Interessante esta entrevista ‘à distância’: uma jovem que insiste na música electrónica e procura ainda o seu caminho. Pelo que ouvi e sei, a sua integridade artística é uma esperança neste mundo algo ‘prevenido’ pelas manigâncias da chamada indústria da música. Daí o interesse em apresentar em Cabo Verde alguém que faz algo a ‘contramão’ e esteticamente diferente.
Vamos então ao princípio: a sua primeira luz neste planeta. Onde nasceu. A sua família.
Nasci em Washington no 1984, no mesmo dia que a minha mãe fez 27 anos. Ela é de Saigão (Vietname) e o meu pai é de Assam, um estado no Nordeste da Índia.
Ivy Barkakati. Exótico nome: Barkakati. Deve ter algum significado.
Barkakati quer dizer escriba. É um sobrenome do Assam.
Durante alguns anos estudou piano clássico. Esses estudos contribuíram para a sua técnica como instrumentista?
O piano deu-me mais facilidade para fazer “jams” com meus sintetizadores; mas nunca fixei as composições em partituras.
Na universidade de Maryland, onde estudou literatura inglesa, tinha um programa de rádio.
Foi a mesma universidade onde o meu pai fez o seu doutoramento e a minha fez o mestrado. Eu já sabia que iria para lá; e queria ter um ‘show de rádio’ na estação dessa Universidade. No último ano do HS comecei a assistir a concertos nessa rádio, que fica a menos de uma hora da casa dos meus pais. Nos primeiros anos passava música rock e indiana, mas depois comecei a passar música electrónica e rap. Mas me fui afastando pouco a pouco da música onde predominam as guitarras.
O vinil voltou. Para si de onde veio esse interesse? Considera uma moda?
Comecei a comprar vinis antes de ser Dj e a conhecer as questões técnicas relativas a passar música. Para mim era algo normal porque sempre andei com rapazes que também compravam discos; todos eram Djs ou produtores de música. Não penso nos vinis como uma moda, para mim é algo inerente à minha vida.
O vinil é considerado pelo ‘som quente’. Mas isso depende do processo por onde passou. Existem vinis gravados nos anos 80 ou mesmo 90 que passaram pela gravação digital. Qual é a sua apreciação sobre este fenómeno.
A verdade é que não penso nestas coisas quando escuto música, acho que qualquer formato é válido; no final a música é música.
Usa na essência um Dave Smith Evolver, famoso sintetizador.
O Evolver é um híbrido analógico-digital. Comprei-o há 7 anos. Queria adquiri-lo porque não tinha um sintetizador com um sequenciador tão bom. Adoro esse sequenciador.
E o sofware Ableton? Reage em ‘real time’ ou integra notas ‘step by step’?
Pode usar as duas técnicas. O Ableton tem muitas opções.
Se usa só este sintetizador e o software, grava em multipistas?
Tenho usado um USB MIDI controlador APC para Ableton junto com o Evolver. Também tenho um SH-101.
De onde veio o interesse pela música electrónica? Onde classifica a sua estética?
Eu sou melómana desde sempre e acho que tudo foi uma evolução orgânica. Comecei a passar música antes de produzir e tocar sintetizadores, mas por alguma razão a música que me sai quando toco é muito diferente da que passo quando estou num club. Já fiz música mais ‘escura’ e experimental. A minha música para o Hospital Productions é mais industrial, enquanto o meu tema Mango Sheen que saiu en Modern Obscure Music é mais ‘ambient’ e experimental. Ainda estou á procura da minha estética tentando encontrar um equilíbrio entre a luz e a escuridade.
Como vê o panorama da música electrónica?
Fico triste quando vejo a situação comercial que parece ser tudo; mas se quero participar não há outra maneira. As cenas locais sofrem devido a falta de espaços para fazer concertos mais pequenos ou de tamanho médio. Há muita gente que luta, mas a cada dia fica mais difícil.
Está a trabalhar um novo álbum em parceria com o artista venezuelano Phran. O que pode adiantar sobre o vosso trabalho?
O Phran e eu colaborámos numa canção há dois anos; agora acaba de sair num novo label dirigida por um amigo. É um tema de ‘house’ onde ele fez o beat e eu toquei sintetizador; escrevi a letra e gravei as vozes. Não temos um projeto conjunto embora voltaremos a partilhar o estúdio algum dia para fazer música de novo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 817 de 26 de Julho de 2017