Quinze anos de rock crioulo

PorChissana Magalhães,2 jun 2018 11:03

​Bandas de música alternativa em Cabo Verde são muito raras. Que uma sobrevivesse quinze anos é algo que ninguém apostaria. Os Primitive celebram a década e meia com o lançamento do seu primeiro trabalho discográfico: Odju Ki Ta Txekau.

Se incitados a citar as grandes bandas do passado os melómanos cabo-verdianos não hesitariam em elencar nomes como Voz de Cabo Verde, os Kings ou mesmo Os Tubarões. Algo que estes três agrupamentos musicais têm em comum é o facto de nos seus primeiros tempos, por influência dos Beatles e com instrumentos electrónicos finalmente ao alcance, terem o rock como um dos géneros de eleição.

De lá para cá, cresceu um certo nacionalismo quanto á música levando a que géneros importados, como o zouck, o reggae e o hip hop fossem sempre marginalizados pelos defensores da música “tradicional”. Não obstante tal, o rock, foi o género que cativou os fundadores da banda Primitive que, desde 2003, buscam espaço para a sua música e acabaram por conquistar o seu nicho de seguidores.

“ Foi difícil chegar até aqui. Somos uma banda autónoma, não dependemos de ninguém, nós mesmo fazemos a nossa produção, tratamos dos eventos…”, admite César “Fodja” Freitas, o líder da banda que recorda orgulhoso o trajecto de 15 anos.

“Primitive começou em 2003. Com o meu amigo Hélmer Santos, que na altura era cameraman da TCV, ouvia os Metallica, Nirvana, Pink Floyd, Smashing Pumpkin. E ele tinha vontade de criar uma banda de rock. Até que, de uma vez que viajou, trouxe uma guitarra eléctrica e começou a incitar-me a comprar uma também. O que vim a fazer e assim começamos a tocar”.

Depois disso, outros amigos juntaram-se ao grupo. Como Bob Vieira, que adquiriu uma bateria. Juntavam-se para fazerem jams e chegaram a acompanhar Princezito em palco. Nessa fase inicial, vários foram os elementos que entraram e saíram. Como Watta Carvalho. Mais adiante, juntaram-se ao grupo Bruce e Ady, que um dia quiseram participar dos ensaios e acabaram por ficar.

A fase de reproduzir “Smells Like Teen Spirit”, “Bullet With Butterfly Wings” ou “The Unforgiven” rapidamente deu lugar à criatividade e os Primitive começaram a fazer também as suas próprias músicas. César recorda o empenho que já nesses primeiros anos animava a banda a reunir-se disciplinadamente, de segunda a sexta-feira, para ensaios. “Descansávamos aos fins-de-semana”.

As actuações foram acontecendo, em palcos pequenos e para um público de aficionados.

“Um dia fui ver o Festival da Gamboa e pensei que chegaria a nossa vez de subir àquele palco. Tinha vontade de ver mudar um pouco a oferta musical do festival; era sempre funaná , zouk... Também não existiam bandas de música alternativa. Havia apenas um grupo de rock em São Vicente. Pensei, porque não ter algo diferente em palco?”

E não se ficou pela ideia. Polivalente, o faz-tudo da banda levou o seu tempo a insistir com os organizadores do evento até conseguir o seu intento. Nas primeiras vezes, tocaram mesmo de graça.

“Temos carência de bandas em Cabo Verde. Neste momento assistimos a onda de regressos. Depois de Livity, Os Tubarões, Bulimundo, agora os Rabelados. Mas acabam sempre por tocar as velhas músicas, não há novidade. Eu faço frequentemente esta crítica de que são os produtores de eventos que levam a essa escassez de bandas, porque fazem festivais e o que acontece é terem vários vocalistas mas a mesma banda suport, do início ao fim”, queixa-se o músico para quem este cenário é desmotivador, acreditando estar na base do parco número de bandas existentes em Cabo Verde.“Facilita a vida aos produtores mas, não é bom”.

“Agora já se tornou natural tocarmos no Gamboa. Temos estado presentes em várias edições e este ano também. Aproveitamos as oportunidades. Já tocamos em quase todos os festivais nacionais. Falta-nos o Baía das Gatas e São Filipe, que estava para ser no ano passado mas acabou por ser cancelado por causa do acontecimento de Monte Txota. Portanto, já estivemos em quase todas as ilhas” constata, satisfeito.

A presença no Festival da Gamboa e em outros lhes tem permitido dar a conhecer a sua música a um público mais vasto. O músico reconhece que este inicialmente não conhecia a música dos Primitive e não sabia como reagir. Hoje, diz já terem nesses eventos o seu público. E agora, com o dico, acredita que mais está por vir, inclusive a nível internacional.

César vê o CD como um documento, algo que traz um selo ao trabalho da banda e que lhes permitirá chegar mais longe. Fala inclusive do festival Rock in Rio Lisboa como uma possibilidade.

“Odju ki ta Txekau” foi um processo lento. As músicas no disco foram sendo gravadas ao longo destes quinze anos, e por isso trazem no seu DNA as mutações e a maturação que os Primitive foram sofrendo. Dos 12 temas, apenas “Um Strela pa Bo” é recente. Traz a voz de criança de Alícia Freitas, filha de César e que desde muito nova se habituou aos acordes das guitarras eléctricas e ao frenesim da bateria.

“Korno”, “Infância”, “Pamôdi”, “Festa, “Kriola Mansa”, “Bu Nomi”, “Baby Baby”, “Nka kre Nada”, “Cabo Verde”, “Style” e “Paranóia” são as outras 11 faixas do álbum, escolhidas entre as dezenas que o conjunto foi produzindo ao longo da sua existência. A última faixa traz participação de Soren Araújo para quem o porta-voz dos Primitive é só elogios: “Um rapaz de talento, grande guitarrista e conhecedor do rock”.

“A nossa música é de intervenção. Temos sempre o social como base. Falamos de tudo e a nossa mensagem é positiva e cheia de esperança”, resume o baixista sobre o conteúdo dos temas da banda. “Começamos sempre por uma ideia; surge a letra e depois começamos a brincar com a guitarra. Todos juntam algo á letra e aos arranjos. É sempre um trabalho colectivo”.

O processo colaborativo também se estende á própria produção do disco. Produzido pela Artikul CJ – produtora criada por César com o amigo Ricardo Teixeira para atender às necessidades da banda e operacionalizar o festival Grito Rock - o CD tem uma edição cuidada, com uma estética inspirada nos anos 90, e inclui um livreto de 12 páginas onde constam as letras e ficha técnica de cada tema e também fotografias assinadas por Nenass Almeida, da KrioplScope.

Longe de ver a edição do CD como o fim de algo, Freitas está disposto a continuar a colocar a sua energia ao serviço da banda e dos projectos a ela associados – o festival Grito Rock Praia e a produtora Artikul CJ – e ver os Primitive activos por mais 15 anos.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 861 de 30 de Maio de 2018.

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Autoria:Chissana Magalhães,2 jun 2018 11:03

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  2 jun 2018 11:03

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