O convite para a conversa no Palácio da Cultura Ildo Lobo – que segundo o director geral das Artes irá se replicar em outros pontos do país – era para uma conversa aberta sobre o Estatuto do Artista, “com intuito de ouvir da parte da classe artística as suas preocupações, inputs, questões, entre outros aspectos importantes, que possam vir a servir no futuro para a criação de um estatuto para a referida classe”.
Ou seja, não é ainda um projecto estruturado nem mesmo um draft. O que há para já é uma ideia que “começa agora a ser trabalhada”.
“Esta conversa é, essencialmente, um levantamento da condição do artista em Cabo Verde”, explica Adilson Gomes, o actual director Geral das Artes e Indústrias Criativas para quem é importante antes de se promulgar decretos e criar leis “ouvir as pessoas com quem estamos a trabalhar e para quem estamos a fazer estas leis e a tomar estas medidas”.
Os subsídios obtidos através deste diálogo com os elementos da classe servirão assim e base para se começar a trabalhar em “algo que futuramente poderá ser um estatuto que poderá servir ao artista”. Esta fase inicial de consultas abrange a leitura de modelos internacionais de diversas origens, quer em África, como na Europa e outros pontos.
“Temos que espelhar em algo que já existe sim, mas espelhar sobretudo na nossa realidade e fazer algo que seja consensual”, tranquiliza.
E o que já existe a nível internacional são documentos que protegem e dignificam uma classe cujo trabalho é por natureza precário, por não ser fixo e permanente. Países que adoptaram um Estatuto do Artista permitiram que artistas, criadores e trabalhadores do sector da Cultura passassem a estar integrados num modelo fiscal sustentável e plenamente incluídos nas suas leis laborais. Aspectos como a regulação da remuneração são também normalmente abrangidos por esse tipo de estatutos.
Ainda uma ideia, Adilson Gomes adianta no entanto ser expectável que o Estatuto do Artista cabo-verdiano traga contempladas mais-valias como a inclusão do artista enquanto profissional no sistema de segurança social, efectuando descontos para usufruto futuro de uma pensão/reforma.
“Fazendo parte de um estatuto, os artistas passarão também a ter deveres. Para usufruir de uma pensão naturalmente terão que efectuar descontos e ter o pagamento de impostos em dia”, aponta o produtor cultural.
Outro aspecto importante é a mobilidade. O EA será trabalhado com o objectivo de incluir mecanismos que facilitem a mobilidade do artista cabo-verdiano na CPLP, “mas também nos países com os quais temos boas relações”. Para isso a responsabilidade será uma exigência de primeira linha, ou seja, terá que haver formas de garantir o retorno de quem sai como artista á base. Este compromisso será uma das contrapartidas fundamentais a mecanismos mais acelerados no processo de concessão ou eventual isenção de vistos.
“Cabo Verde vai assumir este ano a presidência da CPLP e temos que aproveitar para, a nível cultural e artístico, conseguir fazer coisas efectivas e que façam sentido. Há uma vontade de tudo fazer para que essa mobilidade, pelo menos dentro da CPLP, venha a se concretizar. Temos o exemplo do concurso DocTV CPLP, no sector audiovisual, em que conseguem fazer essa mobilidade, com uma serie de critérios. Podemos espelhar nesse concurso para trazer coisas que possam ajudar nessa mobilidade que queremos criar”, observa o DGA.
Entretanto, surge a questão: num país repleto de artistas e criadores, quem (não) se enquadraria no Estatuto?
Adilson Gomes responde que em qualquer processo em que se invoque o EA será exigido um dossier que contemple desde curriculum vitae, portfolio, cartas de referência, documentos e outros instrumentos – como reconhecimento pelos pares, prémios, referências na imprensa, entre outos – para que o proponente seja beneficiado.
Á semelhança do que ditam estatutos já existentes em outras paragens, haverá diferentes categorias, para que sejam devidamente distinguidos os artistas “consolidados” dos “iniciantes”, e eventualmente os eméritos (para os que se destacaram como artistas mas já se encontrem inactivos).
Ciente de que este será um trabalho de longo prazo, o dirigente cultural avisa que não se pretende criar algo pronto e irrepreensível mas “o esqueleto”. Isto é, um bom alicerce, que torne impossível a quem vier a seguir não pegar naquilo para continuar.
Expectante, o ilustrador Alberto Fortes, um dos criadores que responderam ao convite para a conversa aberta sobre o Estatuto do Artista, reforça esta ideia de trabalho colaborativo sublinhando a necessidade que ele exista desde o início. “Acredito que se houver interesse poderá vir a ser realidade. Mas, se não houver sinergias duvido muito que se concretize”.
Texto originalmente publicado na edição impressa doExpresso das Ilhasnº 858 de 09 de Maio de 2018.