférico. Pelo caminho, pararam ainda num outro bar, num outro bairro, para beber “shots” (bebidas de alto teor alcoólico que normalmente se bebem num trago). Ao retomarem caminho, os dois condutores decidiram fazer uma corrida, para ver quem chegava primeiro à tal discoteca. O condutor de uma das viaturas, que seguia a grande velocidade (“pareceu-me que estava a 100 km/h”), perdeu o controlo numa rotunda urbana. “Não conseguiu reduzir a velocidade, acabando por bater contra um poste de iluminação que caiu de imediato. Graças a deus, não aconteceu nada com nenhuns dos ocupantes da viatura porque tinham o cinto segurança. O carro teve poucos danos”, recorda. Até hoje, o poste derrubado não foi reposto. É menos um necessário foco de luz a iluminar a cidade. 

Esta história até nem acaba mal, uma vez que não houve nem perdas de vida nem consequências de saúde importantes para os passageiros. Mas houve danos materiais.

Aliás, somando os diferentes danos (materiais, saúde, família, etc), a OMS estima que na região africana o custo económico da sinistralidade se situe entre 1-2.0% do produto interno bruto (PIB). Olhando a média de acidentes em Cabo Verde (26,1 por cem mil habitantes), que perigosamente se aproxima da do continente (26,6, a pior a nível mundial), os valores nacionais não devem andar longe.

Os números

Os números merecem um olhar mais detalhado. Em Cabo Verde, entre 2002 e 2012, morreram nas estradas cerca 700 pessoas. O ano de 2006 foi o pior, com 77 mortos.

Em 2014, o total de vítimas mortais era de 49 e embora os números finais de 2015 não sejam conhecidos, até ao final do terceiro trimestre, registavam-se 25 mortos.

Há pois, uma tendência para uma redução, mas que ainda não é suficiente e continua a colocar Cabo Verde na linha vermelha a nível mundial, de mortes por habitante. Além disso, e embora o número de mortos pareça estar a diminuir o de feridos segue tendência contrária. Se em 2010 se registaram 811 feridos, em 2012 o número já ultrapassava os mil (1026).

Ora, segundo diferentes dados e análises, nomeadamente da Direcção-geral de Transportes Rodoviários, “uma parte significativa dos acidentes rodoviários resulta de negligências graves e tem por detrás o consumo de bebidas alcoólicas”.

É aqui que se faz a ponte com o custo da noite. Muito embora se salvaguarde que a maior parte dos acidentes rodoviários ocorra de dia, o consumo nocturno de álcool e a tendência para o exagero é maior à noite. Os estudos mostram que se a preponderância de acidentes devido ao consumo de álcool em actividade de lazer durante o fim-de-semana. Isto mesmo quando a lei cabo-verdiana estabelece como máximo permitido 0,08 gramas (de álcool, por litro de sangue).

Aliás, o excesso de velocidade e a condução sob efeito de álcool foram inclusive apontados pela Polícia Nacional como sendo as causas do acidente que vitimou Júnior (ver caixa).

 

O custo da “euforia”

M. é outro jovem, trabalhador, da capital. Também ele sai aos fins-de-semana, para se “divertir com os amigos e tirar o stress do trabalho”. Diz que quando sai, bebe durante toda a noite, até “até o raiar do sol.” Mas toma algumas precauções. Por norma anda de táxi, e mesmo quando está à boleia, se vê que o condutor está alcoolizado, recusa a mesma. E apesar de beber durante largas horas tenta sempre manter o controlo, nunca chegando a exageros que possam levar a situações perigosas ou violentas. “Bebo até ao meu limite e paro”, para evitar essas situações.

Nos estabelecimentos de diversão nocturna, ou fora (porque, saliente-se nem todos os custos da noite têm a ver com estes), muitos dos excessos da noite passam pelo hospital.

Só no fim-de-semana em que Júnior faleceu, 6 a 8 de Maio, o balcão de atendimento da Polícia Nacional (PN) no Hospital Agostinho Neto (HAN) registou 53 ocorrências. Segundo a Inforpress, entre as mesmas estão cinco acidentes de viação (incluindo o que resultou na morte do jovem) e cerca de 40 ocorrências relacionas com agressão física.

“Das dezenas de casos de agressão, três resultaram de disparos de arma de fogo e quatro de ataques com arma branca, mas sem registo de mortes. Foram ainda alistados casos de agressão física à paulada, golpes à garrafada e arremesso de pedras”, escreveu, então, a agência.

Dados referentes a 2012 (contamos em breve poder avançar com dados mais actuais) mostravam aliás que as principais causas de atendimento no Banco de Urgência do Adulto foram: agressões com um total de 2094, seguidas de acidentes de viação com 317, acidentes de trabalho com 274 e por último, acidentes domésticos com 16 casos.

Como referido, nem todos os “pacientes” vieram das casas de diversão nocturna. O confronto entre grupos rivais, em diferentes bairros, é igualmente uma constante nas notícias de segunda-feira que fazem o negro balanço do fim-de-semana.

Ora, este é um fenómeno algo diferente, mas onde também os “abusos” de fim-de-semana actuam como gatilho para situações de violência que não raras vezes acabam em tragédia. Mais uma vez, aliado “à noite” está o problema do consumo excessivo de álcool que obrigaria a uma maior aposta na prevenção e fiscalização.

 

Prevenção e Fiscalização

As autoridades estão, na realidade, cientes dos custos socioeconómicos da noite, para as famílias, empresas e Estado (ver tabela cedida pela Inspecção-Geral das Actividades Económicas - IGAE),  e o diagnóstico sobre o tema mostra que a açcão tem sido mais reactiva do que preventiva. A ideia é aos pouco poder mudar esse paradigma. 

E é nesse sentido que se tem vindo a levar a cabo as várias operações nocturnas de fiscalização aos estabelecimentos.

Em Setembro de 2013, como mostra uma reportagem da TCV, a IGAE  realizou uma inspecção nocturna a  46 estabelecimento na Praia e detectou que mais de 90% deles estava em situação de incumprimento. Em Março de 2014, por exemplo, a IGAE fiscalizou 65 estabelecimentos industriais, emitiu 41 autos de notícia, 31 notificações e efectuou cinco encerramentos temporários.

Amiúde surgem notícias similares. As operações da IGAE têm continuado e irão inclusive intensificar-se.

“Como sabemos, de facto, essa actividade tem uma implicação socioeconómica elevada. Assim, damos-lhe uma importância particular”, diz ao Expresso das ilhas, o inspector- geral, Elisângelo Monteiro, garantindo que estas operações serão para continuar a levar a cabo com regularidade. 

“Já iniciamos essas operações  que vão ter maior incidência agora no período do Verão”, adianta, acrescentando que neste momento está a ser preparado um plano muito mais alargado, “com a colaboração sobretudo da Polícia Nacional”. Até porque a fiscalização, por exemplo, do “horário de funcionamento acaba por ser uma questão preventiva de muitas acções criminais”

 Ou seja, há dois ganhos principais, que são a disciplina da actividade económica e também a prevenção em matéria judiciária, resume.

“Basta fazer uma prospecção às urgências”, ou uma visita às esquadras policiais a partir da meia noite, para perceber os custos da noite, indica.

 

Do horário e outras questões…

No terreno, têm aparecido vários tipos de infracções: Barulho acima do permitido, venda de álcool a menores e permanência indevida em espaços “para maiores de 18 anos”, ausência das placas que mostram essa proibição… “São essas situações que tipicamente encontramos nas nossas operações à actividade nocturna”, diz, de sua experiência.

Uma das infracções mais comuns prende-se com o horário. As Câmaras Municipais procedem ao licenciamento dos estabelecimentos, fixando o seu horário de funcionamento, mas este muitas vezes não é respeitado e nem as pesadas multas (que podem chegar aos 500 contos) parecem dissuadir os infractores.

Como salienta o inspector-geral, este incumprimento tem consequências que vão da saúde (ao fechar mais cedo as pessoas beberiam menos, logo teriam menos acidentes, menos tendência para brigas, etc.), à economia e bem-estar familiar (ao beber menos, gastariam menos dinheiro, que serviria para comprar outras coisas, ao mesmo tempo que passariam mais tempo com a família), passando por várias outras. Fenómenos como a delinquência e a prostituição também tenderiam a diminuir.

Assim, “vamos trabalhar nestes aspectos justamente para contribuir para a redução do custo de funcionamento do Estado“, frisa.

Apesar dos ainda frequentes incumprimentos, Elisângelo Monteiro considera que se começam a haver resultados da aposta na fiscalização.

Mas como refere o inspector-geral, apenas com uma acção e esforço concertado entre várias instituições públicas e também da sociedade civil, será possível reduzir os custos socioeconómicos que advém da noite.

Além da PN, o trabalho da IGAE é feito também com as Câmaras Municipais que dão o licenciamento e têm também competências ao nível da fiscalização. Está prevista aliás a formação de fiscais das Câmaras nesse sentido.

Assim, “e nos este ano, e nos próximos anos vamos trabalhar nestes aspectos justamente tb para contribuir para a redução do custo de funcionamento do estado. “, conclui Elisângelo Monteiro.

Há no entanto a salvaguardar que a IGAE e a PN apenas fazem cumprir horários licenciados pelas Câmaras e outros requisitos legais.

Entretanto, uma outra queixa comum da noite é o ruído. Em 2014 a Direcção Nacional do Ambiente anunciava a distribuição de sonómetros por todos os municípios do país, para por cobro à situação de poluição sonorosa. Mas o assunto nunca mais voltou, pelo menos de forma destacada, a público.  


Jovem perde vida em acidente de viação

Um acidente de viação ocorrido no domingo, dia 8 de Maio, tirou a vida ao jovem Alcides José Gonçalves Júnior, mais conhecido por Júnior, de 23 anos.

Tudo terá acontecido por volta das 6h30 da manhã de domingo, na estrada que liga Lém Ferreira ao aeroporto, na cidade da Praia. Uma fonte, próxima da vítima, contou ao Expresso das Ilhas que por volta das 2h da madrugada encontrou Júnior acompanhado dos seus amigos à porta de um estabelecimento nocturno da capital. Segundo a mesma, entraram juntos na discoteca e foi lá que passaram os últimos momentos com Júnior.

Por volta das 5h da manhã, antes de Júnior e seus amigos abandonarem a discoteca, tiraram uma selfie dentro da casa de banho, e postaram-na na rede social Facebook. Nesta fotografia, vê-se Júnior no meio dos amigos com quem habitualmente convivia. Passados alguns minutos, Júnior e os seus colegas terão saído do estabelecimento nocturno e ido para o estacionamento onde estava o carro do amigo. Aí chegados notaram um dos pneus vazio. Júnior foi a um posto de combustível encher o pneu da viatura do amigo, como conta a nossa fonte, e os outros ficaram à sua espera. Após encher o pneu, o jovem regressou à discoteca para apanhar os amigos que, nessa altura, estavam a beber champanhe.

Segundo a mesma fonte, este foi o último momento que passou com Júnior. Decidiu ir para casa. Eram cerca de 6h40 quando chegou e recebeu a chamada de uma amiga a dar-lhe conta da triste notícia: Júnior sofrera um acidente, na estrada de Lém Ferreira, e tinha morrido no local.

Triste e abalado, este nem queria acreditar.

Entretanto, uma testemunha ocular descreve o cenário do acidente, com o qual se cruzou minutos depois de ter acontecido.

“Cheguei ao local minutos depois do acidente acontecer, a viatura estava caída de lado. O condutor e mais dois passageiros que estavam no banco de trás já tinham descido da viatura e havia um outro passageiro que ocupava o banco da frente e que estava preso na parte lateral (era Júnior). De imediato o condutor e o passageiro conseguiram reposicionar a viatura, e vi que ele ficou com a metade do corpo projectado para fora da janela da viatura. Não deu para perceber se estava vivo ou não”, recorda.

Segundo o mesmo testemunho, os três sobreviventes ­– o condutor e outros dois passageiros – não aparentavam sofrer grandes ferimentos e quando perceberam que Júnior estava morto, em choque, sentaram-se no chão a chorar. Nesse momento, um carro de piquete apareceu na estrada e os agentes foram ver o que se estava a passar. Depois, a testemunha ocular diz ter prosseguido a sua viagem para o seu destino.

Dois acidentes em curto espaço de tempo

Pouco depois das sete horas da manhã, a notícia da morte do jovem começava a espalhar na rede social Facebook. Amigos, familiares e conhecidos de Júnior lamentavam. Uma amiga do jovem, estupefacta com o sucedido, publicou no Facebook um print de uma conversa tida com Júnior, a que o Expresso das ilhas teve acesso, onde este contava que havia sofrido um acidente, com o carro do seu pai, numa sexta-feira. Na mesma, o jovem diz que estavam “fx” e que por sorte não aconteceu nada com nenhum dos seus amigos. Dessa vez era ele quem conduzia.

No domingo passado, Júnior já não teve a mesma sorte acabando por perder a vida de forma trágica. As causas deste acidente ainda não foram divulgadas pela Polícia Nacional. 

Na Universidade onde Júnior estudava Direito (Jean Piaget), o jovem foi homenageado na manhã de segunda-feira, 9, pelos alunos, professores e toda a comunidade Académica, numa cerimónia que teve lugar no auditório desta universidade e onde lhe foi dedicado um minuto de silêncio. Às 15h30, desse mesmo dia, os amigos, familiares e entes queridos do jovem, acompanharam-no até à sua última morada, no cemitério da Várzea.

A vítima, Alcides José Gonçalves Júnior, de 23 anos, era natural da ilha de Santo Antão e residia no bairro de Terra Branca, na cidade da Praia.

 

GANHOS de uma maior disciplina no sector da “noite”

Diminuição do Consumo das bebidas Alcoólicas e derivados (Droga, Prostituição (inclusive de menores), agressão, assaltos, condução sob efeito de álcool e derivados, VBG, etc.);

Diminuição da criminalidade;

Diminuição da exploração laboral;

Diminuição do custo de funcionamento dos hospitais, centros de saúde e INPS tribunais, etc.;

Diminuição dos custos com a segurança e manutenção da ordem pública;

Diminuição da circulação de notas falsas;

Diminuição das queixas derivadas dos ruídos;

Diminuição das práticas antieconómicas e contra a saúde pública;

Diminuição da produção de lixo;

Extinção das matinés dançantes que possibilitam alunos do liceu a frequentarem estabelecimentos de diversão nocturna (discotecas, pubs, etc.) em pleno horário das aulas- situação que abre apetite aos estudantes para coisas erradas;

Aumento da produtividade dos trabalhadores;

Aumento da renda disponível das famílias;

Aumento da pontualidade e assiduidade ao serviço e consequentemente produtividade;

Aumento da eficácia e eficiências das autoridades Policiais e Administrativas;

Aumento da confiança nas autoridades policiais e administrativas;

Aumento da qualidade de vida;

Outros mais

(lista cedida pela IGAE)

6h da manhã? Código de Postura da CMP é pouco claro…

De acordo com o Código de Postura Municipal da Praia (Deliberação nº47/ 2014 - Boletim oficial 69, II Série, de 31 de Dezembro de 2014) os estabelecimentos comerciais estão divididos nas categorias Tipo I (podem funcionar das 6 h até às 22 h), Tipo II (7 h às 0h) e Tipo III (das 18h às 4h). Há ainda uma licença especial que permite que certos estabelecimentos, que cumpram determinados requisitos possam funcionar até às 2h da manhã ou, em outros casos, até às 6h. Mas não é muito claro onde está garantido o direito das discotecas a funcionar até tão tarde.

É que o TIPO  III (definido como Pubs, boîtes, discotecas, dancings, night clubs, piano-bar, outros estabelecimentos análogos que disponham de salas ou espaços destinados a dança) não está incluído nos estabelecimentos  do “Regime Especial de Funcionamento” (Artigo 216º). Neste regime, que permite o funcionamento até as 6h da manhã (do dia seguinte) apenas há referência a “restaurantes, pastelarias, estabelecimentos de venda de pão e pizzarias” [ou seja Tipo II], mediante algumas condições. Há sim um outro artigo, o 218º, que fala da Prorrogação do horário, mas que não refere horas. Diz, simplesmente: “Em casos excepcionais e pontuais, poderão as autoridades municipais autorizar a prorrogação do horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais e  industriais.”

Até ao fecho da edição não foi possível obter nenhum esclarecimento da CMP sobre esta questão.

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 755 de 18 de Maio de 2016.

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Autoria:Expresso das Ilhas,21 mai 2016 6:00

Editado porAndré Amaral  em  22 mai 2016 8:58

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