“Encontrei-me com ele, pela primeira vez, aqui na Praia, precisamente, em casa da minha já falecida irmã, Zezinha. Sempre bem-disposto, o Nhelas, como era coloquial e carinhosamente tratado, tinha dichotes para todas as ocasiões. Era, aliás um trocista refinado. Um típico “menino busòde d’Soncent”, de outrora, espécie em extinção, creio…”, recorda Amílcar Spencer Lopes ao Expresso das Ilhas.
“Todavia, o Dr. Neves era um homem distinto e um profissional muito competente e conceituado, tido em alta estima pela comunidade cabo-verdiana, em Dacar, e muito respeitado pelas autoridades senegalesas, particularmente, no domínio da saúde. Não me admirou, pois, que ele que era, aliás, da geração de muitos dos que tinham participado na luta armada, na Guiné, e um nacionalista assumido e irreverente, tivesse integrado a lista de Deputados pelo Círculo Eleitoral da África, nas listas do Movimento para a Democracia, nas eleições legislativas de 1996. Uma vez eleito Deputado, exerceu o mandato com esmero, elevação e elegância”, prossegue.
“Homem da sua bisca e apreciador da boa mesa, ficamos amigos, desde a primeira vez em que nos encontramos. Assim, depois disso, sempre que ele vinha a Cabo Verde e das vezes que passei por Dacar, era certo combinarmos um jantar para também pôr a conversa em dia, seguido de uma biscada”, lembra Amílcar Spencer Lopes.
“Ultimamente, mais por descuido meu, de que me penitencio, tinha deixado de saber dele. Com enorme pesar, fiquei a saber ontem de manhã, domingo, que o meu saudoso amigo Daniel Neves tinha falecido, na véspera, em Lisboa, no Hospital de Santa Maria, onde se encontrava internado”, lamenta.
“À Sílvia, sua Badia di Praia, aos filhos e netos, as minhas sentidas condolências e a minha fraterna solidariedade. Que a alma do extinto repouse em paz!”, conclui.
“Uma pessoa muito culta”
"Conheci Daniel Neves no Liceu" em São Vicente, recorda, por sua vez Humberto Bettencourt que lembra que Daniel Neves, após terminar o Liceu, "viajou para o Senegal e lá estudou Medicina indo, depois, para França onde fez a especialidade de Cirurgia".
Humberto Bettencourt recorda Daniel Neves como uma pessoa "muito atenciosa e acarinhada".
Humberto Bettencourt lembra igualmente que Daniel Neves foi essencial para a vinda do Rottary Club para Cabo Verde.
"É sempre um Club que apadrinha o nascimento de outro Club e o Daniel, que já era membro do Rottary Club de Dakar há muitos anos, achou que era tempo de o Rottary chegar a Cabo Verde. Então o Club dele apadrinhou o Rottary da Praia" que acabou por ser criado em 1992.
Humberto Bettencourt recorda que partilhava com Daniel Neves uma ligação à música. "Ele era um compositor. Não tocava nenhum instrumento, mas compôs muitas coladeiras".
"O Daniel era um amigo muito próximo, sobretudo desde que comecei a viajar para Dakar. E por isso tive várias oportunidades de conviver com ele. Era uma pessoa muito simpática, alegre. Chegou a vir à Praia fazer conferências sobre o Rottary e fomos condecorados no mesmo dia, na Praia, pelo Presidente da República", conclui Humberto Bettencourt.
Perda Irreparável
O governo emitiu, esta segunda-feira, uma nota de pesar pela morte do médico-cirurgião e ex-Deputado nacional, Daniel Neves, tido como uma das figuras incontornáveis da comunidade cabo-verdiana no Senegal.
Através de um comunicado de imprensa, o governo descreve Daniel Neves como um grande médico e humanista, que sempre distribuiu motivação e ânimo a todos que desfrutaram de sua presença, bem como um “porto seguro” para inúmeros cabo-verdianos que se deslocavam ao Senegal, nomeadamente para tratamento médico.
“Um intelectual com uma vasta cultura, Daniel Neves teve também incursões na poesia e na música, sendo que algumas das suas composições foram, inclusive, interpretadas pelo saudoso Bana, conhecido como o “Rei da Morna””, diz o comunicado.
O executivo afirma que o país está de luto pela “perda irreparável”.