Festa de Tabanca ganha força a cada ano

PorDulcina Mendes,3 mai 2014 0:00

Depois de algum tempo em queda, a festa da Tabanca tem vindo a ganhar expressão a cada ano que passa. A Tabanca é celebrada na ilha de Santiago, onde existem vários grupos, e também na ilha do Maio, nas festas de Santa Cruz. Nesta ilha a manifestação cultural esteve um pouco esquecida, mas graças ao interesse de alguns jovens, a festa voltou em força.

 

Na ilha do Maio, a Santa Cruz é comemorada anualmente no dia 3 de Maio, dia que assinala libertação dos escravos. Mas a festa começa muito antes, logo no mês de Abril, com a cochida do milho, ou seja, a festa de pilão e tambor.

Os festejos, que se concentram na casa da juíza principal, começam logo pela manhã com som de pilão e do tambor e terminam noite dentro.

A festa de Santa Cruz é muito popular no Maio e tem largas tradições, sendo que as pessoas da ilha toda se concentram na cidade do Porto Inglês, onde não falta animação e muita comida pelo meio.

No início do ano, os juízes responsáveis pela festa fazem o convite pela ilha toda e, depois, é enviado um grupo de mulheres para procurar ajuda, que pode ser dinheiro ou géneros alimentícios. Serve a ajuda recolhida para alimentar as pessoas que se concentram na casa dos juízes da festa, durante a duração da mesma: isto é, de 3 de Abril até ao dia 6 de Maio.

Antecede-a, como referido, a festa do pilão que começa duas semanas antes, e durante o mês da festa a Tabanca acompanhada pelo toque de tambor, percorre toda a cidade e mesmo outros sítios na ilha.

No dia 3 de Maio, quando se celebra a festa de Santa Cruz, as pessoas acompanham os juízes ao som dos tambores até o cruzeiro, onde é cantada a ladainha. Depois, as pessoas voltam para a casa dos juízes da festa para o tradicional almoço e é então que são conhecidos os juízes da festa do ano seguinte. Os juízes escolhidos recebem o santo e saem para visitar as casas das pessoas, sempre ao som do tambor.

 

Tabanca esteve algum tempo em queda

Durante algum tempo a Tabanca esteve em queda na ilha do Maio, segundo Ney Tavares, promotor cultural da Câmara Municipal do Maio. Esse declínio deveu-se ao facto de ser uma festa celebrada essencialmente por pessoas mais velhas, e a morte de muitas delas ameaçou a continuidade da Tabanca. Entretanto, um grupo de jovens ajudou a resgatar esta tradição.

Em paralelo com a festa de Santa Cruz, esses jovens decidiram, há já alguns anos atrás, criar uma outra festa, conforme conta Tavares, para dar novo dinamismo à festa de Santa Cruz. A partir de então, todos os anos, dois grupos passaram a festejar a Tabanca. Um que é formado pelos jovens e outro pelas pessoas mais velhas.

Tabanca de Santa Cruz é uma das tradições mais antigas da ilha, indicou ainda Tavares.

 

Maio vai ter Associação de Tabanca

Os jovens do Maio querem arrancar ainda este ano com a criação da Associação de Tabanca na ilha, sendo que o primeiro passo neste sentido será agendar um encontro com a população.

Ney Tavares salienta o empenho na criação de uma Associação que tem o objectivo de fazer com que essa tradição não morra e, avança que a intenção é criar grupos de tabanca em todas as zonas do Maio. “Com a criação de tabanca em todas as zonas, na época de 3 de Maio teremos um festival de tabanca com todos os grupos”, antevê.

A Câmara Municipal do Maio, diz Ney Tavares, tem apoiado a tabanca na ilha, tanto a nível financeiro como com materiais e disponibilização de espaços.

Para este ano, a Câmara tem já agendadas, no âmbito da festa de Santa Cruz, várias actividades. De acordo com o promotor cultural, estas vão desde exposição de artesanato e pintura a torneio de andebol, baile de “Rabeca”, corrida de bote e outras.

 

Na ilha de Santiago a Tabanca sai à rua apesar das dificuldades 

Mesmo com dificuldades, todos os anos os grupos de Tabanca da ilha de Santiago têm desfilado, no dia 3 de Maio, para celebrar a Santa Cruz. Nesta ilha de Santiago há diversos grupos de tabanca, sendo que muitos estão, actualmente, inactivos.

Na cidade da Praia, em específico, existem três grupos de Tabanca que todos os anos percorrem as ruas da cidade ao som do tambor. “Na Praia, devido à falta de apoios, os dias de desfiles diminuíram, mas ainda podemos encontrar grupos a desfilar mais tempo”, indica Luís Leite, presidente da Associação Nacional da Tabanca.

“A intenção da associação é reactivar todos os grupos de Tabanca pois só assim poderemos estar em condições de arrancar com o festival [de Tabanca] com mais força”, explicou.

Segundo Luís Leite, a festa da Tabanca na ilha de Santiago depara-se com alguns problemas, como falta de instrumentos e de apoio necessário para os grupos saírem à rua, mas, com esforço, alguns ainda conseguem desfilar para celebrar a Santa Cruz, no dia 3 de Maio.

Luís Leite disse que se está a trabalhar para que a Tabanca remonte à sua actividade inicial, e que foi nesse sentido que, em 2009, foi criada a Associação Nacional da Tabanca (ANT). O objectivo é criar uma ponte entre as tabancas e parceiros como Governo, Câmaras, sociedade civil, garantindo apoio e financiamento às suas actividades.

Só com apoios se podem cumprir os desígnios da ANT, que passam pela promoção e dinamização da tabanca e por garantir a sua continuidade, ajudar os grupos a se organizarem, e apoiar os associados a nível técnico, material ou em qualquer outro caso de dificuldade.

Outro objectivo dessa associação é a realização anual de um festival da Tabanca, com a participação de todos os grupos nacionais, sendo que o primeiro festival foi realizado em Março de 2009, mas por questões financeiras nem todos os grupos estiveram presentes.

Desde então, o festival da Tabanca tem-se realizado todos os anos em Santa Cruz, com o apoio da câmara local.

Mas a ideia continua a ser poder reunir todos os grupos nesse festival, o que ainda não foi possível, reitera Leite.

O presidente da ANT criticou o facto de o Carnaval ter mais apoio que a Tabanca. “Devem apostar mais na Tabanca, porque ela é uma manifestação cultural de Cabo Verde, que tem forte potencial para o turismo”, argumentou.

Luís Leite sublinhou que muitas festas de Santo hoje celebradas tiveram origem na Tabanca, e exemplo disso é festa de Bandeira, na ilha do Fogo, que é uma versão da Tabanca. “Na ilha de Santo Antão também podemos deparar-nos com manifestações culturais que saíram da Tabanca”.

Cada Tabanca é devota de um santo e as suas festividades decorrem durante as datas que lhe são dedicadas. Há as tabancas que celebram a Santa Cruz, a 3 de Maio e as devotas aos santos juninos: Santo António (13 de Junho), São João Baptista (24 de Junho) e São Pedro (29 de Junho).

Na cidade de Santa Catarina existe um Museu da Tabanca, cuja actividade não se limita à tabanca, mas também a outras actividades culturais de Cabo Verde.

 

Tabanca em Cabo Verde

Em Cabo Verde, a Tabanca surgiu durante a monarquia portuguesa - supõe-se que por volta da primeira metade do séc. XVIII, e é a essa forma de governo que vai buscar a sua estrutura, criando uma sociedade paralela, que resistia às ordens exteriores.

Assim, tal como nas monarquias, há aqui um rei e uma rainha e a sucessão é feita em regime hereditário, passando o posto para o(a) primogénito(a). Se os reis não tiverem filhos, passará então para os sobrinhos – como na monarquia.

A Tabanca é uma manifestação cultural que inclui nos seus festejos uma manifestação pública com desfiles e festas de rua, com pessoas a rufar de tambores e a tocar de cornetas.

As múltiplas cores, o ritmo quente, as canções alegres, o batuque, os tambores, que acompanham os búzios são signos marcantes da Tabanca que procura trazer à rua personagens como os governantes, os oficiais, os eclesiásticos, tudo em gestos grotescos.

Existe o rei da tabanca, a rainha, o comandante, a porta-bandeira, as baianas, o padre, as irmãs, os cativos, as bombas, os corvos, as enfermeiras, o médico, o ladrão, o burro, a mandona, o sacerdote, as filhas do santo, entre outros. Figuras que eram utilizadas para criticar os males da sociedade, ridicularizando-as e que, segundo algumas vozes, devem ser reconstituídas e trazidas de volta à rua.

 

Música é importante na Tabanca

Na Tabanca a música é um elemento muito importante. Cada uma tem a sua e os reis são muitas vezes compositores também. Como instrumentos característicos desta manifestação cultural temos os tambores, as cornetas e os emblemáticos búzios. Este último elemento começou por ter, no passado, uma função essencialmente. A armação da corte e os desfiles são também actos que definem a Tabanca, mas há outras tradições como o “roubo do santo” que sendo comum a várias Tabancas é incontornável quando se fala das da Praia.

Como o nome indica, este ritual simbólico começa quando o Santo padroeiro é roubado por um “ladrão” e anda durante uns dias em parte incerta. Os cativos da Tabanca saem à rua, num cortejo chamado “buska santu” à procura do seu padroeiro. Rei, rainha, mandoras, comandantes, soldados e outros, num desfile que percorre as ruas, espalhando o ritmo dos tambores e o sopro dos búzios e cornetas.

Por fim, o ladrão entrega o santo e é-lhe aplicada uma pena: o pagamento de determinada quantia que reverte para a casa do santo.

Nesta etapa, o papel central cabe aos “ladrões”, porque todo o desenrolar dos acontecimentos dependem das suas acções. Ao ludibriarem os vigilantes e roubarem o santo, desencadeiam uma série de acções e animações que dão continuidade aos festejos.

Há uma espécie de encenação entre quem vigia e quem rouba o santo. Existe sempre conivência entre os ladrões e os guardas para que o roubo seja efectuado. É curioso verificar que no contexto da Tabanca, as pessoas se orgulham em desempenhar o papel de “ladrão”, um dos papéis importantes e de destaque no desenrolar das festividades.

A missa de homenagem é também um ponto alto, que marca o início das festas. No fim, há sempre dança, bebida, comida e convívio.

 

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Autoria:Dulcina Mendes,3 mai 2014 0:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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