Assinala-se centenário do torpedeamento de dois navios brasileiros no Porto Grande

PorAdilson Pereira,29 out 2017 10:31

Dois de Novembro de 1917, a Primeira Guerra Mundial decorria havia já três anos, a Alemanha desencadeava uma ofensiva contra dois navios brasileiros no Porto Grande, em São Vicente, transformando Cabo Verde em palco da 1ª Grande Guerra.

 

“O submarino alemão U-51 torpedeou o Acary e o Guahyba, dois barcos brasileiros que se encontravam fundeados no Porto Grande a caminho de Havre-França com café e peles”, conta Charles D’Oliveira, coordenador da conferência internacional sobre o património subaquático.

Do ataque germânico registaram-se duas mortes (dois marinheiros) e a perda dos navios, cujos destroços ainda jazem no fundo do mar, na Baía do Porto Grande. O afundamento desses navios com pavilhão brasileiro precipitou o reforço da defesa do Porto Grande e levantamentos no Brasil e uma deslocação do governador-geral a São Vicente.

Deste modo, cem anos atrás, o teatro da 1ª Grande Guerra estendera-se até Cabo Verde.

Para assinalar este primeiro centenário do naufrágio da 1ª Guerra Mundial no Porto Grande, o Instituto Universitário de Arte, Tecnologia e Cultura (M_EIA) vai organizar uma conferência internacional sobre o património cultural e histórico subaquático, marcado para os dias 2 e 3 de Novembro.

 

Património subaquático em conferência

A conferência internacional de Mindelo acontecerá com o propósito de revelar, promover e valorizar o património cultural subaquático mediante a partilha de conhecimentos e experiências entre países de três continentes banhados pelo oceano Atlântico.

“A necessidade inadiável de reconhecimento de uma herança da humanidade depositada no leito marinho de Cabo Verde e que temos a responsabilidade de proteger, consciencializando a sociedade sobre a sua importância na história das nações atlânticas, na nossa história”, frisa a nota da organização.

A iniciativa do M_EIA conta com o apoio das embaixadas de França, Portugal e do Brasil a nível da organização, despesas de deslocação e estadia de alguns conferencistas. “A colaboração da embaixada da França foi ainda determinante na produção do documentário ‘Cabo Verde, uma história submersa’”, revela Charles D’Oliveira.

Para o coordenador da conferência, o M_EIA está vocacionado para abordar esta temática na medida em que possui um Departamento de Museologia e Património. “A conferência é apenas um instrumento de intervenção numa área carente de atenção das autoridades públicas e da sociedade em geral”, reconhece Charles D’Oliveira.

A conferência subdivide-se em duas linhas orientadoras, segundo o coordenador. “Uma voltada para o património cultural subaquático onde abordaremos várias experiências em termos de prospeção, conservação, promoção, museologia em Cabo Verde e países dos intervenientes”, explica Charles D’Oliveira.

Outro foco está virado para o centenário do naufrágio dos navios brasileiros. “Sabendo que estamos nos anos do centenário da 1ª Grande Guerra é uma forma de contribuirmos para a promoção da paz mundial, colaborando com o repto da UNESCO nessa matéria”, sublinha D’Oliveira.

O encontro reunirá participantes oriundos de sete países de três continentes diferentes, nomeadamente Cabo Verde, Portugal, Brasil, França, Marrocos, Senegal e Alemanha.

 

Importância do património subaquático

“Cabo Verde teve um papel importante e incontornável no despertar e no engrandecimento do mundo ocidental de uma forma geral”, salienta Charles D’Oliveira, alertando que é preciso “estimar esse espólio com sentido de responsabilidade para a passarmos às gerações vindouras em condições de efectuarem a sua exploração com melhores meios e mais resultados.”

Para Charles D’Oliveira, o mar de Cabo Verde é o seu “museu maior”, tendo em atenção a quantidade de vestígios históricos ali depositados. “Em Cabo Verde, em particular, com a nossa incipiente experiência em museus, esse conceito faz muito mais sentido ainda, existindo centenas de naufrágios e outros acontecimentos que tiveram lugar desde o seu descobrimento”, explica.

Em relação aos vestígios históricos em terra, segundo D’Oliveira, estes acabaram por ser adulterados ou destruídos ao longo dos anos. No entanto, os vestígios submersos não estão livres da ameaça de desaparecimento.

“Os submersos estão também a correr esse risco, mas ainda temos muitas “cápsulas do tempo” que podem enriquecer a nossa cultura e envaidecer-nos enquanto nação atlântica entre quatro continentes”, sublinha.

 

Mais actividades em carteira

Descerramento de placa no Museu do Mar alusiva a barcos brasileiros torpedeados em 1917, exposições de livros e visualização de vídeos sobre naufrágios e património subaquático, bem como a estreia do documentário “Cabo Verde, uma história submersa”, preenchem o rol de actividades programadas para o evento.

Organizado pela embaixada do Brasil, no dia 2 de Novembro, vai haver o descerramento de um monumento e de uma placa no Museu do Mar alusiva aos barcos brasileiros torpedeados em 1917 e em agradecimento à população de São Vicente pelos cuidados que prestaram aos náufragos brasileiros.

Os conferencistas vão expor as obras e publicações que abordam as temáticas relacionadas com naufrágios, património subaquático e organização nacional/internacional da defesa, protecção e divulgação da herança cultural submersa.

“Foram convidados a expor essas obras para reforçar o impacto que esperamos ter junto ao público, académicos e instituições”, explica Charles D’Oliveira.

O evento ficará marcado também pela estreia do documentário “Cabo Verde, uma história submersa”. Trata-se de um filme de 52 minutos realizado por Emanuel D’Oliveira e Erwan Savin, com financiamento da Embaixada da França e de Cabo Verde TradeInvest.

“O documentário do M_EIA, realizado por mim e o Erwan Savin, é uma contribuição voluntária em prol de uma parte da nossa cultura, da nossa história que tem merecido muito pouca ou nenhuma atenção do país”, diz Charles D’Oliveira.

Apresenta ainda mais detalhes do filme: “É composto por três actos: compreender a existência desse nosso património, que património temos e o centenário dos afundamentos do Porto Grande.”

Segundo Charles D´Oliveira, para quem o mar é o museu maior de Cabo Verde, “todas as ilhas de Cabo Verde têm a sua história submersa para contar”.

O mar destas ilhas tem muito mais para contar do que a superfície. No entanto, conforme defendeu o co-realizador de “Cabo Verde, uma história submersa”, Charles D’Oliveira, duas razões justificaram a entrada da ilha de São Nicolau tanto no documentário como na conferência.

“Primeiro, por ter sido a ilha por onde Pedro Álvares Cabral passou quando acabou descobrindo o Brasil (segundo a História) e aí perto ter perdido uma nau. Segundo, com o aprisionamento de oito navios alemães no porto de Mindelo em 1916, os tripulantes foram enviados para lá sob prisão. Estiveram detidos no seminário de Caleijão”, aponta.

O evento será ainda preenchido com exposição de livros sobre património cultural subaquático e visualização de vídeos sobre o mesmo tema.   

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 830 de 25 de Outubro de 2017. 

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Autoria:Adilson Pereira,29 out 2017 10:31

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  27 out 2017 10:36

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