“Camões Crioulo e a História das Ilhas” resgata histórias antigas

PorChissana Magalhães,17 mar 2019 8:58

​Um livro de “inclusão geográfica, linguística e cultural”. Assim se anuncia, na capa, este volume de 13 contos infanto-juvenis que Augusta Évora Teixeira, aliás Mana Guta, lança esta sexta-feira na Biblioteca Nacional.

São 13 histórias contadas à moda antiga, da maneira típica como se contavam histórias em Santiago, sobretudo no interior, e que a autora diz terem sido reunidos neste “Camões Crioulo e a História das Ilhas” com o propósito de valorizar a literatura cabo-verdiana, o livro e a leitura, e ainda preservar o valor da família como lugar de afecto.

“São esses os principais objectivos do livro e tento adaptá-los à cultura de cada ilha”, explica Augusta Évora Teixeira, que escolheu como seu pseudónimo literário o nome pelo qual é tratada pelos mais íntimos: Mana Guta.

Um livro para o público infanto-juvenil, nele a autora quis reviver as memórias do exercício de contar histórias, hábito que muito marcou a sua infância e que fez questão de continuar com as suas filhas.

O próprio personagem protagonista, o Camões Crioulo, é um personagem recuperado de um outro livro, que cresceu a ouvir a irmã, Clara, a contar histórias e agora adolescente reproduz o hábito.

As ilustrações coloridas que acompanham as histórias são da autoria de Isabel “Jija” Teixeira, de 15 anos e filha da autora.

“Ela sempre teve o hábito de ouvir as minhas histórias e depois desenhá-las. É o seu modo de entender as histórias”, conta Mana Guta que esclarece que as ilustrações foram sendo criadas em diferentes fases, conforme a filha ia crescendo, e quis então manter os originais com as respectivas histórias que os inspiraram.

“São diferentes tipos de histórias. Algumas são recolhas de histórias antigas em crioulo, e aqui traduzidas e adaptadas. Algumas das histórias ouvi-as em criança, em crioulo, e reconto-as aqui com uma terminologia e um “campo” mais moderno para as crianças de hoje poderem sentir-se representadas. Outros são contos totalmente originais”, revela.

É o caso do conto que abre o livro, “Dona Casa”, onde a personagem – uma casa que tem cabelos e que costumava encher-se de crianças e adultos que iam ouvi-la narrar histórias – foi inventada pela irmã mais nova da autora quando eram crianças, sendo recuperada por Mana Guta nesta história onde ela, a Casa, sai pelo mundo em busca de quem conheça as clássicas histórias de Lobo e Chibinho, de Tia Ganga e da Cabra Gazela, da Encantada e da Branca Flor.

“Resgatar histórias antigas é importante, uma maneira dos pais ou outros adultos da família recuperarem o hábito de contar histórias. Não necessariamente neste modelo, e sim no modelo que melhor se adaptar a cada tipo de família”, explica a escritora que vê ainda nisso uma possibilidade de se criar cumplicidade com a criança e apresentar-lhe alternativas às tecnologias que hoje concentram a atenção dos mais novos.

No livro há histórias passadas em quase todas as ilhas do arquipélago. Uma maneira de dar às crianças referências históricas sobre diferentes ilhas, algo que a autora diz não ter tido na sua infância “porque na época em que fui criança não encontrávamos muitas informações históricas sobre as ilhas” adaptadas às crianças. “Então recuperei a história (oficial) das ilhas e também personagens culturais ligadas à literatura, à música, etc. Quero fixar algumas referências de cada ilha para as crianças”.

E assim Camões Crioulo vai viajando pelas ilhas e descobrindo coisas. Como o papel que Santo Antão teve na altura em que se assinou o Tratado de Tordesilhas, que o Monte Cara já foi apelidado Cabeça de Washington, e que Boa Vista já se chamou São Cristóvão.

E porque não se trata apenas de incentivar os outros a contarem histórias às crianças mas sim fazê-lo também, Mana Guta reforça que essa tradição oral faz parte da sua rotina habitual até porque a filha mais nova tem 5 anos e não dorme sem o ansiado ritual.

“Se não estou em casa e ela não consegue que alguém lhe conte histórias, ela junta as bonecas e conta ela mesma. Eu ainda conto histórias. E foi assim que escrevi este livro. Contava as histórias, inventava algumas e depois, quando voltava a contá-las já eram diferentes. Então as minhas filhas e os meus sobrinhos chamavam atenção: “Esta história não é assim”, “não era assim que acontecia”… Então comecei a escrevê-las, para não me esquecer”, diz, sublinhando uma vez mais o elo afectivo que o hábito cria ou reforça.

Ser professora tem também influência nessa vontade de contar histórias e escrevê-las, admite a autora cujo último título destinado ao público juvenil, “Língua de Berço” publicado no ano passado, reúne provérbios, ditados, lenga-lengas e poemas em Língua Cabo-verdiana.

Também em 2018 Mana Guta lançou “Libro Grandi di Nhara Sakedu, Volumi I” e, em 2014, o livro “Outras Pasárgadas de Mim: três histórias de inclusão” rendeu-lhe um prémio atribuído pela Associação Acarinhar. Outro conto seu, “O Senhor Araújo”, recebeu menção honrosa do Prémio Matilde Rosa Araújo, de Portugal. Tem também publicados artigos e um livro de temática cadémica.

“Escrevo muito, porque é a minha forma de organizar o pensamento. Para mim não é nada maçador, dá-me prazer e todos os dias antes do trabalho escrevo um pouco, algo que não tenha a ver com o trabalho. E dá-me prazer que as pessoas leiam. Têm morrido pessoas próximas, inclusive da família, então é também uma forma de ir registando o que fui aprendendo com cada um. É uma memória da convivência que registo e fico aliviada por fazê-lo”, confessa.

“Camões Crioulo e a História das Ilhas” será apresentado pelo músico Princezito e pela professora Heldigarda Brito esta sexta-feira, pelas 17h30, na Biblioteca Nacional.

Texto originalmente publicado na edição impressa doexpresso das ilhasnº 902 de 13 de Março de 2019.

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Autoria:Chissana Magalhães,17 mar 2019 8:58

Editado porAndre Amaral  em  18 mar 2019 8:01

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