Foi apresentado este sábado, no Espace l’Harmattan, em Paris, o livro «Celles qui partent pour une terre lointaine» de Martine Blanchard, com histórias de vida de 8 mulheres cabo-verdianas que emigraram para França, escritas na primeira pessoa.
Algumas dessas mulheres estiveram presentes na apresentação, em Paris, e juntamente com a autora contaram uma parte das suas próprias histórias de vida e a forma como trabalharam com Martine Blanchard.
Martine Blanchard trabalhou para a Cooperação Francesa, chegou a Cabo Verde em 1980, poucos anos depois da independência do país. Era Conselheira Pedagógica para o ensino de francês e foi para Cabo Verde para actualizar e modernizar o ensino da língua francesa.
«O francês era a primeira língua estrangeira ensinada no arquipélago, mas com métodos antiquados e eu fui implementar um novo método, moderno, específico para Cabo Verde. Fui implementar o método, formar os professores e devia ficar dois anos mas acabei por ficar 10 anos» diz a autora ao LusoJornal.
O encontro com Germana, a doméstica que contratou na cidade da Praia, está na origem do livro. «Era uma mulher com um tempero extraordinário e teve uma vida impressionante. Eu pensei logo que era importante contar aquela história, a história daquela mulher, porque histórias destas são verdadeiros romances. O tempo passou, eu trabalhava, não tinha muito tempo, mas um dia essa mulher faleceu e foi nessa altura que eu pensei que havia muitas outras mulheres cabo-verdianas que viveram histórias idênticas e eu queria contá-las».
Depois de Cabo Verde, Martine Blanchard esteve em missão no Senegal, mas guardou uma forte ligação com Cabo Verde, onde ainda vem regularmente.
De regresso a Paris, para «matar sodadi» decidiu frequentar as associação caboverdianas da região parisiense. Foi aí que começou a falar do projecto do livro e perguntando quem queria contar a sua própria história. Foi muito naturalmente que encontrou as 8 mulheres que apresenta neste livro.
Encontrou-se com cada uma destas mulheres durante três ou quatro entrevistas de duas a três horas cada uma. «Na maior parte dos casos elas receberam-me em casa delas, ou em locais próximos dos sítios onde trabalham» conta Martine Blanchard «e a maior parte delas veio a minha casa para a leitura final do texto delas».
A cantora Mariana Ramos, que também estava na apresentação e cantou uma canção em crioulo, à capela, é filha de uma das mulheres de que o livro fala. «Um dia estava numa pensão em Cabo Verde e nessa mesma pensão estava a Mariana Ramos. Num pequeno-almoço ela falou-me da história da mãe dela e eu disse-lhe logo que gostava de escrever aquela história».
Todas as mulheres emigraram para França. «Quatro vieram quando eram já adultas e fizeram a escolha de emigrar por diferentes razões: para encontrar trabalho, para seguirem os estudos, para fugir a um marido demasiado possessivo, ou para realizar uma vocação religiosa» explica a autora. «As outras quatro emigraram mais cedo. Duas delas eram adolescentes, foram os pais que lhe impuseram a emigração. Uma veio ter com o pai em Portugal, outra veio ter com um tio que vivia em Paris. Foi contra a vontade delas porque eram adolescentes e deixavam em Cabo Verde os amigos da adolescência. Não queriam vir. As outras duas vieram com as mães, ter com os pais que já estavam em França e vieram com a idade de 5 e 6 anos».
Martine Blanchard decidiu escrever na primeira pessoa. «Não há nenhuma frase minha no livro, guardei as palavras delas. Evidentemente quando se grava uma conversa de 6 ou 8 horas, há uma cozinha a fazer para que a oralidade seja mais linear e mais fácil a ler. O meu trabalho foi de ‘montagem’ de frases, mas todas as frases são delas» conta ao LusoJornal.
Bibia é de Santo Antão, mas foi cedo para São Vicente. Conta como atravessou clandestina, num barco, durante 6 dias, para Dacar, como foi para Amesterdão e depois para Paris, com o homem que amou, um músico conhecido.
Herminia é de Santiago e conta como foi para uma pequena vila alentejana onde já morava o pai, e depois veio para Paris, à procura de liberdade, trabalhar em casa de uma família rica de Neuilly-sur-Seine.
Maria Luísa ganhou uma bolsa de estudo para estudar medicina na Argélia, ainda exerceu na Praia, mas acabou por vir para Paris com François, um médico francês que conheceu em Cabo Verde. Hoje exerce em Paris e só não esteve na apresentação do livro porque tinha consultas até tarde.
Cecília Vicente é uma artista de Santa Cantarina. Depois de sair de Cabo Verde, passou por Amesterdão, mas aterrou em Paris. O grupo Sementera ajudou-a a sair de uma depressão. Sonhava ser poetisa, e já gravou alguns discos de batuques e de funanás.
Rita saiu de Santiago por vocação religiosa. Queria ser missionária. Passou por um convento em Braga antes de vir para um convento em Boulogne Billancourt, nos arredores de Paris. Foi aqui que conheceu o homem que suportou durante 30 anos para educar os filhos.
Lucinda veio para França com 17 anos porque o pai não queria que ela namorasse com um rapaz da terra. Hoje frequenta também a associação Sementera «para esquecer muita coisa».
Nandinha veio em criança para França. Veio com a mãe ter com o pai que já era emigrante em Roubaix. Conta como «saiu de casa» para se juntar ao marido, e depois como se dedicou à vida política, tanto em França como em Cabo Verde.
Za também chegou a França ainda criança. Bem mais tarde criou o Cabo Verde Business Club e a Maison du Cap Vert. Entrou «pela pequena porta» na multinacional Dell que lhe financiou um «Executive MBA» e hoje é a Diretora Geral para a Europa, Médio Oriente e Africa, da multinacional Lenovo, o número um mundial de computadores pessoais.
Martine Blanchard gostava de traduzir o livro para português. «Já tenho um editor interessado, mas os preços da tradução são muito elevados e tenho de encontrar formas de patrocínio» explica ao LusoJornal.
Para já o livro existe em Francês, editado pela L’Harmattan.