Nuno Álvares de Miranda é natural da ilha de São Vicente, onde nasceu a 23 de Outubro de 1924. Acaba, portanto, de celebrar, em Lisboa, a bíblica idade de 92 ao lado da família e rodeado dos livros que leu e de outros que escreveu, entre eles os livros de poesia: “Cais de Ver Partir”, “Gente da Ilha”, “Cancioneiro da Ilha”, “40 Poemas Escolhidos”; ensaios: “Epiderme em alguns textos”, “Compreensão da Ilha” e contos: “Gente da Ilha” e romances “Caminho Longe” e “Cais de Pedra”. Para completar essas breves notas biográficas, falta dizer que Nuno de Miranda foi editor e colaborador da revista Claridade,
co-fundador e redactor do movimento literário Certeza e autor de inúmeros artigos publicados na imprensa portuguesa e cabo-verdiana. A publicação da revista Claridade no Expresso das Ilhas deu o mote a esta entrevista feita via correio electrónico.
Assinala-se este ano os 80 anos da publicação da revista “Claridade”. Enquanto colaborador e editor que foi de quatro números desta revista e à distância de 80 anos como avalia o legado da referida revista para a literatura cabo-verdiana e para o próprio percurso de Cabo Verde como nação independente?”
Apraz-me, em primeiro lugar, recordar os longes dos anos idos, numa altura em que me cruzei em São Vicente na rua de Lisboa com o Dr. Baltasar Lopes da Silva. Propiciou-se-nos a troca das conversas que se infiltravam na alma das sempre iguais “de tardezinhas” das pequeninas coisas bem arrumadas na pequena ilha de nós-dois. E porque através das palavras trocadas se chegam às vezes, quantas vezes, a coisas genuínas e despretensiosas, flanámos por homens e pontos-de-vista dispersos que brincam ou ironizam com as mais severas formas da moral, se evadem dos mais simples compromissos, quando não se encapotam ao fugir das sombras, na procura das linhas geométricas do prazer. Resultou, por arremate, o convite que me dirigiu e por mim aceite para eu ser editor e colaborador da revista “Claridade”. Foi escassa a contribuição por mim prestada áquela publicação, cujo primeiro número rermonta aos anos de1936, dirigida pelo escritor Manuel Lopes, quando já não longe, me dispunha a abalar para Lisboa onde me fixei em definitivo, na composição da imagem serena do amadurecimento do meu espírito com base em instituições culturais. No que diz respeito à consciência e ao monólogo interior do cabo-verdiano no comezinho da sua vida urbana ou a conviver na cidadezinha do Mindelo, ademais, no respeitante à nossa maneira peculiar de “olhar o mundo” (tão miudinha, tão mindelense, tão sem “barões de fortes peitos”), bem assim no respeitante à revista de artes e letras ”Claridade”, a meu ver, bem se poderia classificá-la de “memória do povo cabo-verdiano”, quando não fosse de “obra etnológica” já pela forma de a sentir culturalmente e de a visualizar como, ainda, à perspetiva de observar e anotar o quanto em cada uma das suas páginas se expunha viva a caminhada para o futuro, na busca empreendedora da existência de Cabo Verde nos dias de hoje como nação.
Como é que surge como editor “com habilitação legal” nos números 4 a 7 da revista Claridade?
Tratou-se, como admito, de corresponder a uma comezinha portaria, legalmente reproduzida no Boletim Oficial. Este requisito jamais se consignou acerca do Director de qualquer número de “Claridade” de então. Ao cabo, foi coisa de somenos, ou seja, a insignificante borbulha de um “fait divers”. Melhor dizendo, tal como uns fósforos apagados na imensidade do nosso pensamento. Mas, se realmente foram actos efémeros dos homens, hoje em dia somos aquilo que somos neste curto reinado de suspiros e ais, em que as palavras esvanecem nas areias da morte. E tudo ao cabo, são meramente...”words”, como dizia o Hamlet.
Porque é substituído nos números 8 e 9 por Joaquim Tolentino?
As distâncias do meu pensamento a vagamundear, lembro-me perfeitamente de que já trazia a cidade de Lisboa inserida como meta, com vista primordial aos estudos universitários que me seriam proporcionados a qualquer tempo em Portugal. Daí eu tivesse, à época, pedido cordial escusa de editor da revista “Claridade”, da mesma forma pela qual me escusei igualmente a ser às tantas correspondente da revista de artes e letras ”Sul”, publicada em Florianópolis, no Brasil.
Podia falar-nos um pouco do seu percurso de vida e literário em Portugal?
Saí de Cabo Verde numa sorte de barco à vela que ao sabor do vento e das brisas, à chegada a Portugal, desde logo me entreguei, por todos cantos e cantinhos a navegar por itinerários inesgotáveis, que me atraíram a força contemplativa da minha imaginação à vida livre de femininas sombras, a que desde o primeiro minuto me dei. Quando, no entretanto, me apaziguei, sobretudo colonizado pelos escritores brasileiros de então, que de mentalidade me sugeriram outras ideias, estilos e ademais novos modos de redigir, como por exemplo, o uso exacerbado do gerúndio, desde logo foi uma festa musical para o meu espírito a provocar-me paz, sossego e espiritualidade. Mas, paralelamente, oh que felizes noites de revelações portuguesas que me vieram agora, como a letra de um fado triste de Frei Hermano da Câmara “no momento em que as luzes se iam apagando e cresciam nas trevas as rajadas de um vento suave, breve...”. Colaborei, com artigos de opinião literária, em diversas publicações como “Diário de Notícias”, “Diário Popular”, “Século”. Em tempo mais recente, publiquei nas revistas Estudos portugueses e africanos, Sul (Brasil), no jornal electrónico O Liberal (Cabo Verde), na Revista Latitudes (Paris). Publiquei livros de poesia – ex: “Cais de Ver Partir”, “Gente da Ilha”, “Cancioneiro da Ilha”, “40 Poemas Escolhidos”, de ensaio – ex: “Epiderme em alguns textos”, “Compreensão da Ilha” - contos – ex: “Gente da Ilha” - e romances - “Caminho Longe” e “Cais de Pedra” e muitos poemas e artigos ao longo dos anos.
Depois de 5 décadas a viver em Portugal, Cabo Verde distanciou-se-lhe ou tornou-se-lhe mais perto?
Ah, dexe! Menine-de-Sãocente? Moda mi? Vai bugiar. porquanto a toda hora a Aldeia-de-Craca, Rabo-de-Salina,Rua de Côco, Andresa de nhâ Mari-Júlia, Luluzinho, Toi Berona e Armanda de nhâ Maria N´ceta estão de volta-de-meu-coração amigo!
Como vê as novas tendências na literatura cabo-verdiana e qual o seu elo com os movimentos e escolas anteriores como a Claridade, Certeza, Suplemento Cultural, Seló, Folha dos Novíssimos, etc.
Em relação ao movimento “Claridade” já respondi – fui editor e colaborador. Quanto ao movimento “Certeza”, fui fundador, editor e colaborador, tendo participado com vários artigos. Não me sinto à vontade para comentar outros movimentos e escolas.
Dizem-lhe os nomes José Luiz Tavares, Valentinous Velhinho, Margarida Fontes alguma coisa?
Gostaria de ”ler” nos cabo-verdianos que estão presentemente com a elasticidade do seu pensamento a escrever, um “descobridor” que - no território ficcional, a coberto da intervenção de um tempo e de uma sociedade cabo-verdiana nos seus contornos qual fosse um Miller - colocasse adequadamente as ilhas no equilíbrio da força e na ziguezagueante seiva que me levasse a vibrar e a estremecer, a modos da avidez de um leitor sedento. No entanto, a quem, a meu mando, vai por mim às livrarias, desgraçadamente não encontra livro de compatrício à venda...
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 780 de 09 de Novembro de 2016.