Policarpo Carvalho: “Mercado cabo-verdiano das comunicações eletrónicas ainda não é concorrencial”

PorANAC,29 jun 2018 11:02

Policarpo Carvalho,  Administrador da ANAC pela área de Regulação e Mercado
Policarpo Carvalho, Administrador da ANAC pela área de Regulação e Mercado

O Administrador responsável pela área de Regulação e Mercado da Agência Nacional das Comunicações (ANAC), Policarpo de Carvalho, economista, afirma nesta entrevista que o mercado das comunicações eletrónicas em Cabo Verde ainda não é efetivamente concorrencial.

 A constatação resulta de um estudo de mercado encomendado a uma consultoria internacional, que se encontra na fase de consulta pública.

Como tem evoluído o mercado das comunicações eletrónicas em Cabo Verde?

Tem tido uma dinâmica de crescimento interessante. Tanto assim é que a ANAC, na lógica das boas práticas recomendadas a nível internacional, tem vindo a desenvolver trabalhos para a revisão de medidas que vem tomando, no que se refere a definição de mercados relevantes, identificação de operadores com poder de mercado significativo e obrigações específicas a serem impostas aos operadores com poder de mercado significativo, entre outras. Por isso, a ANAC acaba de aprovar um importante estudo sobre a regulação do mercado das comunicações eletrónicas em Cabo Verde, elaborado por um reputado especialista internacional na matéria, onde foi tratado essencialmente o seguinte: análise da evolução do setor das comunicações eletrónicas (mercados do produto); definição de mercados relevantes; concorrência efetiva do mercado; identificação de operadores com poder de mercado significativo (OPMS) e obrigações específicas a serem impostas aos operadores com OPMS.

Quais foram os resultados conseguidos com o estudo?

No que se refere à evolução do mercado das comunicações eletrónicas, ao longo dos últimos anos, o mesmo é sintetizado em função da evolução dos seguintes indicadores: nível e composição das receitas; níveis de tráfego e de número de utilizadores; preços; e rendibilidade.Sobre a definição de mercados relevantes, o estudo identificou treze mercados, contra os dezasseis anteriormente identificados. A título de exemplo, a CVMóvel foi identificada como OPMS para os mercados de acesso e comunicações móveis de voz, SMS e internet para o mercado retalhista, bem como o é também no mercado grossista de terminação em redes móveis. A UNITEL T+ foi identificada como OPMS para o mercado grossita de terminações em redes móveis, onde cada operador é, naturalmente, um monopolista na sua própria rede. No que se refere à concorrência efetiva do mercado, ao longo dos últimos anos, observou-se uma concorrência significativa entre os dois operadores móveis, a CVMóvel e a Unitel T+. Em termos de assinantes, as suas quotas de mercado têm tido evoluções positivas. No segmento de tráfego medido em minutos, as quotas de mercado das duas empresas têm evoluído também positivamente. Relativamente ao mercado SMS, houve uma aproximação das quotas, mas em menor escala. Já em termos de receitas, a operadora CVMóvel obteve uma quota de receitas bem mais elevada do que a Unitel T+.

Neste ponto, importa saber se agora há concorrência efetiva no mercado em que a CVMóvel tinha sido declarada como OPMS no mercado retalhista de voz.

Uma conclusão deste tipo não é coerente com a evolução das quotas de mercado em termos de assinantes e, sobretudo, em termos de receitas. As quotas de mercado em termos de receitas são tradicionalmente consideradas como um indicador mais relevante para identificar casos de poder de mercado e, assim, de falta de concorrência efetiva. Pois, traduzem a capacidade da política de preços de cada operador. Como disse há pouco, a CVMóvel mantém uma quota de mercado, em termos de receitas, bem mais elevada do que a da Unitel T+. Isto significa também que a CVMóvel manteve, nos últimos três anos, uma receita média por minuto superior à dos seus concorrentes. Os dados disponíveis no estudo que venho cintando, sugerem que a CVMóvel tem uma capacidade de se comportar de forma independente dos seus concorrentes, conseguindo receitas médias por minuto e por assinante muito superiores. Dada a estabilidade que se tem verificado nas diferenças de receitas médias entre operadores, não se vê motivos para admitir que haja uma convergência de preços e se desenvolva uma concorrência efetiva sem a intervenção do regulador nos mercados grossistas. Portanto, não se pode concluir que no mercado retalhista de telefonia móvel existe concorrência efetiva e ausência de posição dominante.

O que nos pode dizer sobre a identificação das empresas com OPMS?

Como referi antes, o estudo aponta para a existência de treze mercados. Assim, das empresas identificadas para os mercados relevantes, a ANAC admite a possibilidade de vir a impor obrigações específicas em cada mercado, após a divulgação do resultado final da consulta pública.

Já agora, que obrigações específicas a ANAC pondera impor aos operadores com OPMS?

De acordo com as melhores práticas internacionais, designadamente as da União Europeia, cujo nosso quadro regulatório é semelhante, as medidas de regulação devem estar centradas, em primeiro lugar, na promoção da concorrência nos mercados retalhistas, através da adoção de medidas adequadas nos mercados grossistas.

Como é que sustentaria as suas afirmações, segundo as quais o mercado cabo-verdiano das comunicações eletrónicas ainda não é efetivamente concorrencial?

Como disse, a ANAC mandou encomendar um estudo para o efeito, que já está aprovado pelo Conselho de Administração e que se encontra a caminho da consulta pública.O estudo demonstra claramente que o mercado cabo-verdiano das comunicações eletrónicas não é efetivamente concorrencial, apesar de algumas abordagens que vêm defendendo o contrário. Aliás, as recomendações do estudo vieram a confirmar que ANAC tem agido corretamente nas suas abordagens regulatórias, confirmando que o mercado ainda não é concorrencial. Foi o caso, por exemplo, das medidas regulatórias que tomou ao suspender alguns serviços propostos pelos operadores.

É bom lembrar que, nos mercados de terminações móveis, cada operador é monopolista na sua rede. É exatamente neste aspeto que reside um dos problemas do mercado atual de telefonia móvel em Cabo Verde.

Podia destacar duas grandes conclusões desse estudo?

A primeira grande conclusão é a de que, como referi há pouco, o mercado das comunicações eletrónicas em Cabo Verde ainda não é concorrencial. Uma outra conclusão é a de que os preços elevados das terminações no mercado retalhista de voz têm tido efeitos deletérios sobre os consumidores finais. Por isso, o mesmo estudo propõe que as terminações fixas e móveis sejam estabelecidas tendo como referência as comparações internacionais e os seus dados devem estar disponíveis, aferíveis e orientados para custos incrementais de longo prazo. Deste modo, recomenda-se uma descida significativa e rápida de preço das terminações fixas e móveis que, atualmente, estão em média, no conjunto fixo e móvel, perto de 5$00 para 1$00 por minuto. É bom lembrar que, nos mercados de terminações móveis, cada operador é monopolista na sua rede. É exatamente neste aspeto que reside um dos problemas do mercado atual de telefonia móvel em Cabo Verde, visto que as receitas obtidas pelas operadoras estão muito acima dos custos incrementais de longo prazo.

O que é que o regulador tem feito para fazer baixar a alta taxa de terminação?

Anteriormente a ANAC já tinha notificado às operadoras, para baixarem as suas taxas de terminação, mas segundo estudo é necessário baixar ainda mais, pois os preços elevados das terminações têm criado problemas de dupla marginalização no mercado retalhista de voz, por um lado, distorcendo as políticas de preço dos operadores que tem privilegiado o tráfego intra-rede e penalizando o tráfego inter-rede, por outro, conduzindo a uma situação de quase interrupção comercial de conectividade. Deste modo, o estudo replica a necessidade urgente do abaixamento destas taxas que não estão orientados para os custos incrementais de longo prazo. Por isso, propõe-se neste contexto, uma descida significativa e rápida de preço das terminações fixas e móveis que, atualmente, estão em média, no conjunto fixo e móvel, perto de 5$00 por minuto, para 1$00.

Que impacto essa descida terá nos consumidores?

Inevitavelmente haverá ganhos para todos os agentes económicos (famílias, empresas e o próprio Estado).

Pode elucidar-nos o que é isso de mercado de terminações em redes fixa e móvel?

Grosso modo, o mercado de terminação de chamada é um serviço que é necessário para que seja terminada no número chamado de um operador na sua rede (on-net) ou na rede da outra operadora (off-net). Tal como referi, no mercado retalhista móvel os preços das terminações têm permanecido acima dos seus custos incrementais, induzindo a distorções do mercado. As obrigações específicas a impor às empresas com poder de mercado significativo são, também, como é prática internacional, as seguintes: dar respostas a todos os pedidos razoáveis de acesso e utilização de recursos de rede específicos; transparência na publicação de informação; não discriminação; separação de contas e preços orientados para os custos incrementais de longo prazo. É importante que a orientação de preços para os custos deve basear-se na direção dos custos incrementais de longo prazo e não na perspetiva dos custos históricos. As taxas de terminação para as redes fixa e móvel, não estão orientadas para modelos de custos incrementais de longo prazo, razão pela qual é proposto um cenário em que os preços desçam rápida e progressivamente de 5$00 para 1$00 por minuto.

A ANAC, como garante do sistema regulatório, tem pautado as suas ações para a equidade do funcionamento de mercado das comunicações eletrónicas

Podia comentar a afirmação do PCA da CVT, segundo a qual a ANAC está a funcionar de “forma inadequada”.

Olhe, enquanto gestor de carreira, entendo que se trata apenas de uma sugestão negativa e objetiva do senhor PCA do Grupo CVT e nada mais. A ANAC, como garante do sistema regulatório, tem pautado as suas ações para a equidade do funcionamento de mercado das comunicações eletrónicas, orientado para o equilíbrio económico, a sustentabilidade financeira das operadoras e a promoção dos direitos e defesa dos consumidores, nos termos da legislação aplicável.

O processo para introdução das tecnologias móveis de quarta geração em Cabo Verde, está na sua fase final. A ANAC já concluiu todo o processo e já o entregou ao Governo. Aguardamos a luz verde sobre o assunto.

Para terminar, o que tem para nos dizer sobre os processos de lançamentos de 4G e do cabo submarino Amílcar Cabral?

O processo para introdução das tecnologias móveis de quarta geração em Cabo Verde, está na sua fase final. A ANAC já concluiu todo o processo e já o entregou ao Governo. Aguardamos a luz verde sobre o assunto. No que se refere ao cabo submarino Amílcar Cabral, a ANAC tem responsabilidade apenas para a realização de estudos de viabilidade do referido projeto de investimento. Já foi lançado o concurso de pré-qualificação para a seleção das empresas e, neste momento, já recebemos a manifestação de interesse de várias empresas internacionais, entre as quais, as de Portugal, Canadá, Singapura, USA, UK, etc. Na semana passada, lançamos o TDR para o referido concurso. Entretanto, há um outro assunto muito importante que eu não gostaria de concluir esta conversa sem o abordar. Trata-se da necessidade de se instituir a Autoridade da Concorrência em Cabo Verde, pela sua importância no contexto da economia real, pois a concorrência é um fator de crescimento e do desenvolvimento económico e social de um país, desde que justa e equitável. Assim, é preferível e desejável que os fenómenos do mercado tais como as políticas de preços, da concorrência efetiva ou ausência dela sobre determinados mercados, o agrupamento ou fusão de organizações económicas e os seus respetivos impactos sobre um determinado setor da economia, fossem ajuizados, em primeira mão, por uma Autoridade de Concorrência, devido à natureza iminentemente técnica dos conceitos que determinam esses factos. Por isso, no quadro da política económica do Governo, esperamos que seja instalada rapidamente a Autoridade da Concorrência em Cabo Verde, para preencher a lacuna existente no quadro multilateral das políticas de concorrência.

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Autoria:ANAC,29 jun 2018 11:02

Editado porExpresso das Ilhas  em  30 jun 2018 11:51

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