Era adolescente, e os meus ouvidos estavam confortáveis…ou acostumados, com o Pop-Rock e alguns êxitos nacionais que na altura dominavam as rádios e discotecas.
Num Pub famoso da nossa cidade, um amigo nosso, começa a passar discos que soavam diferente e que algumas das capas não me eram estranhas, por já ter visto nos vinis do meu pai fiquei curioso.
Lembro-me bem de um dia, ter entrado nesse Pub, e ter ficado completamente absorvido por um disco, onde destacava-se o dueto de um trompetista que também cantava com uma voz única, e de uma voz feminina que parecia cantar como se estivesse a respirar. Era tao natural que parecia estranho estar “enclausurada” num disco…
Os dois pareceriam falar…imaginava-os lado a lado, sentados em amena conversa…
Seriam amigos e cúmplices de algo
Falavam de vários temas: dos dias e das noites, da lua, da alegria, da tristeza, de sentimentos...enfim, coisas normais. Porem tinham uma capacidade: a de nos passarem essa tal normalidade, de forma muito eficaz.
Lembro-me da sensação que o trompete tinha em mim , de soar no momento certo. Parecia que se entrasse uns segundos depois, perdia a magia que possuía, de quase que continuar o dialogo do dueto.
A voz rouca, do Sr. do Trompete era atípica, e a “Sra. da voz” levava-me a estados de alma, únicos. Cantava de forma tão expressiva, que me fazia entender o porque da voz ser considerado (provavelmente) o maior instrumento de todos.
Durante as tais “conversas”, faziam-me sorrir acentuadamente ou ouvir com mais melancolia, dependendo dos temas que me propunham…mexiam com estados emocionais de quem os ouvia.
E assim, o nosso grupo de amigos, continuava a ouvir este duo e outros do género musical que então descobríamos – o Jazz… que seguiu com muitos de nós, vida a fora.
Quanto aos dois senhores que acima disse, serem amigos e cúmplices em algo, viria a descobrir mais tarde que esse algo talvez fosse a vida.
Também descobri, e guardo com muito carinho que o tal duo , eram os geniais Louis Armstrong e Ella Fitzgerald.
Deixo então para partilha, um dos discos que mais ouvi -“ Ella & Louis” - aqui na versão masterizada pelo enorme Norman Granz, e que jamais deixarei de o ter sempre por perto…por tudo o que me ensinou…e pelo que me faz lembrar…
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 879 de 03 de Outubro de 2018.