“Agora quero afirmar-me lá fora”

PorDulcina Mendes,30 jun 2019 8:37

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Em quatro anos, Elida Almeida já percorreu vários países do mundo mostrando o seu trabalho, a música tradicional e a bandeira de Cabo Verde. Dona de uma voz poderosa, doce e suave, de sorriso fácil, de simpatia contagiante e uma energia fora de série.

A jovem artista de Santa Cruz, no interior de Santiago, já se impôs no cenário da música cabo-verdiana com vários temas do nosso quotidiano e agora quer afirmar-se lá fora. A cantora de “Ora doci, Ora margós” vai nos presentear em 2020 com o seu novo disco. 

Acabaste de lançar o single “Homi Nha Amiga” em parceira com artista Elji Beatzkilla. Como é que surgiu esta parceria?

É uma parceria que estava à espera há já algum tempo. Sou fã do Elji e gosto muito dos trabalhos dele. Para mim ele é um dos melhores do continente, seus videoclips são todos muito artísticos. Era meu desejo gravar um dia com ele e, graças a Deus consegui. Desde que comecei na música foi como Elida Almeida, gosto daquilo que faço, posso fechar os olhos e cantar uma morna como também posso disparar a minha energia num afro, tabanca ou funaná. Acho que quem realmente gosta de Elida e que me tem seguido não irá surpreender-se, porque sinto o que faço. Tinha cantado com Djodje, Lura e agora foi com o Elji.

Ficaste satisfeita com o resultado?

Sim, estive em Abidjan no mês de Novembro do ano passado de férias e conheci um beat maker; entramos no estúdio e criamos aquele beat, cantei a música e coincidentemente duas semanas depois Elji também foi para Abidjan e o meu produtor mostrou-lhe a música e ele gostou. Todos os instrumentos foram captados em Abidjan e os videoclipes foram gravados em Cabo Verde, mais concretamente entre Pedra Badejo e Cidade da Praia. Até então o feedback tem sido bom. O público tem estado a gostar. O single foi lançado a menos de uma semana e já está com mais de 400 mil visualizações, só tenho a agradecer.

É uma mensagem que pretendes passar com este single?

Sim, é uma mensagem em que a palavra-chave é lealdade. É algo que já aconteceu com muitas pessoas. Já aconteceu comigo e com as pessoas que conheço, então é mais um tema do nosso dia-a-dia. Nas minhas músicas sempre retrato as coisas do nosso dia-a-dia. Com esta música pretendo mesmo chamar atenção das pessoas para serem leais com os seus amigos e para não abrirem mão de uma amizade por causa de uma relação que pode demorar uma semana. Então, é mais nesta linha que tento chamar a atenção das pessoas.

Estás a preparar um novo disco?

Sim, já comecei a gravar a maquete, estou focada na criação de coisas novas e também fazendo recolha de músicas nas pessoas que gosto e admiro, sobretudo nos compositores que têm estado a acompanhar o meu trabalho desde início da minha carreira como Carlos Reis (Manu Reys) e Jorge Tavares. Neste momento estou a recolher as músicas, mas por enquanto já tirei este single, no mês de Outubro vamos tirar outro que fiz com uma cantora brasileira que gosto muito, já temos tudo preparado. E a partir do mês de Novembro vamos focar 100% na produção do disco, para fechar as listas das músicas que vamos seleccionar para começar a pré-produção e todos os outros trabalhos até saída do disco.

Quando é que o disco estará no mercado?

O disco sairá entre final de Fevereiro e início de Março de 2020. Está a ser trabalhado com muito cuidado.

Terá muitos temas inéditos?

Sim, mas também tenho temas que desde sempre desejei gravar. Tenho muita autocrítica comigo, porque só gravo uma música se sentir que estou preparada para tal. Gosto muito da música “Nós Fé” e “Sucuro” de grupo Bulimundo. Digo sempre ao cantor Zeca di Nha Reinalda que um dia quando sentir que já cheguei aos pés dele vou gravar esta música. Também, como sou compositora e graças a Deus a composição não me falta, então os meus discos têm sempre muitos temas inéditos. Procuro sempre gravar uma música com uma roupagem nova, porque não vale a pena tocar uma música só por tocar, temos que deixar a nossa marca, neste caso pela positiva.

Já escolheste um nome para este disco?

Ainda não chegamos à fase de pensar no tema do disco, mas é um trabalho que está a ser preparado com muita calma, tranquilidade e por enquanto vamos lançar os singles.

Ainda estás na promoção do teu segundo disco?

Estou ainda na “Kebrada Tour”. No ano passado tivemos uma agenda muito cheia, graças a Deus. Este ano, temos estado a fazer muitos concertos, menos do que no ano passado. Estive num show no Paul, em Santo Antão, antes estava na ilha de Reunião, fui para uma criação que tínhamos apresentado no Kriol Jazz Festival, deste ano. Esta criação é muito bonita e cada vez que ensaiamos e fazemos uma residência fica mais interessante.

Como é que está a tua agenda de espectáculos para este Verão?

Estive numa homenagem a Cesária Évora, na Turquia. Tributo a Cesária Évora é um projecto que existe desde a morte da cantora e tem estado a funcionar muito bem; já fiz muitos concertos em vários países. Na Turquia está foi a segunda vez, e em Cabo Verde fiz um show na Ilha Brava, por ocasião das festas de São João. Foi a minha primeira vez na Ilha das Flores. No dia 24, estive na ilha de São Vicente e no dia 1 de Julho, vamos sair para uma tournée no Canadá, onde teremos cerca de oito espectáculos. No dia 20 de Julho tenho um show especial nos Estados Unidos da América juntamente com Hélio Batalha. Depois tenho mais quatro concertos na França. Tenho ainda mais um concerto de homenagem a Cesária Évora no início de Agosto. Depois regressaremos para concertos em Cabo Verde. Temos estado a girar e a promover o álbum “Kebrada” misturado com “Ora doci, Ora margós” e “Djunta Kudjer”.

Para uma pessoa que saiu de um concelho de interior de Santiago e que já pisou vários palcos do mundo, como é que vês a tua trajectória?

Sinto-me abençoada, estou a ter oportunidade de viajar e de conhecer o mundo. Com estas viagens, também a tua mente viaja contigo e abre-se ao mundo. Cada vez que viajas para um país diferente é um pensamento diferente e é algo para o teu enriquecimento cultural e cada tipo de música que ouves acabas por interiorizá-la. É dali que as minhas influências surgem, é das coisas que oiço e acabo por misturar e fazer um mix. Cada país que vamos tem sido isso. A minha aventura tem sido maravilhosa, sobretudo para o continente. Já conheci cerca de 20 países, cada um mais bonito que o outro, em termos de natureza e musicalmente. Países como Mali, Congo e Costa do Marfim são riquíssimos musicalmente. Então, tem sido espetacular as minhas aventuras.

Viver num país e estar constantemente a viajar, acredito que não seja só mar de rosas …

Claro que não, também é muito cansativo, ficas horas mais horas dentro de um avião. Viajar não tem só momentos bons mas também há momentos menos bons, mas é uma luta muito grande, por isso tens que gostar muito daquilo que fazes para poderes continuar. Às vezes para chegares a um lugar e conquistar um espaço e seres respeitado tens que aguentar muitas coisas até subires ao palco e mostras o teu potencial, para que as pessoas possam respeitar e valorizar o teu trabalho.

Sobretudo neste mundo muito competitivo…

Esse mundo é muito competitivo, mas somos abençoados porque Cabo Verde tem uma boa reputação lá fora. É todo um trabalho que foi feito pelas gerações mais antigas como Cesária Évora, Ildo Lobo, Bana e outros, de modo que a nossa música é respeitada. É toda uma batalha, sobretudo para mim que faço um estilo de música tradicional com toques modernos, fusões, com adição de coisas diferentes. Então o trabalho é ainda maior. A música de Cabo Verde foi tão bem colocada no mundo e ela é tão forte que muitas pessoas pensam que somos só morna e coladeira, mas não nos resumimos só à morna e à coladeira. Para nós que somos do Sul é trabalho dobrado, temos que afirmar o batuque, funaná e tabanca. A tabanca tenho estado a observar que funciona e que as pessoas gostam, ela é um estilo que faz as pessoas mexer, já vi que temos grandes oportunidades de impor a tabanca no mundo, mas é um grande trabalho que temos que fazer até conseguirmos afirmar outros estilos de Cabo Verde no mundo.

Além da música, pretendes fazer outra coisa?

Sim, quero voltar a estudar, e isso pode acontecer a qualquer momento. O meu sonho é fazer Direito, é algo que pretendo fazer.

Porquê Direito?

Porque passei por várias coisas, então escolhi esta área. Tenho um sonho e sobretudo para a minha mãe o dia em que fizer este curso será uma grande alegria. Então estou a pensar seriamente em voltar para a escola. Vamos lá ver se vou conseguir conciliar as duas coisas.

Estás com dois discos no mercado. Já pisaste vários palcos do mundo. Qual o balanco que fazes da tua carreira artística até agora?

Graças a Deus, tem sido bom, tive o privilégio de chegar e de ser sempre bem recebida e das pessoas consumirem as minhas músicas, de fazer os meus sofrimentos e alegria serem deles, isso ajuda muito. Digo sempre que não vejo um artista a ser aceite e abraçado dentro da sua terra e depois ser levado para mais longe pelas mesmas pessoas. Quando assim é tens muito mais força. Quando vou à França, por exemplo, e encontro uma sala com 50 por cento de cabo-verdianos. Isso me dá uma alegria e vontade de dar o meu máximo. E quando encontro uma sala com 100 por cento de estrangeiros, é mais exigente, porque tenho que afirmar e fazer com que as pessoas saem de lá surpreendidas. Se tens um cabo-verdiano no teu show sentes aquela energia que te faz sentir uma alegria e uma vontade de fazer as coisas que sabes fazer com mais garra. A minha experiência tem sido boa, sempre que vou para França, Portugal e sobretudo Estado Unidos da América sou abraçada de uma forma espectácular, pois tenho só balanço positivo. Por outro lado, há muita dificuldade de nos impormos lá fora, pois existe uma competição que não acaba, mas temos o privilégio de ser cabo-verdianos. Costumo dizer que a Cesária Évora nos estendeu um tapete vermelho onde desfilamos e mostramos a nossa música. É um trabalho muito mais fácil pois acredito que em outros países ainda existem muitas dificuldades de afirmar as suas identidades.

Quais os teus planos para o futuro?

Tenho tantos planos e sonhos que quero realizar com o tempo. Tenho o sonho de ver Santa Cruz num outro nível no mundo da música, quero ver o meu concelho mais levantado musicalmente. Por isso estou sempre engajada em várias actividades como no concurso de crianças, gosto de partilhar com elas a minha experiência e participar em todas as actividades culturais. Acho que são essas pequenos acções que acabam para fazer a diferença e reflectir amanhã na vida destas crianças. Em Cabo Verde as pessoas respeitam-me e agora quero afirmar-me lá fora. É um trabalho muito mais cansativo, mas vamos conseguir e aos poucos chegaremos lá.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 917 de 26 de Junho de 2019. 

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Autoria:Dulcina Mendes,30 jun 2019 8:37

Editado porDulcina Mendes  em  27 mar 2020 23:21

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