Tonecas Marta: A força de uma voz melodiosa no fulgor do tempo (parte I)

PorCésar Monteiro,7 nov 2018 6:43

​Tonecas Marta, nome artístico de António Augusto Correia Gomes Marta, nasce a 09 de Abril de 1945, no Hospital da Praia, e cresce na Rua Serpa Pinto, até 1962, no seio de uma família numerosa. O pai, Mário Gomes Marta, nascido nos Picos, na ilha de Santiago, enfermeiro de profissão, trabalha, sucessivamente, na Praia, em São Vicente e em Santo Antão, antes de, finalmente, ser transferido para a então Guiné Portuguesa, em 1950, onde, aliás, viria a falecer, em 1990, aos 73 anos, após ter prestado serviço, na respetiva área de formação técnica, em Bissorã, Catió, São Domingos e Bissau. A mãe, D. Ana Correia Tavares, nascida, na Praia, era doméstica, e, precocemente, morreria aos quarenta e tal anos.

No ano seguinte, em 1951, Tonecas Marta, que contava cinco anos, junta-se ao pai e aos restantes membros do agregado familiar, em Catió, cidade pertencente à região administrativa de Tombali, matricula-se no ensino primário e ali conclui a 3ª classe, antes de regressar à Praia, em 1955, a fim de prosseguir os estudos. De regresso à capital, Tonecas Marta estuda a 4ª classe de instrução primária, na famosa Escola Grande, e, ali, “fui aluno de D. Maria da Luz Fonseca, irmã da Dra. Armanda Fonseca Neves, farmacêutica, natural da ilha de S. Vicente, até à admissão ao ensino liceal, que me tratava bem”. Marca-o, igualmente, no ensino primário, de forma positiva, o explicador particular, João Câncio, “precisamente numa altura em que havia professores que impunham o respeito, na sala de aulas, através da violência, e, diga-se em abono da verdade, João Câncio não era mau”.

Concluído o 4º ano liceal no então Liceu Adriano Moreira, Tonecas Marta ruma para Portugal, em Outubro de 1962, a seu pedido, e ingressa, de imediato, na Força Aérea, onde faz um curso de radiotelegrafista e radialista de avião, na Base Aérea Nº 2 (BA2) da Ota, perto de Alenquer, durante um ano, depois de prestado o serviço de recrutamento de três meses. O referido curso termina em 1963 e, imediatamente, é colocado na Base Aérea de Sintra, oficialmente denominada Base Aérea Nº 1 (BA1), localizada na Granja do Marquês, perto da serra de Sintra, até à sua mobilização para Moçambique, a 04 de Outubro do ano seguinte, em regime de comissão de serviço, como militar, com o intuito de integrar a Força Aérea naquela então província colonial portuguesa, até finais de 1967. “Fui de barco para Moçambique, no navio Quanza, numa viagem que durou um mês, cheguei a Lourenço Marques, parti logo para Beira e ali integrei a Força Aérea, durante cerca de quatro anos”. Cumprida a missão e desvinculado definitivamente da vida militar, convidam-no para integrar a Marinha Mercante moçambicana, como radiotelegrafista, em comissão de serviço, em substituição de tripulantes portugueses, em fim de carreira, em dois navios diferentes, onde permanece durante um ano.

Em Portugal, fizera o curso de radiotelegrafista e radialista, na Força Aérea e, tirando proveito daqueles conhecimentos adquiridos na Base Aérea de Horta, presta serviço na Marinha Mercante de Moçambique, sucessivamente, em dois navios. Primeiro, trabalha no navio Lúrio, por um período de seis meses, e, depois, também, durante igual lapso de tempo, no Angoche, uma unidade marítima propriedade da Companhia Nacional de Navegação portuguesa que, posteriormente, viria a ser assaltada em pleno mar alto, quando rumava para Moçambique, carregada de material para as Forças Armadas Portuguesas, num mistério considerado indecifrável pela imprensa internacional, volvidos mais de quatro décadas. Em 1968, Tonecas Marta regressa à Guiné onde deixara os pais, os irmãos e toda a família e, nesse país, faz um estágio ligado à Aeronáutica Civil, trabalha durante algum tempo, no Aeroporto de Bissau, e ali permanece até 1974, data em que, a seu pedido, é transferido para Angola como funcionário da Aeronáutica Civil.

Todavia, antes da sua transferência, para terras angolanas, em 1974, contrai casamento com Ana Emília, de nacionalidade guineense e de ascendência cabo-verdiana, e, da união conjugal, nascem quatros filhos dos quais o primeiro de nome Amílcar Guevara, a 18 de Fevereiro de 1975, em Luanda, para onde o pai fora inicialmente transferido. Passados seis meses, Marta, é colocado em Cabinda, onde permanece por igual período de tempo, até ao seu regresso definitivo a Cabo Verde, a seu pedido e desligado de serviço, com curta passagem por Bissau, logo após à independência, em 1975, e passa a trabalhar na Aeronáutica Civil, no Sal, “graças a contactos com operadores do tráfico aéreo que eu mantinha na ilha”. Nos Espargos a prestar serviço de sua especialidade, permanece até 1980, ano em que, a seu pedido, regressa definitivamente à Praia, por “razões de ordem estritamente familiar”, é colocado nos Correios, Telégrafos e Telefones (CTT), “com algum prejuízo, é certo”, e ali integra o sector da comunicação dessa empresa telefónica, até à sua aposentação, em 1997, sem que, contudo, se tenha desligado da música, que herda do pai Mário Marta, em primeira mão.

Em boa verdade, Tonecas Marta apanha a música em casa, pois, “o meu pai cantava bem, inclusive, fez duas lindas composições, uma delas a morna Ribeira Grande, dedicada à ilha de Santo Antão, onde esteve a trabalhar como enfermeiro e que, mais tarde, viria a ser gravada pelo meu irmão Maiúka, em parceria comigo próprio”. Na linha das composições, o pai Mário Marta viria a compor, igualmente, Sol d´Equador, que relatava as suas penosas vivências numa viagem, de barco, a caminho de São Tomé e Príncipe, como enfermeiro, quando acompanhava contratados para as roças do Sul. Beneficiando da ascendência musical, Tonecas Marta recebe, também, fortes influências musicais do tio materno Euclides Euricles de Burgo Correia Tavares (Djodja), compositor e cantor, nascido na Praia, em 1934, e falecido em Lisboa, em 1999, aos 65 anos, vítima de doença cancerígena. Autor e compositor, entre outras conhecidas composições, da morna Mãe, gravada pelo grupo musical Noitinha, em 1965, o tio Djodja, de nome artístico, “não tocava bem o violão, mas era excelente compositor e bom cantor, dotado de uma voz potente” com quem, aliás, Tonecas Marta participa em muitas tocatinas e em serenatas, na Praia.

Para lá da herança genética que lhe fora legada directamente pelos seus ascendentes, Marta ainda rapazinho, em 1955, quando viera da Guiné para Praia prosseguir os estudos, aprende a executar a guitarra portuguesa com Osvaldo Azevedo, que morava defronte à Igreja do Nazareno da Praia, e familiariza-se com esse instrumento musical, mas, depois, “por mania, desligo-me da guitarra e viro-me para o violão, que, por sinal, executo mal”. Completamente desvinculado da guitarra portuguesa, que, na altura acompanhava bem, e do violão, que tocava “fedi”, Tonecas passa a dedicar-se exclusivamente ao canto, aos 11 (onze) anos, sob influência do pai, primeiro, mas, também, da Igreja do Nazareno da Praia, através do tio Djodja, “até à sua partida para a Força Aérea, em Portugal, em 1962, como militar”. No seio da Igreja, aprende a cantar na escola dominical, mas “interiorizo as técnicas do canto fora, nas tocatinas e nas serenatas, tinha eu quinze anos”, por via de um processo de socialização que, no entanto, viria a prosseguir fora do palco religioso, estendendo-se a outros espaços da vida social praiense, num contexto urbano de então fortemente marcado pela aprendizagem informal e partilha musical. 

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Autoria:César Monteiro,7 nov 2018 6:43

Editado porrendy santos  em  15 nov 2018 11:22

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