A bênção “tem uma certa importância”, referiu à Lusa a presidente da associação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero e Intersexo (LGBTI), Sandra Tavares. Mas, face à discriminação que os casais sofrem, “o melhor caminho será dar continuidade à luta para obter direitos, legalmente”, acrescenta.
A dirigente fala da luta pelo reconhecimento legal da união de facto ou do casamento entre casais do mesmo sexo, 20 anos depois de Cabo Verde ter despenalizado os atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo – em África, muitos países continuam a perseguir a homossexualidade.
O princípio que Sandra espera que a Igreja compreenda é o de que “as pessoas têm de ter uma família, porque o amor faz-se numa família, todos temos coração e somos seres humanos”.
Em Cabo Verde reside cerca de meio milhão de pessoas e, em termos de religião, é um país de larga maioria católica.
“A Igreja é bastante influente”, disse a dirigente, que acredita que os políticos não fazem mais pela legalização de direitos da comunidade LGBTI “devido a uma certa influência que Igreja tem”.
Sandra vê a bênção sugerida pelo papa Francisco e publicada em dezembro como o princípio de um caminho que, mais à frente, pode derrubar barreiras.
Por enquanto, em Cabo Verde, a bíblia ainda é usada por fiéis como argumento para atacar a comunidade LGBTI.
“Sim, isso acontece muito”, afirmou Sandra Tavares. “Dizem que ser da comunidade LGBTI é obra de Satanás”, se não, “na bíblia devia haver duas evas e dois adões”, numa alusão às figuras bíblicas de Adão e Eva, na origem de um mundo assente no contraponto entre masculino e feminino.
A Congregação para a Doutrina da Fé da igreja católica aprovou a 18 de dezembro a possibilidade de se abençoarem casais homossexuais ou "irregulares" (outras uniões não reconhecidas pela Igreja), em linha com posições de inclusão que têm vindo a ser assumidas pelo papa Francisco.
Mas a declaração "Fiducia supplicans" suscitou dúvidas no setor conservador da igreja, especialmente entre o clero africano, e o prefeito da congregação, o cardeal argentino Víctor Manuel Fernández, teve que esclarecer que se trata de uma bênção espontânea, não litúrgica, e isso depende da cultura de cada região.
Contactada pela Lusa, a Diocese de Santiago, sotavento de Cabo Verde, remeteu qualquer comentário sobre o assunto para uma posição a ser publicada em breve.
Já a Diocese do Mindelo, barlavento, respondeu com declarações prestadas pelo bispo Ildo Fortes à Rádio Nova de Maria, publicadas no portal Vatican News, indicando que as duas dioceses do arquipélago estão a preparar uma nota conjunta.
Segundo referiu, os dois bispos acompanham a posição do papa Francisco, baseados no princípio da misericórdia e de que “a igreja é mãe de todos”.
“Até para sair do caminho errado onde possam estar, até para quem está no pecado, é preciso uma bênção, uma luz”, referiu Ildo Fortes, com uma pergunta: “se nós abençoamos os campos, os animais, porque é que não havemos de abençoar as pessoas?”.
O bispo do Mindelo deixou claro que não se trata de um sinal de aprovação: “casamento é entre homem e mulher, não há outra forma. A doutrina da Igreja não mudou nada” e a publicação de dezembro “é um documento pastoral, cada pastor fará o seu discernimento”, concluiu.