Nancy Vieira: “Quero continuar de forma serena, mas firme"

PorIlda Fortes,18 dez 2011 23:00

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"No Amá"é o mais recente álbum da "princesa da voz de oiro", que aproveitou o título para fazer "um apelo ao amor, em todas as suas formas". Nancy escolheu lançar o álbum primeiramente em Cabo Verde. Os concertos são para breve. Por enquanto, os cabo-verdianos já se podem deliciar com as sonoridades de "No Amá", que a artista descreve como sendo um álbum "sereno e sincero". O estilo não difere dos outros álbuns. Para o futuro, a artista quer continuar a carreira, de forma serena, mas firme.

Nancy Vieira esteve em Cabo Verde, para o lançamento do quarto álbum da sua carreira. Foi no Quintal da Música que a artista se encontrou com o Expresso das Ilhas. A escolha do local não poderia ter sido melhor. No horário marcado, o restaurante ainda estava vazio. Ambiente tranquilo, com mornas e coladeiras no som ambiente. Um contexto perfeito para falar de um disco que segue as sonoridades genuínas da música tradicional cabo-verdiana. A artista recebeu-nos com a habitual simpatia, para falar dos quase dezasseis anos de carreira, do novo álbum e dos planos para o futuro.

"No Amá é um álbum sereno e sincero"

""No Amá" é composto por doze temas, incluindo mornas, coladeiras e valsas, com arranjos de Nando Andrade. O álbum foi gravado entre Cabo Verde, França e Portugal, e já foi realizado um videoclip do tema "Maylem", de Mário Lúcio, na ilha de São Nicolau.

Desafiada a definir o álbum, Nancy afirma: "é um trabalho sereno, e honesto da minha parte". A escolha do título foi aproveitada a partir de um tema de Teófilo Chantre. "Achei o título sugestivo. A música fala de um amor entre duas pessoas, mas eu aproveito para fazer um apelo a todas as formas de amor", explica.

Quanto aos outros temas que integram o trabalho, Nancy destaca as mornas de autores clássicos como B.Leza (Brasil) e Eugénio Tavares (Ná o minino ná), a coladeira "Cigana de corpin ligante" do conceituado Manuel D'Novas, e outros temas de Mário Lúcio. De destacar ainda as composições de Amândio Cabral, Tó Alves, Rolando Semedo e Tutin d'Giralda.

"Faço questão de cantar os temas dos autores clássicos, uma forma de recordar as obras deles", conta Nancy, que desta vez não incluiu nenhum tema da sua autoria no álbum.

"Não sou compositora (risos). No disco anterior (Lus), fiz um atrevimento e introduzi uma música minha. Mas eu respeito o dom de quem sabe fazer boa música e poesia. Tenho orgulho de emprestar a minha voz para divulgar as suas obras", conta.

Em termos de sonoridade, "No Amá" parece ser um pouco mais suave que "Lus". Ainda assim, Nancy garante que não há grande diferença de estilo em relação aos seus trabalhos anteriores, mas sim uma evolução. "A minha música nunca foi muito mexida. Mas, desta vez, tentei aproximar-me mais das raízes, da forma mais genuína e tradicional da música de Cabo Verde", explica.

A artista decidiu lançar o disco em Cabo Verde. Em Portugal, o álbum só estará nos mercados em Fevereiro de 2012. "Quis lançar primeiro aqui, porque foi aqui que comecei a gravar as bases das músicas do disco", revela.

Quanto a concertos, Nancy promete que serão para breve. "Preferimos lançar o disco primeiro, para que as pessoas se familiarizem com ele e aprendam as músicas. Além disso, o espectáculo tem de ser bem preparado, porque o nosso público merece e é muito exigente", adianta.

Ainda assim, as expectativas de aceitação do trabalho são as melhores, já que artista está satisfeita com o produto final. "Quando estamos contentes com o que fazemos, quando o sentimento é positivo em relação ao que fazemos, e é sincero, quase que sentimos que podemos contagiar e induzir uma boa reacção dos outros", refere.

Por outro lado, Nancy confessa que "No Amá" constitui um ponto de viragem na sua carreira, por iniciar uma etapa nova. "Da mesma forma que nós amadurecemos e evoluímos como pessoa e como mulher, como se aprende com todas as coisas boas e más na vida, acho que como cantora estou com mais maturidade, e serenidade. Hoje, sinto melhor, e tenho mais certezas sobre o que eu quero e o caminho que quero seguir dentro da música cabo-verdiana", explica.

"Sempre me senti cabo-verdiana"

Nancy Vieira define-se como "uma cabo-verdiana que nasceu na Guiné-Bissau", no ano de 1975. O pai é natural da Boa Vista, e a mãe, tem origens na Boa Vista e em Santa Catarina de Santiago. Com apenas alguns meses de vida, veio para Cabo Verde, mais concretamente para a Cidade da Praia, onde viveu até aos dez anos. Quatro anos depois, volta a mudar-se, desta vez para São Vicente. Mas, aos 14 anos, a viagem foi mais longa."O meu pai foi trabalhar em Portugal, e a família toda o acompanhou", recorda.

Foi em Lisboa que Nancy cresceu, sempre rodeada pela cultura cabo-verdiana, devido à expressiva quantidade de cabo-verdianos no país. "Dizem que Lisboa é uma outra ilha de Cabo Verde (risos). Por isso, vivemos lá como se estivéssemos aqui. A única diferença é o frio, e a falta do mar. A minha adaptação foi boa, e eu gosto, por um lado, da Europa. Mas sempre que eu quero a minha vivência de Cabo Verde, eu a tenho", conta. Aliás, a facilidade com que fala o crioulo, seja badiu ou sampadjudu, mostram essa vivência intensa da cultura cabo-verdiana ao longo da sua vida.

Quanto à Guiné-Bissau, país onde nasceu, nunca mais regressou, apesar de ter vontade. Ainda assim, tem muitos amigos guineenses e aprecia a música tradicional do país. "Já cantei, algumas vezes, alguns clássicos da música guineense", refere, deixando em aberto uma visita ao país para "ir conhecer e explorar mais".
Com tantas vivências e influências, Nancy considera que soube aproveitar o melhor de cada lugar por onde passou. Mas, o mais importante foi o facto de ter sempre mantido a base familiar. "Sempre estive com os meus pais e com os meus irmãos, o que para mim é o mais importante", explica. Quanto à identidade, assegura que nunca teve dúvidas: "sempre me senti cabo-verdiana, apesar de viver em Portugal há mais de vinte anos".

No entanto, acredita que a filha, que já tem 12 anos, talvez possa vir a sentir essa dualidade de identidades (cabo-verdiana e portuguesa).

Sobre o significado de estar em Cabo Verde, Nancy enuncia que estar nas ilhas representa "recarregar energias, encontrar a inspiração, e matar saudades". Ainda assim, as saudades voltam ainda antes de partir de novo. "Cada vez que eu chego, é incrível. Às vezes, sofro por antecipação. Acabo de chegar, e começo a pensar na hora de partir. Mas é bom, porque como Eugénio Tavares disse: "se bem ê doci, bai ê maguado, ma si ca badu, ca ta birado". Não descarta, por isso, a possibilidade de, futuramente, vir passar mais tempo no arquipélago.

"A música foi uma opção natural"

Quando se ouve um tema interpretado por Nancy, sobretudo uma morna, sente-se que é esse o seu dom. Mas o caminho para a vida artística não foi definido desde a infância. Frequentou a universidade, e licenciou-se em sociologia. No último ano do curso, depois do estágio profissional, teve de tomar uma decisão. "A música chamou-me e quase me exigiu uma opção", recorda. A decisão, confessa, não foi fácil, mas "a música chamou com muita força". Quando questionada sobre o que pesou mais, responde simplesmente: "o amor que eu tenho pela música".

E esse amor teve origem no meio familiar. "Toda a minha família do lado do meu pai tocava, incluindo os meus tios e tias. O meu pai toca vários instrumentos, embora não seja profissional, e sempre ouviu muita música em casa. Sempre tive contacto com a música. Mas, confesso que ser cantora não era um sonho de criança. Esta vontade veio despertar bem mais tarde", conta.

Em 1995, quando ainda estava na faculdade, foi incentivada por amigos a participar num concurso de música. Venceu e gravou um álbum como prémio. "Nos raça" teve uma boa aceitação e, a dada altura, a opção natural foi decidir ser cantora.

Não fez nenhuma fez formação musical, e quando questionada se toca algum instrumento, responde, envergonhada: "não (risos). O meu instrumento é só a voz. O meu pai ensinou-me algumas coisas, mas eu acho que não tive muita paciência para aprender mais e desenvolver (risos)".

As referências e influências, indica, são os grandes nomes da música tradicional cabo-verdiana, "os mais antigos". Em termos de género, a resposta não surpreende: "eu gosto de muitas músicas, mas o meu estilo preferido é a morna".

A morna, que interpreta com extrema serenidade e intensidade. E quando canta, garante: "não penso em nada em particular, eu apenas sinto". Esta particularidade fez com que o conceituado Paulino Vieira um dia a chamasse de "princesa da voz de oiro", um título que a deixou honrada. "É uma grande responsabilidade quando qualquer pessoa faz uma apreciação positiva do nosso trabalho, da nossa voz. Neste caso, não é qualquer pessoa. É uma pessoa com uma grande sensibilidade na música. Então, fico ainda mais contente e a sentir uma maior responsabilidade. Faz-me bem e dá-me ainda mais vontade de trabalhar", assegura.

"Quero chegar alto, mas devagar"

Nancy Vieira construiu a carreira tendo por base a música tradicional de Cabo Verde. "Avalio o meu percurso como uma carreira em evolução. Não houve picos nem descidas abruptas. Acho que tem sido crescente, seguro e com certezas", refere.

Da sua discografia fazem parte os álbuns "Nôs Raça"(1995),"Segred"(2004), "Lus" (2007), e o mais recente "No Amá". Pelo meio, fez alguns duetos com grandes nomes da música portuguesa, como Rui Veloso e Ala dos Namorados. Em 2009, deu voz ao álbum "Pássaro Cego", da autoria dos conceituados Manuel Paulo e João Nunes. "Fiquei muito contente, porque eles já trabalharam com vários cantores e escolheram-me. Foi estranho habituar-me, porque cantei onze músicas em português. Mas, foi uma boa experiência", relata.

Fora da música, este ano experimentou ser apresentadora do programa "Embondeiro", na RTP. "Foi uma experiência fantástica, embora muito cansativa", revela, deixando no entanto em aberto a possibilidade de repetir a experiência.

Quanto ao futuro, Nancy afirma que quer continuar com a carreira, de forma serena, mas firme. "Quero continuar com certeza e firmeza na evolução e na subida, sem picos. Quero chegar alto e longe, mas devagar", assegura.

Em jeito de conclusão, com a serenidade e simpatia que a caracterizam, Nancy faz um apelo aos cabo-verdianos: "No Amá".

Fotos de Quim Macedo

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Autoria:Ilda Fortes,18 dez 2011 23:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  18 dez 2011 23:00

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