Neto is back: Acredito que as velas acendidas, as orações e a corrente positiva ajudaram-me imenso

PorExpresso das Ilhas,15 jun 2013 0:00

Jorge Neto esteve de passagem por Cabo Verde para receber um donativo da Câmara Municipal da Praia e para terminar as gravações do seu próximo trabalho discográfico. Depois de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que quase lhe tirou a vida, Jorge Neto diz estar bem e preparado para pisar os palcos de Cabo Verde. O regresso está marcado para o dia 21 de Junho. E diz: “kelki ta da, ta da”. Nesta entrevista emocionante conheça os pormenores da vida daquele que é considerado um dos artistas mais carismáticos da música moderna de Cabo Verde. Ele que temeu a morte, o medo de nunca mais pisar os palcos, deixar os filhos e a mulher que no ventre trazia o terceiro rebento do casal.

 

Jorge Neto, passaste por um mau momento no final do ano passado. Conta-nos como tudo aconteceu e como te sentes agora?

É verdade, passei por momentos difíceis, escapei à morte. Mas... graças a Deus sintome bem agora. Tudo aconteceu após uma viagem longa e cansativa. Vim dos Estados Unidos onde também tive um acidente de viação, cheguei a casa [em Lisboa] depois de ter almoçado com a minha família saí para ir tomar um café e de repente senti que não estava bem. De imediato, sem tomar, o café corri para a casa e logo a minha mulher disse-me que fossemos ao hospital. Depois de ter chegado ao hospital perdi os sentidos. Mais tarde vim a saber que o derrame ocorreu dentro do hospital, quando estava a ser atendido. Tive muita sorte.

Chegaste a ficar em estado de coma, como aqui foi anunciado?

Sim, praticamente duas semanas.

 Tiveste a noção de que estavas a ter um Acidente Vascular Cerebral?

Não. Estranhei o que estava a acontecer, mas pensei que era um pequeno mal-estar. Mas depois quando acordei, tentei mexer os membros e não conseguia: perguntei a mim mesmo o que estava a acontecer. Fiquei paralisado em cima de uma cama. Também não conseguia falar. Tentava, mas não conseguia.Vivi momentos de grande aflição e desespero mas graças a Deus consegui voltar à normalidade. 

Sentes alguma sequela do AVC?

Graças a Deus não tenho sentido nada, acho que todo apoio, as velas acendidas, as orações e a corrente positiva ajudaram- me imenso na minha recuperação. Deus sentiu isso e deu-me mais uma oportunidade para viver.

 Aonde foste arranjar forças para ultrapassares a doença?

Busquei a força rezando, pedindo a Deus que me tirasse daquela aflição... Essa doença é algo que não desejo a ninguém. O apoio moral dos amigos, da minha família, dos meus fãs que vieram de toda a parte, confortou-me imenso. Tudo isso fez com que eu arranjasse forças para poder dar a volta por cima. Eu sei que a morte é certa, mas a verdade é que não posso morrer tão jovem, tenho a minha esposa, os meus filhos para criar e uma mãe idosa que depende do meu sustento. Para além de ter muitos projectos para a minha carreira, pedi a Deus, que me desse mais alguns anos de vida, para que eu possa ver os meus filhos crescer.

 Então só mais tarde é que vieste acompanhar as notícias da tua doença, a preocupação de todo povo cabo-verdiano?

Sim, a minha mulher é que acompanhou tudo. Ela tratou de tudo de forma que nada atrapalhasse a minha recuperação. Semanas depois, quando já estava a recuperar-me melhor, o director do hospital veio ter comigo, perguntando me quem eu era e quando lhe disse quem sou ele disse-me que o Hospital estava bastante movimentado por minha causa e que todos os dias chegavam dezenas de pessoas (jornalistas e fãs) a querer saber do meu estado de saúde. Fiquei feliz, mas não quis falar para a Comunicação Social porque não estava bem; gosto que me vejam bem, como no palco e não numa cama do hospital.

 Foste bem tratado no hospital onde estavas internado?

Fui muito bem tratado, se não fosse não estaria aqui. Não tenho razões de queixa. Fui muito acarinhado por todos. Penso no futuro próximo oferecer algo àquele hospital como forma de agradecer e retribuir tudo o que fizeram por mim.

 Chegaste a temer a morte?

Temi, temi muito. Cheguei a chorar desesperadamente. Quando tentava mexer as pernas e não conseguia, era um desespero, tentava falar a voz não saía, e quando saia ninguém entendia o que eu estava falando, (pausa emoção)... O pensamento que mais me atordoava era quando, em momentos de depressão, pensava: o que será da minha vida se eu não conseguir cantar, dançar.

 Como conseguiste ganhar os movimentos e sentir que já podias cantar e dançar?

Tentava ficar sozinho em casa para poder ouvir música e ver se conseguia dançar. Não queria tentar à frente da minha mulher e dos meus filhos (pausa emoção) não queria que eles me vissem naquele estado e, se eu não conseguisse, eles também iriam sofrer. Tentava também protegê-los do sofrimento. Com a minha insistência e apoio da minha mulher, pouco a pouco fui conseguindo, porque não me acomodei à situação. Fui desafiando a mim mesmo, tive dias bons e menos bons. E hoje posso dizer que estou bem. Por mais forte que a pessoa seja, às vezes vem o desânimo, as lágrimas, a tristeza e os dias deprimentes. Também esses superei sobretudo com a ajuda da minha mulher, que me acompanhava nas caminhadas. A ela devo muito (pausa emoção). A minha mulher para mim é uma luz porque esteve sempre ao meu lado, devo tudo a ela. Ela salvou-me a vida. Prometi a Deus amá-la eternamente.

Podes descrevê-la um bocadinho?

É uma guerreira que há 14 anos está ao meu lado nos bons e nos maus momentos. É uma mulher jovem, mas de princípios e virtudes e é com ela e com os nossos filhos que eu quero passar o resto da minha vida. Ela é uma mulher com garra e determinação; às vezes penso que mulheres como ela já não existem mais. Má só pa ka abusa.(risos). Se ela ouvir tudo isso irá ficar “basofa”, mas é a pura verdade.

 E no momento da doença ela estava prestes a dar à luz ao vosso terceiro filho? Como foi?

Foi muito cansativo, mas ela é uma mulher forte. Aguentou-se bem até o nascimento do bébé. Foram dias de correria, mas graças a Deus não teve problemas e o parto correu lindamente.

 Após 9 anos tens agora mais um rebento em casa. Andavam à procura de uma menina e veio mais um rapaz.

Há muito que estávamos à procura de uma menina, mas Deus deu-nos mais um rapaz, e a nós cabe recebê-lo com amor e carinho. Ele é bem-vindo nas nossas vidas. O mais importante é a saúde. Ele é mais uma luz que Deus mandou para iluminar a minha vida.

 Sei que já fizeste alguns shows. Como foram?

O primeiro que eu fiz senti algumas dificuldadesem dançar. Sabiaque não estava a 100%, mas precisava actuar. Tenho uma família constituída por 5 pessoas. Sou homem, não posso deixar que a minha família passe por necessidades. Surgiu o convite e eu aceitei, contra a vontade de muitos, mas tinha que ser. No primeiro momento senti que o pé direito não mexia bem, mas fiz de tudo para que ninguém se apercebesse e o meu espanto foi depois do show. Fui muito elogiado, muito acarinhado e as palavras do público e dos meus amigos superaram a minha expectativa. Temi a crítica, mas disseram-me que não notaram nenhuma diferença na minha atuação. Com a reacção e a satisfação dos presentes no show, senti que a minha dificuldade não tinha sido notada e que aquilo que estava a sentir ia ser superadoem breve. Queroaqui dizer que a fé e o apoio moral são factores determinantes na recuperação de qualquer pessoa que esteja a passar por um mau momento. A partir daquele dia senti que tudo podia voltar à normalidade e assim foi. Nos outros concertos tudo correu lindamente.

 Continuas a fazer algum tratamento?

Neste momento não, mas tenho mais sessões de terapia pora fazer. Parei porque a terapia da fala tem um custo elevado. São 800 euros por semana e não tenho tido recursos financeiros para tal. Dos apoios que eu recebi fui pagando consoante as sessões. Pelo facto de ter uma família para sustentar é difícil fazer o tratamento na totalidade. Acredito que com o regresso à minha actividade que acontecerá brevemente poderei fazer as sessões que me faltam .

 Chegaste a pedir apoio nos mídia, para dares continuidade ao tratamento. Foste apoiado?

Sim, recebi alguns apoios, o primeiro foi do show promovido por um grupo de amigos e músicos cáem Cabo Verde, numa discoteca. Mais tarde, pouco a pouco fui recebendo do mais apoios, todos eles de pessoas amigas e conhecidas. Queria aqui agradecer a todos que me apoiaram, com palavras, mensagens e recursos financeiros. Todos eles foram recebidos com muito amor e carinho, agradeço-os muito e jamais irei esquecer deles todos. Só não recebi nada do Governo de Cabo Verde. Mas isso não é um problema. O mais importante é que eu sobrevivi graças a Deus. Por isso que eu canto pelo meu povo e tudo o que eu sou devo a eles.

 Estás em Cabo Verde para receber um donativo da Câmara Municipal da Praia. O que significa?

Estou muito feliz com o gesto da Câmara Municipal da Praia. Serei eternamente grato a todos eles. Recebi o donativo de coração aberto e jamais esquecerei. Um muito obrigado a todos. Estou sem palavras. Com o apoio irei concluir as  48 sessões de terapia que me faltam.

 Vieste também com o propósito de finalizar a gravação do teu próximo álbum. Que pormenores deste CD?

O CD já estava praticamente pronto antes de eu ter adoecido. Às vezes, pequenas circunstâncias fazem mudanças drásticas nas nossas vidas e nos nossos planos. A doença fez de mim uma outra pessoa, e isso vai se reflectir agora neste CD. Se eu o tivesse lançado naquela altura seria bem diferente. Acredito que os momentos por que eu passei, a fase em que me encontro agora propiciam um trabalho mais coeso, mais bem preparado, com um Jorge Neto mais sereno, com mais estórias de vida para contar.

 O CD irá seguir a mesma linha dos anteriores?

Terá a mesma linha, mas com algumas surpresas. É um trabalho onde pus toda a minha força e dedicação e kel ki ta da ta da. Estou convicto de que todos vão gostar, porque é um trabalho dedicado a Cabo Verde, a meu povo, que sempre está do meu lado. Este trabalho é uma dívida para com o meu povo e para o meu país. Eu vou cantar para Cabo Verde até a minha morte, até ao dia que Deus decidir que chegou  a minha hora.

 O teu regresso aos palcos de Cabo Verde está agendado para o dia 21 de Junho. O que esperar de ti?

Um regresso em grande. Com grandes surpresas: uau, kel ki ta da, ta da.

 Pra terminar queria saber como estás a ser recebido nestes dias?

O povo cabo-verdiano sabe acolher as suas gentes. Sabe receber quando quer. O meu maior desejo era pisar o chão de Cabo Verde com os meus próprios pés. Ao chegar a Cabo Verde as pessoas ficaram admiradas. Pensaram que eu ia ficar coxo, ou com alguma sequela visível. Quando entrei no mercado do Platô fui recebido de uma forma extraordinária. O mercado ficou parado. Dezenas de pessoas vieram ter comigo de uma forma calorosa. Foi um reencontro muito emocionante. Pedi-lhes que não chorassem porque estou vivo e cheio de forças para viver. Uau

 

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Autoria:Expresso das Ilhas,15 jun 2013 0:00

Editado porDulcina Mendes  em  14 jun 2013 23:48

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