Darwin em Santiago, ao serviço do turismo

PorChissana Magalhaes,23 abr 2017 10:47

O Dia Internacional dos Monumentos e Sítios – este ano sob o signo de Património e Turismo Sustentável – foi a data escolhida pela Rosa de Porcelana Editora para lançar o seu mais recente título, que inaugura a colecção Ponto Cardeal. “Cabo Verde – O Despertar de Darwin”, da autoria de António Correia e Silva e Zelinda Cohen, surge com o propósito de aproveitar o património histórico nacional para a aposta numa nova faceta do turismo.

Percorrer Santiago a partir de uma perspectiva histórica, refazendo os caminhos de Charles Darwin no sul da ilha onde fez a primeira escala da célebre viagem do Beagle, aquela que seria crucial para todo o seu trabalho científico e que viria a resultar na sua revolucionária teoria exposta na obra “ A Origem das Espécies”.

Este foi o mote para a escrita de “Cabo Verde – O Despertar de Darwin”, um livro de pequena dimensão mas de grandes ambições no dizer de António Correia e Silva que com a esposa, Zelinda Cohen, assina a obra.

O convite partiu da empresa turística SandyMar e nasce de “uma ambição de divulgação histórica” ao serviço do turismo.

 “Há um diagnóstico corrente de que é preciso pluralizar o turismo, ser mais do que sol & praia um turismo histórico, cultural e de natureza. Neste momento há um esforço de recuo; não matar sol & praia, que é um bom produto, mas adicionar outros produtos, o que implica um alargamento geográfico”, observa Correia e Silva.

Zelinda Cohen completa a ideia, explicando a necessidade de materiais com conteúdos que permitam aos turistas conhecerem melhor e interagirem com o local, ou seja, apostar num produto turístico que tenha mais para oferecer que não apenas artesanato. “Um turismo mais qualificado, mais exigente”, sublinha.

Desse turismo cultural, a opção óbvia do casal de historiadores foi de aproveitar, como base e ponto de partida, o trabalho científico que já tinham feito e apostar assim na narrativa histórica como produto turístico.

É portanto, segundo os seus autores, um livro para o turista ler, mas que contém tudo de uma investigação histórica, desde notas de rodapé a documentos de arquivo e notas da época.

“Partimos de uma investigação científica para a elaboração de uma linguagem acessível ao público-alvo”, explica Zelinda Cohen. Uma escrita diferente daquela a que estão habituados.

“Académicos e gente do turismo estão divididos por um mar de preconceitos recíprocos”, considera Correia e Silva. “Os historiadores acham que a escrita para o turismo é uma coisa simplória, e o contrário também é verdade. Das gentes ligadas ao turismo acharem que a escrita académica é uma coisa pesada, hermética, pouco prazerosa. Então quisemos fazer um jogo de equilíbrio, uma ponte entre os dois mundos, levando a bagagem de historiadores para outro território. Uma experiência inovadora para nós”.

 

Nhô Darwin

A passagem de Charles Darwin por Cabo Verde é um facto pouco conhecido dos cabo-verdianos e ainda carente de valorização e divulgação.

“Darwin é incontestavelmente o grande cientista da modernidade, conectou o homem com a natureza, respondeu à mais radical de todas as questões (como nasceu a vida e como ela se transformou) e curiosamente o grande momento inicial dele, o seu “despertar”, é aqui em Santiago”, refere António Correia e Silva, sem esconder o entusiasmo que o personagem e a sua ligação a Cabo Verde lhe causam.

Ressaltando a dimensão mundial do teórico da evolução das espécies, o historiador lamenta esse desconhecimento da ligação de Darwin a Cabo Verde e também o cepticismo que alguns manifestam quanto a este facto. Algo que não é exclusivo de Cabo Verde, aliás a história inúmeras vezes narrada até mesmo em canais especializados, assinalam a primeira paragem do Beagle como sendo no Brasil. Outros até citam a escala em Santiago, mas fazem-no de “raspão”.

E há já alguns anos que Correia e Silva vem buscando resgatar Darwin desse desconhecimento e a sua ligação a Cabo Verde do apagamento a que tem estado votada. Em 2009, era ainda reitor da Uni-CV quando a Universidade pública abraçou o Ano Internacional de Darwin e promoveu uma série de iniciativas para assinalar os 100 anos da publicação de “A Origem das Espécies” e os 150 anos do nascimento do próprio Charles Darwin. Para além de palestras, exposições e da publicação, em parceria com a Fundação Gulbenkian, do livro “Darwin em Cabo Verde”, os tetranetos do célebre naturista foram recebidos na Universidade e visitaram com membros da academia o Poilão, uma das paragens do cientista inglês nos seus 23 dias em Santiago.

Praia – onde desembarcou por volta das 15 horas do dia 16 de Janeiro de 1832, na Praia Negra e não na Praia de Santa Maria onde habitualmente se faziam os desembarques – foi o primeiro ponto de paragem do jovem Charles onde, para além das visitas às autoridades oficias da vila, passeou-se por lugares como o Monte Vermelho e Fonte Ana, entre outros.

Ribeira Grande (Cidade Velha), Trindade e a Ribeira de São Domingos são os outros pontos no “roteiro Darwin”. Neste último chegou a testemunhar os festejos de Nhô Febreru registando no seu diário a forte impressão que lhe ficou do batuque, que viu cantar e dançar “cerca de vinte moças pretas, vestidas com o melhor gosto” (sic).

Mas o livro, fazem notar os autores, não é apenas um relato dos caminhos de Charles Darwin em Santiago.

“Percorremos o roteiro que ele fez em Cabo Verde, não só do ponto de vista do naturalista mas também do ponto de vista social; um olhar sociológico e antropológico do que ele viu nos três concelhos em que esteve”.

E este olhar acaba por estender-se e abranger também várias referências a outras paragens do arquipélago, o contexto histórico das outras ilhas. 

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 803 de 19 de Abril de 2017.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Chissana Magalhaes,23 abr 2017 10:47

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  21 abr 2017 10:55

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.