Ali, é onde se respira a tranquilidade na dose certa da paisagem honesta. Onde se pode estar no reino de homens do céu e de surpresas sempiternas.
Ó Xâxâ Gongon! Há um segredo profundo que nasce no ventre desse pedaço de terra fértil empoleirado no cocuruto da encosta da Serra Malagueta das brumas em que nas mil noites com cabeça levantada a emprestar olhares à Ribeira Principal.
Xâxâ Gongon é um local onde os sons se interrompem nas noites nevoentas das lendas; com o silêncio sepulcral do vento que vem embrulhado; com os zumbos das espécies endémicas: Acrocephalus brevipennis, Árdea purpúrea bounei e Búteo búteo bannermani paraafugentarem os vampiros. E ainda, para contrastar com a banda sonora que são as folhas secas e do rosto das pedras desfiguradas pelo tempo. As noites correm com o devagar de beijos e de sonhos cruzados, assim como fantasma é uma enorme sombra de uma sombra infinita.
Xâxâ Gongon vive do que a terra lhe dá e ainda nos empresta o que corre nas veias. Com montes salpicados de pedras basálticas; com uma verdejante ribeira das cheias fartas de Setembro (do sol contra sol a fazer pouco do sol prateado) e amigas do mar azul; com ziguezagues entre o anúncio do diabo e a tatear oportunidades que perpassam uma perplexidade. Fantasia é fantasia e fantasiar é bom!
Xâxâ Gongon é um sítio onde se está bem; onde a gente se conhece; onde a solidariedade bate à porta e o anoitecer ganha um brilho cintilante para se poder agarrar todas estrelas numa só mão. Ouvem-se grilos… Todas as noites, ouve-se o bater de palmas do vento, mas ninguém sai para as receber.
Sim. Xâxâ Gongon dá-nos razão para reclamar a arte como mensagem até da morte. Lembrei-me de uns verbos rimados, assim: “Sair é viver\Entrar é morrer “ (do TAO TE KING).
Ó Xâxâ Gongon! Com o desigual silêncio do tempo longe do diabo; com o desigual silêncio do tempo sem ser estulto por que não há sucessos eternos e nem reveses definitivos. Qual amor eterno de Albert Camus pela Maria Casarês quando evocou «Loin de toi je croyais mal vivre, mais ce n’est pas vrai. Loin de toi, je ne sais plus vivre de tous»; «Si j’avais à choisir entre le monde entier et toi c’est toi que je prefere rerais à la vie au ciel»; «Tu es mon equilibre, l’épaisseur du sang et des rêves, vérité qui me nourrit».
Ó Xâxâ Gongon, o que é isso! Não. Não, do passado nada se perde, tudo se recupera. Com o desigual silêncio do tempo longe do diabo; hoje, o mundo está a deixar-nos aturdidos e positivamente expectantes de como encaramos a morte das comunidades em cada parte do mundo como “se corrermos, o bicho pega, se ficarmos, o bicho come” ou como avisou Mário Cesariny “Ao longo da muralha que habitamos / Há palavras de vida, há palavras de morte”.
Xâxâ Gongon, pura imaginação!
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 841 de 10 de Janeiro de 2017.