As empresas subestimam capacidade do deficiente e criam barreiras no acesso ao emprego – associações

PorEdisângela Tavares,9 dez 2023 9:17

As associações de pessoas com deficiência consideram que o maior obstáculo no acesso ao mercado de trabalho é o preconceito na sociedade e nas entidades empregadoras, tanto públicas quanto privadas, que subestimam a capacidade do deficiente e criam barreiras substanciais no acesso ao emprego.

No mês em que se assinala o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, 3 de Dezembro, data que desempenha um papel crucial na consciencialização, promoção da inclusão e defesa dos direitos dessa minoria em todo o mundo, o Expresso das Ilhas abordou a questão da empregabilidade e os desafios profissionais para pessoas com deficiência em Cabo Verde.

Em conversa com Paulo Jorge Ribeiro, um jovem deficiente que tem limitações na fala e uma ligeira dificuldade motora, a nossa equipa testemunhou que apesar da sua deficiência, este jovem é bastante esforçado e empenhado ao desempenhar as suas funções. Paulo Jorge Ribeiro actualmente desempenha funções, como voluntário, nas vendas no Centro Nacional Ortopédico e de Reabilitação Física de Cabo Verde (CENORF). Licenciado em economia e gestão e com um mestrado em contabilidade, Paulo Jorge Ribeiro, apesar de estar capacitado e disponível há seis anos no mercado de trabalho, acredita que até hoje não foi contratado por conta da sua dificuldade na fala.

“Acredito que a minha limitação na fala e dificuldade motora é vista com preconceito. As empresas recusam-se a aceitar que, apesar da minha deficiência, sou uma pessoa capaz de desempenhar com maestria a minha função. Nós que somos deficientes esforçamo-nos muito mais do que as pessoas ditas normais, para conseguir as coisas. Tenho mestrado em contabilidade, não porque me facilitaram, esforcei-me, estudei muito para ter boas notas e, infelizmente, o meu país não está disposto a conceder-me uma oportunidade de ser um jovem normal, de trabalhar. Quando participo em qualquer concurso, as empresas não me vêem como um jovem candidato capacitado, preferem ver um jovem deficiente e questionar a minha capacidade”.

Paulo Jorge conta que está sempre a participar em concursos, mas infelizmente nunca foi contratado. Além da formação académica, Paulo tem uma vasta experiência, já desempenhou várias funções, na sua área de formação, a nível do voluntariado.

Na mesma linha, a nossa equipa conversou com Maria Rosa Ferreira, que é deficiente visual e trabalha como telefonista. Maria Rosa Ferreira, cega de nascença, conta que é bastante independente e que por conta própria procurou várias formações profissionais e hoje orgulha-se dos vários diplomas que possui. Formada em atendimento ao público, Ferreira revelou que também possui certificado de primeiros socorros, empreendedorismo e tentou uma licenciatura em psicologia, mas devido a limitação de recursos na época, não conseguiu concluir a formação.

“O mercado de trabalho, em qualquer lugar no mundo, não está voltado para as pessoas com deficiência. Em Cabo Verde, podemos reconhecer os avanços como a isenção de propinas, para que as pessoas deficientes possam ter acesso a uma educação melhor, como um grande ganho, mas temos que aplicar o princípio da equidade. Sou deficiente, natural do interior da ilha de Santiago, proveniente de uma família sem recursos financeiros, como é que vou frequentar uma universidade, ainda que não pague propinas, sem ter um suporte financeiro? No mercado de trabalho, posso dizer que hoje existe software que permite que deficientes visuais desempenhem as funções num computador, mas as empresas não querem gastar com adaptações, não estão a ver a inclusão como algo que oferece ganhos a longo prazo”.

Associações

Por sua vez, o Presidente da Associação dos Deficientes Visuais de Cabo Verde – ADVIC, Marciano Monteiro, sublinhou que os desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência no mercado de trabalho e no acesso à educação, e enfatiza a necessidade urgente de mudanças para promover uma verdadeira inclusão. Este responsável acredita que maior fiscalização e aplicação das leis e políticas para pessoas com deficiência poderia minimizar as lacunas no ingresso ao mercado de trabalho, especialmente aquelas com deficiência visual.

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“O preconceito na sociedade e nas entidades empregadoras, tanto públicas quanto privadas, cria barreiras substanciais. Mesmo com a existência de uma cota legal de 5% de vagas para pessoas com deficiência, a efectivação dessa política ainda é um desafio. Concursos muitas vezes não são publicados de maneira acessível, prejudicando a participação de candidatos com deficiência. A situação nas universidades apresenta melhorias, com o governo de Cabo Verde a implementar o ensino gratuito desde o pré-escolar até o ensino superior para pessoas com deficiência, este é um avanço significativo, no entanto, ainda é necessário mais do que a gratuitidade no ensino”.

Marciano Monteiro destaca a importância de colmatar os desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência em Cabo Verde. É imperativo que as políticas sejam inovadoras, desde cotas no mercado de trabalho até adaptações adequadas nas instituições de ensino e empresas empregadoras. Este responsável defende que a verdadeira inclusão exige não apenas reconhecimento legal, mas acção concreta para garantir oportunidades iguais para todos, independentemente das habilidades ou limitações físicas.

Mercado de trabalho

Quanto ao mercado de trabalho, este responsável destacou a importância da acessibilidade em todos os aspectos, desde rampas de acesso até adaptações nos equipamentos de trabalho.

Marciano Monteiro ressalvou que adaptações como a instalação de softwares para auxiliar na escrita e leitura de documentos para deficientes visuais, são frequentemente percebidas como custosas pelas entidades empregadoras, apesar dos benefícios de ter pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

“Eu já estive no mercado de trabalho, hoje actuo no voluntariado, mas posso dizer que a desinformação é geradora de preconceito. Diante da minha experiência, acredito que não há discriminação em termos de remuneração, pelo menos ao longo de sua carreira posso dizer que nunca fui descriminado a nivel salarial, em relação a outros colegas de profissão, como telefonista ou em serviço social. Acredito que o Governo precisa de mais fiscalização da lei, mesmo nas entidades públicas para se fazer cumprir os direitos de uma pessoa deficiente, que é um cidadão como qualquer outro”.

Por seu turno, o administrador do Centro Nacional Ortopédico de Reeducação Física de Cabo Verde (CENORF), Adalberto Afonso, destacou vários pontos sobre a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho e enfatizou a importância de criar condições para que essas pessoas possam levar uma vida normal com oportunidades para o acesso ao emprego digno e remuneração coerente com as funções desempenhadas.

“Quanto ao mercado de trabalho, posso ressaltar a necessidade de uma adaptação universal nas instituições, uma vez que temos a lei de base que estabelece a cota de 5% para pessoas com deficiência serem contratadas pelas empresas e a mesma cota destinada nos concursos públicos, há uma necessidade urgente da legislação ser respeitada”.

O administrador do CENORF abordou a desinformação e a forma como a informação é transmitida, especialmente em concursos públicos para pessoas com deficiência visual, a falta de adaptação dos canais de transmissão das informações referentes a vagas é o primeiro impedimento para que os candidatos com limitações visuais possam concorrer.

“Mais do que ter uma lei de base que destina a cota de 5% para pessoas com deficiência, devemos de ter em atenção os canais de informação. Na televisão, normalmente o comunicado passa no rodapé, o que já é uma barreira para o deficente visual. Na rádio, mesmo com o anúncio que, pode ser acompanhado por essas pessoas, logo traz a famosa conclusão: para mais informação consultar o site! O tal site não é adaptado para as limitações de algumas pessoas. Para entregar um documento, o local não é adaptado para o deficiente com limitações motoras, isso sem falar que, para o deficente ter acesso há muitas dificuldades, que muitas vezes é nítida, é obrigado ter um atestado médico para comprovar”.

Adalberto Afonso destaca a importância de trabalhar em conjunto com associações que lidam com pessoas com deficiência para superar desafios e testar efetivamente as capacidades dessas pessoas no mercado de trabalho.

“Ainda sobre o mercado de trabalho, posso dizer que o preconceito faz com que a entidade empregadora deixe de contratar uma pessoa com deficiência por simplesmente duvidar da sua capacidade. Com vários anos de experiência, sugiro que nos concursos seja incluído uma cláusula que ateste a capacidade de uma pessoa com deficiência. Posso dizer que, pelo facto de sermos sempre julgados, temos mais rigor ainda em executar uma função, somos muito mais críticos com a nossa pessoa, dedicamos ainda mais para provar e comprovar que a limitação de um membro do corpo, não faz com que a inteligência, o domínio e o conhecimento seja limitado”.

Aida no mês que fortalece a conscientização, bem como a celebração da diversidade, a equidade, a inclusão e a conquista de pessoas com deficiência, a Associação dos Deficientes Visuais de Cabo Verde – ADEVIC promove o Fórum “Empregabilidade das Pessoas com Deficiência em Cabo Verde”

O fórum, que acontece nesta quarta-feira, enquadra-se na comemoração do dia Internacional da Pessoa com Deficiência e do Dia Internacional dos Direitos Humanos e visa debater as questões relacionadas com os desafios para a inclusão e a promoção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1149 de 6 de Dezembro de 2023.

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Autoria:Edisângela Tavares,9 dez 2023 9:17

Editado porAntónio Monteiro  em  10 dez 2023 8:52

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