Música de Cabo Verde na Europa: do som cósmico à lenda do Funaná

PorExpresso das Ilhas,30 out 2016 6:00

Dois CD de música de Cabo Verde estão a fazer sucesso na Europa do norte (nomeadamente Alemanha, Suécia e Reino Unido). O primeiro lançado no início deste ano tem como suporte «marketing» uma história fantástica sobre como chegaram os sintetizadores à Ilha de S. Nicolau e cativaram o músico Paulino Vieira. O segundo CD recentemente lançado intitula-se “Legend Of Funaná (The Forbidden Music of The Cape Verde Islands)” e tem como suporte uma biografia do tocador de gaita Bitori di Nha Bibinha, e a história do triunfo do Funaná como uma das grandes conquista musicais depois da Independência em 1975.  

Space Echo – The Mystery Behind the Cosmic Sound of Cabo Verde Finally Revealed é o título de uma compilação em CD e vinil, que está a fazer sucesso na Europa, especialmente na Alemanha. Dá suporte ao «marketing» e apresentação deste CD, uma história rocambolesca, claro está, inventada, e que aqui em Cabo Verde, muitos julgam ser verdadeira… Editado pela Analog Africa, este é mais um trabalho do tunisino Ben Redjeb, que esteve em Cabo Verde no passado mês de Abril, no âmbito do AME – Atlantic Music Expo e trouxe na bagagem, alguns exemplares do referido CD distribuídos durante aquele evento.

Este CD não despertou de imediato qualquer reacção no «cabo-verdiano» justamente porque se trata de uma compilação de música «velhinha» de meados dos anos 1970 a 1980: êxitos, passados e repisados na rádio e nos bailes de «picapada» da época. Com os meus botões pensei logo: um novo filão foi descoberto por este tunisino! E os europeus têm um gosto bizarro por cada uma! Note-se, não deixei de transmitir ao referido produtor, estas minhas impressões e felicita-lo, por ter trazido para a actualidade esta música antiga publicada em «vinil» considerada já obsoleta para nós cabo-verdianos mas, que ganhou agora uma nova actualidade.

Mas, o que mais espantou até agora, foi quando alguém, me encontrou na rua e me disse que ficou admirado porque não conhecia a história do Paulino Vieira que tinha aprendido a tocar com teclados imagine-se, encontrados num misterioso barco que encalhou em S. Nicolau no início dos anos 1970! Eu ripostei: Isso não é verdade! Ele respondeu: ouvi na televisão! E contou-me a história do “Mistério por detrás do Som Cósmico de Cabo Verde finalmente revelado”. Desconfiei logo do CD Space Echo, mas eu ainda não tinha lido a história, porque o produtor Ben Rejeb, me ofereceu uma versão promocional do CD que não traz o “booklet”. Fui logo à Internet “analogafrica.bandcamp.com” e encontrei uma história fantástica… desatei a rir!

Esta história fantástica que serve de suporte para apresentação de uma música de Cabo Verde dos anos 1977/80 tem sido retomada por diversos jornais de prestígio, tanto no Reino Unido como na Alemanha! Aqui em Cabo Verde, até convenceu muitos desavisados, mas… digamos, só uma história desta natureza poderia explicar o lado inventivo dos nossos músicos e a sonoridade, que a imaginação de um Paulino Vieira e outros tecladistas, conseguiu obter de instrumentos electrónicos em moda na época! Note-se, os sintetizadores começaram a ser utilizados em 1973, por músicos europeus de talento, como os do Pink Floyd que tiveram muito sucesso, mas a popularização destes instrumentos só aconteceu a partir de 1977. Foi a partir de então que os nossos, António Sanches, Dionísio Maio, José Casimiro, Pedrinho, Quirino do Canto, Tchiss Lopes, João Cirilo, Abel Lima, Os Apolos, Américo Brito, Elísio Vieira, António dos Santos, foram cativados por estes instrumentos em moda e começaram a criar e utilizar nos seus discos os sons cósmicos de órgãos electrónicos, sintetizadores e guitarras com muitos efeitos (fuzz, whah whah, distorção etc.). Mas, só agora, 40 anos depois, conhecem a glória de um reconhecimento internacional!

O interessante, é que, há uma nova abordagem nas edições da música de Cabo Verde deita abaixo o mito de que o «pau e corda» é a base da internacionalização, porque com instrumentos electrónicos, há muitos e muitos estrangeiros que tocam melhor do que nós! Na verdade, o problema, não é o tipo de instrumento que se utiliza, mas sim, a boa música que se faz, e a INOVAÇÃO que se consegue obter! A moda, o marketing e a oportunidade fazem o resto! Um novo filão foi descoberto nesta «galinha de ovos de ouro»! O produtor Ben Rajeb deu uma lição de oportunidade e de empreendedorismo, com a história certa, no momento certo… com gravações consideradas obsoletas e uma boa promoção… sucesso garantido!

Um novo trabalho foi entretanto preparado, por este jovem tunisino, intitula-se “Bitori - Legend Of Funaná (The Forbidden Music of The Cape Verde Islands) ” foi lançado no passado dia 12 de Setembro. A apresentação deste CD inclui uma biografia do músico Bitori di Nhâ Bibinha e a história do Funaná e do seu sucesso nos primeiros anos após Independência. A aposta agora é no genuíno som do Funaná, mais um disco antigo (de 1997) agora reeditado.

Quem diria? Velhos sucessos, discos antigos, já fora de moda em Cabo Verde, ganham uma nova vida com sucesso de vendas e notoriedade para os artistas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do  nº 778 de 26 de Outubro de 2016.

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Autoria:Expresso das Ilhas,30 out 2016 6:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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