Em Homenagem ao Poeta Jorge Barbosa
Enquanto o primeiro número da Claridade, já pronto há muito no original, era preparado para impressão na tipografia do Mindelo – donde só viria a sair em Março de 1936 – o Editorial Claridade apresentou ao público, em Dezembro de 1935, o livro de estreia de Jorge Vera Cruz Barbosa (Santiago, 1902 – 1971), Arquipélago, que é como que o prelúdio do aparecimento daquela revista literária.
A capa é da autoria do artista plástico modernista Jaime de Figueiredo (Praia, 1905 – 1974), que também escreve uma apreciação crítica tendo o texto sido impresso numa cinta que envolve o livro:
“Um ritmo vital próprio, perfeitamente nuançado, aflora hoje no complexo sentir humano: a psique atlântica.
O infinito azul que nos rodeia, a distância que nos envolve e beija, sublimaram de Sonho a longa simbiose dos sangues…
E fluindo sempre para o diferenciado, rasga-nos a vida novo ciclo.
Esse processus – consciencializando-se – determinará valores virgens, um inédito clima emocional, o nosso verdadeiro caminho para a integração viva na alma do mundo.” (sic)
Com este livro minúsculo, de apenas oito poemas, Jorge Barbosa entra para a história da literatura moderna cabo-verdiana como o anunciador da sua viragem para os problemas da terra, assumida pelo movimento literário ligado à revista Claridade (1936-1960).
O livro é uma homenagem à memória do Pai, Simão José Barbosa, enquanto os poemas são dedicados a amigos do grupo da Claridade e a uma prima-direita:
“Panorama”, a Manuel Velosa
Destroços de que continente,
de que cataclismos,
de que sismos,
de que mistérios?...
Ilhas perdidas
no meio do mar,
esquecidas
num canto do mundo
“Ilhas”, a Jaime de Figueiredo
S. Vicente...
A miragem do Porto Grande
Gin, Whisky,
o tabaco loiro
e o carvão e o telégrafo dos ingleses...
“A Terra”, a Manuel Lopes
Terra fértil
das bananeiras, das laranjeiras,
dos acajus,
dos cafeeiros, das uvas, dos batatais,
do milho que dá cachupa, o cuscuz,
a batanca, o gufongo;
das canas
que dão o grogue e o mel...
.........................
Se não cai a chuva,
– o desalento
a tragédia da estiagem! –
As encostas áridas, as planícies secas
sulcadas,
imitam rictos de uma dor profunda
e fantasiam carnes ao Sol mumificadas...
“Rumores”, a Baltasar Lopes da Silva
Rumores das coisas simples da minha terra...
Dos trapiches
quando esmagam a cana para o grogue
com os bois pacíficos a rodar,
sempre a rodar
ao som desse canto que vem dos currais
numa cadência estranha de nostalgia,
que deixa um arrepio a morrer no ar…
“A Morna”, a Maria Teresa Barbosa
Canto que evoca coisas distantes
que só existem
além
do pensamento,
e deixam vagos instantes
de nostalgia,
num impreciso tormento
dentro
das nossas almas…
“Povo”, a Osório de Oliveira
Conflito numa alma só
de duas almas contrárias
buscando-se, amalgamando-se
numa secular fusão
conflito num sangue só
do sangue forte africano
com o sangue aventureiro
dos homens da Expansão;
“O Mar”, a Henrique Torres
- Ai o mar
que nos dilata sonhos e sufoca desejos!
- Ai a cinta do mar
que detém ímpetos
ao nosso arrebatamento
e insinua
horizontes para lá
do nosso isolamento!
“Destinos”
Apenas o último poema e também o mais curto, “Destinos”, não tem dedicatória explícita
Destroços de que continente,
de que cataclismos,
de que sismos?
Ilhas perdidas,
esquecidas
num canto do mundo...
A obra poética de Jorge Barbosa consiste em três livros – Arquipélago (1935), Ambiente (1941) e Caderno de um ilhéu (1956), reunidos em Jorge Barbosa, Poesias I (1989) – e poemas vários publicados esparsamente na imprensa cabo-verdiana e estrangeira, organizados em Poesia inédita e dispersa (1993).
Em 2002 a obra completa do Poeta foi reunida num único volume, Obra Poética por Jorge Barbosa, editada pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 783 de 30 de Novembro de 2016.